De repente virou uma sanha na internet, depois da aprovação pelo Senado do Projeto de Lei Complementar 2963/2019, que regulamenta o art. 190 da Constituição Federal, que trata da compra de terras rurais pelos estrangeiros, tanto por pessoas físicas como jurídicas, limitando a aquisição em até 25% do território de um município. Tal projeto ainda necessita do aval da Câmara dos Deputados para ser enviado ao Presidente da República para sanção.
Antes de destrincharmos este Projeto de Lei, com itens tratando: da função social da propriedade; sociedades estrangeiras; cadastro de imóvel rural; e aprovação pelo Conselho de Defesa Nacional, gostaríamos de tecer algumas considerações sobre o mar territorial brasileiro e a aquisição de empresas.
Tivemos como notícia que a empresa chinesa Ample Develop Brazil Ltda. fez proposta de instalação de um polo pesqueiro em Rio Grande (RS), a qual permite a abertura completa e irrestrita para exploração da pesca por navios chineses em todo o mar territorial brasileiro, a fim de proporcionar a geração de centenas de empregos diretos e indiretos, bem como atender o mercado interno e externo.
É extremamente preocupante a aceitação da proposta chinesa, pelo alto risco para o setor pesqueiro brasileiro, porque envolve no mínimo 400 barcos para pesca por arrasto, modalidade cuja operação foi recentemente autorizada a navios pesqueiros catarinenses pelo STF, para operarem na costa do Rio Grande do Sul.
A proposta chinesa parece até piada, pois acredito que vai gerar desemprego para quem vive da pesca, e o mercado interno vai ser completamente desabastecido.
E não é de hoje que acontecem imbróglios entre a diplomacia brasileira e chinesa. Em 2018, ocorreu uma colisão proposital de um navio chinês com um atuneiro potiguar, em águas internacionais, sendo que a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos do Mar dá privilégio aos países costeiros na pesca em águas internacionais.
Daqui a pouco, não vai sobrar nem espetinho de camarão empanado para os brasileiros!
Também não é recente, que os chineses estão interessados em empresas brasileiras, como por exemplo do grupo chinês DBKA que adquiriu, em 2017, o controle acionário da empresa bilionária de insumos agrícolas Belagrícola, de Londrina, com aval do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).
Igualmente, a construtora chinesa CGGC foi responsável pela aquisição, em 2018, da empresa encarregada pela manutenção do sistema paulista produtor da água São Lourenço, um dos principais empreendimentos do Governo paulista no que diz respeito à segurança hídrica da grande São Paulo.
Em janeiro de 2020 outra empresa, a XCMG, maior fabricante de máquinas para construção, está transformando Pouso Alegre (MG) em uma Ásia brasileira, ao instalar sua linha de produção de guindastes, pás carregadeiras e motoniveladoras. Contudo, a gigante chinesa não está para brincadeira e inaugurou o primeiro banco voltado para o setor industrial, com o aval do Banco Central.
Sem falar, nos rinocerontes cinzas, grupos privados que se expandem por meio do crédito barato do país que, em 2015, compraram 23% do capital da Azul Linhas Aéreas.
Já as estatais chinesas compraram o Terminal de Contêineres do Porto de Paranaguá; construíram um porto no Maranhão; assumiram o controle acionário da Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL); adquiriram 14 hidrelétricas no leilão da Cia. Energética de São Paulo (CESP); bem como tem participação em 12 campos de petróleo do pré-sal.
Isto não é brincadeira, os chineses estão com bala na agulha, e depois os brasileiros terão que pagar caro pelos serviços, e os aumentos nas tarifas exigidos por estes grupos e empresas estatais chinesas.
Agora, nossos parlamentares querem dar a cereja do bolo ao regulamentarem o artigo 190 da Constituição Federal, desde que cumpram a função social da propriedade estabelecida no artigo 186 da Constituição Federal, ou seja: aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos recursos naturais e preservação do meio ambiente; observância das relações de trabalho.
Além disso, as sociedades estrangeiras devem obedecer o disposto nos artigos 1.134 e seguintes do Código Civil, quanto à autorização do Poder Executivo para funcionamento no País; devem manter registro próprio de suas atividades no local de estabelecimento, etc.
Estão condicionadas à aprovação pelo Conselho de Defesa Nacional as aquisições de imóveis rurais, ou qualquer modalidade de posse de: i) Organizações Não Governamentais (ONGs), que atuam no território nacional com sede no exterior, ou ONG estabelecida no Brasil cujo orçamento provenha de mesma pessoa física no exterior; ii) fundação particular em que seus instituidores forem enquadrados como ONGs; iii)fundos soberanos constituídos com recursos estrangeiros; e pessoas jurídicas brasileiras constituídas ou controladas direta ou indiretamente por pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras, quando o imóvel rural se situar no Bioma Amazônia, e sujeitar a reserva legal igual ou superior a 80%.
A Advocacia Geral da União (AGU) já deu parecer contrário à aquisição de terras rurais por estrangeiros, mas o mais importante é que um trabalho científico publicado pela Revista Política Agrícola com o título: “A aquisição de terras por estrangeiros no Brasil – Mais oportunidades do que riscos“, disponível na internet, nos traz considerações relevantes sobre este tema.
Entre eles, o Parecer AGU LA-01, de 2010, que fixou nova interpretação para o parágrafo 1o do art. 1o da Lei 5.709/71, garantindo compatibilidade com a Constituição de 1988, especialmente em face da garantia constitucional do desenvolvimento nacional (art. 3, inc. II) e dos princípios constitucionais da soberania (art. I, inciso I), da independência nacional (art. 4, inciso I) e da isonomia entre brasileiros e estrangeiros (art. 5).
Vou transcrever o parágrafo 1o. do art. 1o da Lei 5.709/71:
“§ 1º – fica, todavia, sujeita ao regime estabelecido por esta Lei a pessoa jurídica brasileira da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e residam ou tenham sede no exterior”.
Diante do entendimento da Advocacia Geral da União, estendeu-se às pessoas jurídicas brasileiras com a maioria do capital social detida por estrangeiros; pessoas físicas residentes no exterior; ou jurídicas com sede no exterior, as mesmas limitações jurídicas às pessoas jurídicas estrangeiras autorizadas a funcionar no Brasil.
O abracadabra do Relator do Projeto de Lei Complementar, Senador Irajá Silvestre — filho da Senadora Kátia Abreu, famosos pela política agrícola desmedida — revoga a Lei 5.709/71.
Quer dizer, rasga-se a Constituição Federal, todas as garantias e princípios, que dão alicerce e segurança, permitindo que Pessoas Jurídicas brasileiras, mesmo formadas por estrangeiros, não tenham restrições.
Será que estou certo? Vamos a restrição da lei:
“§ 2º – As restrições estabelecidas nesta Lei não se aplicam às pessoas jurídicas brasileiras, ainda que constituídas ou controladas direta ou indiretamente por pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras.
Liberou geral!
Ou ainda, lembra da última hipótese do condicionamento à aprovação do Conselho de Defesa Nacional? Vejam que há um conectivo “e” se o imóvel rural não se situar no Bioma Amazônia e não sujeitar-se a reserva legal de 80%, ou seja: no cerrado, em que a reserva legal é de 35%, por exemplo.
Vão comprar o Mato Grosso inteiro!
O artigo 8 da Lei prevê que: “A soma das áreas rurais pertencentes e arrendadas a pessoas estrangeiras não poderá ultrapassar 25% da superfície dos municípios onde se situem”.
Vejamos se, a partir da aprovação pela Câmara, haverá alguma limitação em percentual para impedir que empresas laranjas brasileiras com capital estrangeiro adquirirem terras rurais.
Aliás, no trabalho científico é demonstrado que, em 2007, com a aprovação do Conselho de Defesa Nacional, os imóveis rurais concentrados na Amazônia Legal, representavam 37% das propriedades de estrangeiros, com área média de 387 hectares.
Tanto faz aprovação ou não, de repente mandam um substituto e já era a Amazônia Legal!
Por último, quero lembrar que, o inciso IX do artigo 20 da Constituição Federal dispõe que: são bens da União, os recursos minerais, inclusive os do SUBSOLO!
Com a invasão chinesa, lembro-me da música do Ultraje a Rigor: “Nós vamos invadir a sua praia“!
Nossos parlamentares colocarão mesmo nossa soberania à venda?
(*) Entendo que este artigo deve ser discutido por advogados e juristas para ajudar a formar uma opinião, se esta lei possui propósitos justos.
Luiz Antônio Santa Ritta, para Vida Destra, 06/01/2021
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Crédito da Imagem: Luiz Augusto @LuizJacoby
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Excelente análise, Santa Rita.
Muito obrigado, Fábio Paggiaro!
Excelente artigo. Ainda estou me “debruçando” naquele conteúdo enviado por você, mas o artigo dá uma síntese e explicação .
Muito obrigado, Nunes!