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A questão da Autonomia/Independência do Banco Central – Parte VII (Final)

Prezados leitores:

Publicamos hoje a sétima e última parte deste excelente material produzido pelo economista Lívio Oliveira, que trata de forma didática e detalhada, da questão da autonomia/independência do Banco Central.

Caso tenha perdido os artigos anteriores, acesse-os facilmente pelos links abaixo:

Parte I    Parte II    Parte III    Parte IV    Parte V     Parte VI

 

Continuação:

 

  1. AUTONOMIA DO BANCO CENTRAL: CONTEXTUALIZAÇÃO DO CASO BRASILEIRO (CONTINUAÇÃO).

 

5.1. Do Debate à Conquista da Autonomia do Banco Central do Brasil: A Lei Complementar Nº 179.  

No Brasil, durante muitos anos, foi discutido, nos meios acadêmicos e políticos, isto é, nas Universidades e no Congresso Nacional, além da imprensa, o projeto de autonomia/independência do Banco Central do Brasil (BACEN) em relação ao Executivo. Tal proposta, antes de tudo, deveria levar em consideração os aspectos históricos e institucionais da realidade brasileira, para definir que tipo e que grau de autonomia seriam desejáveis para o BACEN. Segundo Santos (2002) o marco legal-regulatório da autonomia do BACEN deveria considerar a importância de rever as próprias funções atribuídas, constitucional e legalmente, ao banco. Isso o desoneraria do exercício de funções não típicas nas áreas normativo-legislativa, executivo-tributária, interventiva e fiscalizadora. Esse autor cita o caso de concessão de autonomia ao Banco da Inglaterra, em 1997, onde funções não típicas, antes de responsabilidade do banco, foram transferidas para uma agência específica.

Nesse debate, se propunha que a autonomia da autoridade monetária deveria envolver competências exclusivas nas áreas: a) Administrativo-Organizacional b) Patrimonial-Financeira e c) técnica, no manejo da política monetária pelo Banco Central.

  • A autonomia Administrativo-Organizacional se relaciona a questões de função, composição, escolha, duração do mandato e demissão dos diretores do BACEN, política de contratação de funcionários, dentre outras. Nesse contexto, considera-se que um mandato pré-fixado, relativamente longo e dessincronizado dos dirigentes do BACEN em relação ao do Poder Executivo Federal contribui decisivamente para a maior autonomia da instituição;
  • Autonomia Patrimonial-Financeira se refere à competência do banco em ter um orçamento próprio, com incorporação patrimonial dos seus resultados operacionais. Sendo assim, ficaria vedada definitivamente a transferência de recursos ao Tesouro, como a senhoriagem, o que sinalizaria uma posição de não subordinação em relação ao governo;
  • A autonomia técnica, em sentido pleno, se relaciona à definição de metas e/ou instrumentos pelos quais o banco central deve perseguir os seus objetivos. Essa autonomia se relaciona também à gestão das políticas creditícia, de dívida pública e de câmbio, em decorrência da interdependência que estas possuem em relação aos agregados monetários.

No período em que a proposta de autonomia do Banco Central do Brasil esteve amadurecendo,  houve um debate sobre se uma autonomia elevada não conduziria a uma concentração excessiva de poderes no BACEN. Conforme Selene e Ricardo Nunes declaram: “Um banco central independente poderia transformar-se num quarto poder em virtude de sua atuação histórica em operações de natureza quase-fiscal, com o agravante de que não teria suporte ou aprovação da sociedade”. Assim, era considerado importante, nesse debate, avaliar em que medida a eficiência da política econômica como um todo seria afetada em consequência de um possível insulamento de uma autoridade monetária comprometida exclusivamente com a estabilidade de preços, como era a proposta de alguns teóricos. Aliás, como já foi apontado anteriormente, o controle da inflação não está relacionado, necessariamente, à existência de um banco central independente quando se trata de países em desenvolvimento. Mesmo no mundo desenvolvido, durante anos, houve nações cuja autoridade monetária não possuía autonomia em relação ao governo, como no Japão e, todavia, os índices de preços permaneceram estáveis. Também o crescimento econômico não está relacionado à independência do banco central, como foi citado.

Após um longo processo de amadurecimento institucional sobre o tema da autonomia do Banco Central do Brasil, que durou pelo menos duas décadas, foi aprovado, pela Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei Complementar Nº 19 de 2019 (PLC 19/2019), que já tinha sido votado no Senado, transformando-se, com a sanção do Presidente da República Jair Bolsonaro, na Lei Complementar Nº 179, de 24 de fevereiro de 2021.

Um dos principais benefícios da recém-aprovada autonomia do Banco Central é a separação entre o ciclo político-partidário, com seu calendário de eleições de curto prazo, e o ciclo da política monetária, que tem prazo mais longo, pois precisa de tempo para que os seus efeitos sobre a inflação e a atividade econômica se tornem manifestos. Quando não há separação desses ciclos, abrem-se as portas para pressões políticas sobre o Banco Central, de modo que relaxe o rigor na condução de seus objetivos de manter a inflação estabilizada, em troca de um crescimento econômico de curto prazo, ainda que com custos inflacionários posteriormente.

O artigo 1º da Lei Complementar Nº 179 estabelece que:

“Art. 1º O Banco Central do Brasil tem por objetivo fundamental assegurar a estabilidade de preços.

Parágrafo único. Sem prejuízo de seu objetivo fundamental, o Banco Central do Brasil também tem por objetivos zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego”.

Assim, a Lei afirma, em primeiro plano, a estabilidade de preços como meta prioritária do Banco Central, mas também atribui à autoridade monetária outras funções importantes, incluindo a supervisão do sistema financeiro e a atenuação dos choques exógenos sobre a atividade econômica com foco no pleno emprego dos fatores produtivos.  Essa busca pelo pleno emprego, como meta secundária do Banco Central, não foi muito bem recebida por alguns especialistas, que defendem a tese de que o único compromisso da autoridade monetária deveria ser com a estabilidade de preços, e não com qualquer outra meta.

Dentre outros dispositivos, em linhas gerais, a Lei Complementar estabelece que:

  1. As metas de política monetária serão determinadas pelo Conselho Monetário Nacional, com o Banco Central dispondo livremente de instrumentos para que sejam atingidas.
  2. A Diretoria Colegiada do banco terá 9 membros, incluindo o seu Presidente, todos eles indicados pelo Presidente da República e escolhidos entre brasileiros idôneos, com comprovadas competências e conhecimentos na área econômico-financeira. Os integrantes da Diretoria serão nomeados para suas funções pelo Presidente da República após serem sabatinados e aprovados pelo Senado Federal.
  3. O mandato do Presidente do Banco Central terá duração de 4 anos, iniciando no dia 1 de janeiro do terceiro ano do mandato do Presidente da República. Os mandatos dos diretores terão alternação de ciclo de dois anos (dois por ano). Dois diretores terão início de mandato no dia 1 de março do primeiro ano de mandato do Presidente da República e os demais, em 1 de janeiro em cada ano sucessivo dos três anos restantes desse mandato. Assim, os mandatos dos diretores do Banco Central são fixos e não coincidentes, se superpondo apenas parcialmente ao período do mandato do Presidente da República. Essa é mais uma regra que busca separar os ciclos da política monetária do ciclo político-eleitoral.
  4. Os integrantes da Diretoria Colegiada também ficam blindados contra injunções de cunho político, pois somente podem ser exonerados em casos justificados, desde que haja aprovação pela maioria absoluta do Senado.
  5. O Banco Central passa a ser definido como autarquia especial, não estando mais subordinado a nenhum ministério, sem tutela ou subordinação hierárquica, dispondo de autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira.
  6. O presidente do Banco Central fica obrigado a apresentar, perante o Senado, em sessão pública, relatório de inflação e relatório da estabilidade financeira, no primeiro e no segundo semestre de cada ano, prestando contas das decisões tomadas no semestre anterior.

Em que pese a crítica de estudiosos a alguns pontos, incluindo a questão da meta secundária pela busca do pleno emprego, o formato da autonomia do Banco Central do Brasil, implementado pela Lei Complementar Nº 179,  é a concretização de um antigo anseio de especialistas que pretendiam obter essa autonomia já na criação do próprio Banco Central, em 1964, no regime militar, mas que não foi possível à época pela oposição dos dirigentes do país.  Essa falta de autonomia do Banco Central trouxe prejuízos enormes ao Brasil, devido à subserviência da autoridade monetária a sucessivos governos que usaram a instituição para atingir objetivos que nada tinham a ver com a estabilidade de preços, o que contribuiu para a inconsistência das políticas macroeconômicas e a ineficácia da política monetária em vários momentos. Isso teve como resultado principal o descontrole inflacionário e a hiperinflação. 

6.CONCLUSÃO

A defesa da autonomia/independência da autoridade monetária tornou-se relevante, sobretudo em função do maior prestígio que a estabilidade de preços alcançou atualmente, em detrimento de outros objetivos de política econômica, como o pleno-emprego. Os teóricos que defendem essa ideia estão convencidos de que esse é o meio mais eficiente de alcançar a estabilidade de preços, o principal critério para definir o desempenho econômico de um país, segundo eles. No caso brasileiro, a crescente autonomia que o BACEN conquistou, ao longo do tempo, contribuiu para melhorar a credibilidade da instituição, e consequentemente, para a manutenção do controle inflacionário, mediante mecanismos de atuação cada vez mais transparentes. Com isso, tornou-se possível a conquista da autonomia do BACEN recentemente, após pelo menos duas décadas de debates, com a Lei Complementar Nº 179.

Diante de ambivalência público-privada do Banco Central, foi fundamental estabelecer quais os canais mais adequados de relação da instituição com o governo e o mercado, levando-se em consideração os aspectos histórico-institucionais da realidade brasileira. A partir de agora, com a aprovação da autonomia, o aumento da segurança jurídica e a diminuição de riscos de ingerência política sobre o Banco Central do Brasil, neutralizando as pressões sobre o banco no sentido de que este se desvie de seus objetivos, quer tenham origem estas pressões no setor público ou no setor privado; espera-se que aumente a eficiência e a consistência da política macroeconômica como um todo e, em especial, da política monetária. Isso será fundamental para assegurar a manutenção da estabilidade de preços e juros em patamares equivalentes aos dos países desenvolvidos e dos principais emergentes, o que redundará em um ambiente propício para a atração de investimentos, dos quais tanto o  país necessita, e o desenvolvimento econômico no Brasil.

BIBLIOGRAFIA

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SANTOS, Luiz Alberto dos. Banco Central: Independência, Autonomia, Acccoutability e Governança, 2002.

 

 

Lívio Oliveira, para Vida Destra, 29/03/2021.                                                            Sigam-me no Twitter! Vamos debater o assunto! @liviololiveira

 

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Lívio Luiz Soares de Oliveira. Economista, analista pesquisador, articulista do Vida Destra