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PL das Fake News: Transparência na Internet ou Censura?

Está prevista para votação ainda neste mês de novembro/2021, na Câmara dos Deputados, o PL 2.630/20 de autoria do senador Alessandro Vieira, que institui a Lei Brasileira de Liberdade e Responsabilidade e Transparência na Internet, mais conhecido como o PL das Fake News. Tal projeto já foi aprovado pelo Senado, e foi apresentado à Mesa da Câmara substitutivo do relator, deputado Orlando Silva, do Grupo de Trabalho instituído pelo Presidente, Arthur Lira. Caso a proposta seja aprovada na Câmara deverá retornar ao Senado em virtude das alterações.

Antes de mais nada torna-se necessário entender que FAKE NEWS foi uma expressão que, embora cunhada ainda no século XIX, se popularizou em âmbito mundial durante as eleições de 2016 nos Estados Unidos da América, em que foram identificadas dezenas de sites veiculando conteúdo intencionalmente falso e enganoso envolvendo principalmente os então candidatos à Presidência, Donald Trump e Hillary Clinton.

Diferentemente do Senado Federal, onde o projeto foi aprovado a toque de caixa, sem a realização de Audiências Públicas, com a nomeação do Presidente da CPMI das Fake News, senador Ângelo Coronel,  como relator do PL 2.630/20, o projeto vem sendo discutido por órgãos públicos, bem como plataformas privadas e diversas empresas, apesar do viés de algumas como TIK TOK e LUPA NEWS.

Foi à época da CPMI das Fake News, que deputados e um senador foram ao STF, dando motivo para abertura do inquérito do Fim do Mundo ou das Fake News, irregular, com base no artigo 43 do Regimento Interno do STF, sem ampla defesa e contraditório. Fruto motivador para o TSE abrir outro inquérito administrativo, este ano, que desmonetizou canais conservadores nas plataformas digitais YouTube, Twitch TV, Twitter, Instagram e Facebook por propagarem desinformação.

Voltando ao PL 2.630/20, foram realizadas 15 audiências públicas (*) e 11 Mesas (**) com diversos temas, mas onde a palavra marcante era Desinformação, impossível que o relator não saiba definir, até hoje, o que seja, sabendo-se que na Biblioteca do Senado tem o livro “Desinformação”  de autoria de  Ion Mihai Pacepa e Ronald Rychlak, sendo que este último autor afirma: “A primeira vez que ouvi o termo desinformação foi através do Professor Olavo de Carvalho. Lembro-me das palavras dele: “O sujeito que fala uma coisa dessas ou é ignorante ou desinformante”. O ignorante é aquele que desconhece o assunto e opina à respeito. O desinformante espalha a mentira como se fosse verdade, sabendo muito bem o que está fazendo”.

Segundo Rychlak, Desinformação (i.e, dezinformatsyia) é uma ferramenta de inteligência secreta, utilizada para outorgar falsas informações por meio de órgãos não governamentais para influenciar a opinião pública do Ocidente.

Ingressando propriamente na proposta legislativa, ela traz regras para aplicação em provedores de redes sociais, como Instagram e Facebook, bem como serviços de mensageria instantânea, como WhatsApp e Telegram, além de ferramentas de busca, como Yahoo e Google, que exerçam atividade com fins econômicos e contem com mais de 2 milhões de usuários registrados no país.

Reparem que o TELEGRAM é um serviço de mensageria instantânea sediado no exterior, mas como presta serviços no Brasil vai ser alcançado pela legislação brasileira quando o PL 2.630/2020 entrar em vigor. Idêntica situação acontecerá com GETTR na medida que contem com o número de usuários fixado pela Lei. Não tenho dúvida nenhuma, que este último será o refúgio de brasileiros no período eleitoral de 2022, que também serão objeto de cerceamento através da limitação do número de encaminhamentos de uma mesma mensagem a usuários ou grupos.

No artigo 3o da Lei estão previstos os princípios, abaixo descrevo alguns, nos quais a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet deve ser pautada, os quais acredito, serão os primeiros a serem violados pelo Comitê Gestor da Internet: I – liberdade de expressão e de imprensa; II – garantia dos direitos de personalidade, da dignidade, da honra e da privacidade do indivíduo; III – respeito ao usuário em sua livre formação de preferencias políticas e de uma visão do mundo pessoal; VI – acesso não discriminatório dos usuários aos serviços dos provedores de aplicações de que trata esta lei, inclusive acesso a dados atualizados e vedação à restrição técnica de funcionalidades, salvo em caso de descumprimento do disposto nesta Lei; VII – acesso amplo e universal aos meios de comunicação e à informação.

Reforçando alguns princípios, temos no art. 4º os objetivos que ressaltam: I) o fortalecimento do processo democrático e fomento à diversidade de informações no Brasil; II – a defesa da liberdade de expressão e o impedimento da censura no ambiente online e da aplicação discriminatória de termos de uso pelos provedores de que trata esta Lei; III – a garantia de transparência, do contraditório, da ampla defesa e do devido processo em relação a procedimentos de aplicação de termos de uso e outras políticas próprias da plataforma, em particular, quando se tratar de medidas que restrinjam a liberdade de expressão ou a funcionalidade de conteúdo e contas de usuários.

Quando tecem comentários sobre processo democrático, já vejo a censura chegando, aliada à busca da diversidade de informações, a famigerada ideologia de gênero. Tão mais no devido processo, em que você é cancelado, suspenso das plataformas e fica a ver navios.

No campo de definições da nova Lei, é deveras preocupante o perfilhamento, em que se admite a possibilidade de segregação pelas plataformas digitais, como é o caso de conservadores, como é feito no inciso VI do artigo 5o, conforme abaixo:

Perfilhamento: qualquer forma de tratamento parcial ou automatizado de dados para avaliar certos aspectos pessoais de uma pessoa natural, objetivando classificá-la em grupo ou perfil de modo a fazer inferências sobre o seu comportamento ou condição futura especialmente com relação ao seu desempenho profissional, a sua situação econômica, saúde, preferencias pessoais, interesses, desejos de consumo, localização.

Já no Capítulo 2 temos a responsabilidade dos provedores que devem assegurar a liberdade de expressão, adotando as seguintes medidas: I – vedar o funcionamento de contas automatizadas não identificadas ao usuário ou à plataforma como conta automatizada; e II – identificar todos os conteúdos impulsionados e publicitários cuja distribuição tenha sido realizada mediante pagamento ao provedor de redes sociais, bem como os conteúdos referentes às contas automatizadas.

Aqui sem dúvida, as “Tias do ZAP” se livraram no aspecto de contas automatizadas não identificadas, uma vez que detém CPF. Já quanto aos conteúdos impulsionados, tivemos na CPMI das FAKE NEWS  o descortinamento de um partido político, com afirmação do ex-funcionário Hans River do Rio Nascimento, da empresa Yacows, ao deputado federal Rui Falcão-PT, de que eles eram responsáveis pelos disparos em massa para campanha política do PT, via WhatsApp, o que não deveria ter sido objeto de apenas uma “multinha” pelo TSE. Fato que deveria ter motivado a cassação do PT e prisão, como tanto queria o ministro do STF, Alexandre de Moraes.

Quanto aos serviços de mensageria instantânea têm como finalidade:

I – vedar os encaminhamentos de mensagens ou mídias recebidas de outro usuário para múltiplos destinatários;

II – determinar que listas de transmissão só poderão ser encaminhadas e recebidas, em qualquer hipótese, por pessoas que estejam identificadas, ao mesmo tempo, nas listas de contatos de remetentes e destinatários;

III – instituir mecanismos para aferir consentimento prévio do usuário para inclusão em grupo de mensagens, listas de transmissão ou mecanismos equivalentes de agrupamento de usuários

IV – desabilitar, por padrão, a autorização para inclusão em grupos e em listas de transmissão ou mecanismos equivalentes de encaminhamentos de mensagens para múltiplos destinatários

  • 2o Os provedores de mensagens instantâneas precisam criar soluções para identificar e impedir mecanismos externos de distribuição em massa.

 

Reparem que o projeto permite o rastreamento de mensagens que se espalharem por determinado número de contas. A empresa responsável pela aplicação estaria obrigada a reter mensagens e dados privados de usuários. A ideia é garantir que, em caso de investigação, seja possível localizar o emissor principal e por conseguinte, o criador do conteúdo em questão. Com isso, o poder público supostamente contaria com um instrumento para coibir a disseminação de notícias falsas, principalmente as de conteúdo infamante ou calunioso, além de identificar as contas que serviriam somente como “robôs”, para disseminação das mensagens.

No antepenúltimo capítulo da Lei, o relator incluiu a “piece of resistance” dos dedos duros, qual seja, a obrigatoriedade dos provedores instituírem a autorregulação, em que terão como função principal a criação e manutenção de uma plataforma para recebimento de denúncias sobre conteúdos ou contas, a ser supervisionada pelo Comitê Gestor da Internet (CGI.br). Segundo Orlando Silva, este modelo é melhor que o sugerido pelo Senado, de criar um Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet, já que o CGI já se constituiu como órgão experiente em questões regulatórias da internet. Só questiono, enquanto o Brasil caminha para a desregulamentação, Orlando Silva querer uma regulação automática.

Quanto aos provedores, eles estarão sujeitos a sanções, que vão desde advertência até proibição do exercício das atividades em caso de descumprimento da Lei. Questiono se o PL das Fake News não exorbita em atribuições aos provedores, frente ao que disciplina o artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) que diz: “Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário”.

No que diz respeito ao CGI, ele será responsável pela elaboração do Código de Conduta e avaliar os procedimentos de moderação de conteúdos adotados pelos provedores durante as eleições, conforme abaixo:

Art. 17. Os provedores devem disponibilizar aos usuários, por meio de fácil acesso, a visualização de todos os conteúdos de propaganda eleitoral impulsionada;

Art. 18. Os provedores que fornecerem impulsionamento de propaganda eleitoral ou de conteúdos que mencionem candidato, coligação ou partido devem disponibilizar ao público todo o conjunto de anúncios impulsionados;

No que tange à propaganda, não apenas eleitoral, que será objeto de responsabilidade de provedores, gostaria de saber se tomarão algum tipo de atitude contra instituições, como o Sleeping Giants, que impedem a monetização de canais.

O CGI instituirá uma câmara multissetorial composta por 17 membros, com mandato de 2 anos, admitida uma recondução, sendo: I – 4 representantes do poder público; II – 4 representantes da sociedade civil; III – 4 representantes da academia e comunidade técnica; III – 4 representantes do setor empresarial, sendo 2 dos provedores de aplicações e conteúdo da internet e 2 do setor de comunicação social; e V – 1 representante das organizações de verificação de fatos.

A indicação será feita dos incisos II a V por associações e entidades representativas de cada setor ouvido o CGI. Duvido, que o “Verdade dos Fatos”  do Twitter seja escolhido como organização de verificação de fatos.

Na parte final, o PL 2.630/20 prevê o crime de promover ou financiar, pessoalmente ou por interposta pessoa, o disparo em massa de mensagens que contenham fatos comprovadamente inverídicos e passíveis de sanção criminal, que causem dano à integridade física das pessoas ou sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral. Com a pena prevista de 1 a 3 anos de reclusão e multa.

Em 20/09/2021, o Governo Federal encaminhou o PL 3.227/21, que limita a remoção de conteúdos em redes sociais com mais de 10 milhões de usuários. Tal medida altera o Marco Civil da Internet e a Lei 9.610/98, que trata de direitos autorais, “de forma a explicitar os direitos e garantias de usuários de redes sociais e prever regras relacionadas à moderação de conteúdo pelos respectivos provedores”.

Ao contrário do que prometeu, o relator Orlando Silva não incluiu em seu parecer a análise do Projeto de Lei  (PL 3.227/21) do Poder Executivo, ficando tal decisão para o Presidente da Câmara, Arthur. Lira.

Concluo dizendo que a Lei tem como único foco a eliminação de robôs e milicianos digitais como são alcunhados os conservadores e, nunca será motivo de verdadeira transparência, ao contrário, visa eliminação e moderação de conteúdo. Inclusive como o Relator Especial das Nações Unidas sobre Direito à Privacidade, Joe Cannataci disse: “o Projeto de Lei de Fake News, como foi apelidado no Brasil, é uma ameaça ao direito à privacidade, à democracia e as liberdades civis”.

 

Notas:

(*) Audiências: 1) Caminhos Regulatórios para enfrentar a Desinformação; 2) Medidas de Transparência e Prestação de Contas; 3) Moderação de Conteúdos e Liberdade de Expressão;  4) Conteúdo Pago, Publicidade e Impulsionamento nas Redes Sociais; 5) Protegendo a Democracia da Desinformação: uma Responsabilidade Compartilhada; 6) Como Identificar Agentes Maliciosos sem Ferir a Proteção de Dados? ; 7) Como Combater a Desinformação nos Serviços de Mensageria Privada; 8) Tecnologia e Soberania Nacional; 9) Aumentando a Conscientização sobre Desinformação: O Papel da Educação;  10) Diversidade de Plataformas e Regulação Assimétrica; 11) Boas práticas no combate à desinformação durante a Pandemia de Covid-19; 12) Impactos de uma lei contra desinformação no ecossistema de inovação; 13) Criminalização da Desinformação – Uma boa saída? 14) Alterações no Marco Civil da Internet e Responsabilização de Plataformas; 15) Implementação e fiscalização da lei: quem regula.

(**) Mesas: 1) Importância de uma lei para combate à Desinformação; 2) Transparência de ações voltadas para as Plataformas; 3) As práticas de moderação de conteúdos; 3) Publicidade e Impulsionamento de Conteúdos; 5) A desinformação e o seu impacto na Democracia; 6) Procedimentos de Identificação de Contas; 7) Mensageria Privada; 8)  As implicações de Tecnologia em Soberania Nacional; 9) Financiamento de Desinformação; 10) Educação Midiática; 11) Discurso de Ódio;

 

 

Luiz Antônio Santa Ritta, para Vida Destra, 17/11/2021.
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Economista, advogado e bancário (aposentado)