Nas priscas épocas havia a distribuição dos processos no Supremo Tribunal Federal, mas agora os ministros estão, entre tapas e beijos, brigando para saber quem será o juiz prevento daquela matéria, ou aliás, nem isto mais serve.
Primeiramente, faz-se necessário dizer que a competência jurisdicional de um determinado juiz é dada pelo artigo 69 do Código de Processo Penal (CPP), que estabelece que pode ser por: lugar da infração; domicílio ou residência do réu; natureza da infração; distribuição; conexão ou continência; prevenção; e prerrogativa de função. O artigo 83 do CPP determina que a prevenção ocorre quando:
“Verificar-se-á a competência por prevenção toda vez que, concorrendo dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, um deles tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa”.
Voltando ao STF, podemos citar o caso da denúncia por parte do ex-superintendente da Polícia Federal, Alexandre Saraiva, em que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, é investigado por crime ambiental, especificamente por prejudicar e dificultar a investigação do tráfico de 200.000 m³ de madeiras na Amazônia, na Operação Handroantus, e advocacia administrativa, o qual a ministra Carmem Lúcia, juíza preventa do caso PET 9594, determinou a abertura de inquérito com base em pedido do vice procurador-geral da República Humberto Jacques de Medeiros, conforme notícia do jornal Estado de Minas, de 02.06.2021. Esclareço que a petição foi protocolada em 16.04.2021.
De outro lado, a Polícia Federal apresentou representação na Operação Akuanduba (PET 8975), que visa apurar crimes de corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e facilitação de contrabando, o qual o ministro Alexandre de Moraes autorizou em processo sob sigilo, em 13.05.2021, a apreensão de computadores e celulares do ministro do Meio Ambiente, bem como o afastamento de 18 investigados, incluindo o presidente do Ibama, Eduardo Bim. É de se estranhar que a apreensão pela PF, não contou com o conhecimento do diretor-geral Paulo Maiurino, já que o processo estava sob sigilo, aliás há muito tempo se sabe que existe uma banda da PF, que é comandada por Alexandre de Moraes.
Em seguida, Alexandre de Moraes desarquivou a PET 8975 — notícia-crime apresentada em 2020 pelos senadores Randolfe Rodrigues e Fabiano Contarato contra o ministro Salles por supostos cometimento de crime de prevaricação, advocacia administrativa e crime de responsabilidade em razão de manifestação do titular da pasta do Meio Ambiente na reunião ministerial de abril/2020 — e retirou o sigilo. Como retirou o segredo de Justiça, entendo que a petição da Polícia Federal estaria disponível, não é o que acontece.
A título de esclarecimento sobre a fala do ministro do Meio Ambiente na reunião ministerial, Ricardo Salles apenas disse que, aproveitando o momento da pandemia em que parlamentares estão entretidos com a COVID-19, seria a hora de ir desregulamentando através de Instruções Normativas e Portarias, sem a necessidade de remeter ao Congresso medidas infra legais. Situação que sempre provoca o ativismo judiciário perante ao STF.
Conforme notícia da Gazeta do Povo de 25.05.2021, o vice Procurador-Geral pediu que o ministro Alexandre de Moraes deixasse o caso da Operação Akuanduba, repassando-a para a ministra Carmem Lúcia, juíza preventa no STF, fato que foi indeferido pelo ministro Alexandre de Moraes. De ficar de queixo caído, como este vice PGR que pede para o interessado deixar o caso, por que não oficiou diretamente ao presidente do STF para ele decidir sobre o feito? Tirante a subprocuradora-geral Lindora Araújo, da Lava Jato, que trabalha, este vice de Aras é algoz de conservadores.
Agora vamos sintetizar a decisão que provocou esta celeuma no Meio Ambiente. Conforme artigo da Gazeta do Povo de 01.06.2021, com o título “Entenda a decisão do IBAMA que colocou o Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles na mira da PF”. Trata-se de um Despacho do Ibama de no. 7036900/2020, que desobrigou os madeireiros da exigência de autorização de exportação de madeira por parte do órgão ambiental federal, com exceção de espécies sob o risco de extinção, declarando a caducidade (perda de efeitos legais) da Instrução Normativa (IN) 15/20211, a qual previa normas de autorização específica para exportação de produtos e subprodutos florestais de origem nativa — tal como madeira.
Com a criação de um Sistema Eletrônico de Controle da Origem de Produtos Florestais (SINAFLOR), como exigência do Código Florestal e ampliação do Documento de Origem Florestal (DOF), com o chamado DOF Exportação, fez com que o setor madeireiro entendesse que a nova licença contemplava não apenas a autorização obrigatória para transporte e armazenamento de carga para o exterior, como também autorização para exportação.
Desta forma, através do despacho do IBAMA foi endossado o entendimento de que para a exportação era necessária um única licença, o DOF Exportação, sob a alegação de cumprir uma norma já vigente e reduzir a burocracia, reduzindo sobremaneira a interferência do governo na atividade do empresariado, como previu Hélio Beltrão, no Programa de Desburocratização, bem como atender a Lei no 13.874/19, a chamada Lei de Liberdade Econômica, sob o argumento da desnecessidade de dois documentos: a autorização para exportação e a DOF exportação.
Acrescente-se o fato que ao endossar o SINAFLOR e tornar sem efeito a IN 15/2011, o IBAMA entendeu que o despacho gerou um efeito retroativo desde 2014 para legalizar as exportações com o DOF Exportação realizadas até então.
O IBAMA destacou que o ordenamento jurídico permite a aplicação retroativa de uma norma desde que “não se violem princípios constitucionais, com a intangibilidade do direito adquirido”.
Segundo o entendimento da PF, o instrumento ficou conhecido como “despacho interpretativo”, fazendo com que ficasse legalizada, com efeito retroativo, milhares de cargas que teriam sido exportadas entre os anos de 2019 e 2020, sem a respectiva documentação. Além de não considerar uma nota técnica de no 2/2020 assinada por servidores do IBAMA que desaconselhavam a assinatura do despacho.
O imbróglio aconteceu com a apreensão de contêineres exportados entre dezembro de 2019 e o primeiro bimestre de 2020, no Porto de Savannah nos Estados Unidos, porque as cargas não foram analisadas pelo Ibama do Pará, mas o presidente do IBAMA atestou a legalidade às autoridades norte-americanas, com base no despacho interpretativo. Depois se verificou, que a plataforma eletrônica do SINAFLOR não tinha sido implantada, nem tampouco era emitida pelo IBAMA no Pará para as chamadas “cargas convencionais”, ou seja, aquelas cuja espécie florestal não estavam incluídas na lista das espécies sob risco de extinção, causando todo este embaraço.
As próprias entidades representativas do setor madeireiro entenderam que a IN 15/2011 era um controle “obsoleto” e usavam uma analogia para defender a implantação eletrônica do SINAFLOR, considerando que: “Era como se um cidadão fosse obrigado a declarar o IR no formato digital, mas também, precisasse manter o formato físico”.
Desta forma, era necessária a implantação do despacho do IBAMA, fato que foi endossado em Ofício Conjunto nº 1/2020 pela Associação das Indústrias Exportadoras de Madeiras do Estado do Pará (AIMEX), e a Associação Brasileira de Empresas Concessionárias Florestais (Confloresta), da necessidade de reafirmar a caducidade da IN 15/2011. A caducidade nos tribunais não se dá de imediato, principalmente de súmulas do TST, tornadas sem efeito de modo tácito por mudança na legislação, mas geralmente, é necessário 20 sessões para serem de modo expresso.
No tocante aos motivos do ministro Alexandre de Moraes suspender o despacho interpretativo do IBAMA foram: a) o artigo 225 da Constituição Federal — abaixo transcrito — por considerar o meio ambiente um patrimônio comum de toda a humanidade; b) emissão de despacho com parecer contrário de servidores públicos experientes; c) princípio da prevenção; e d) depoimento de uma testemunha secreta, que gera um descaso por parte do órgão ambiental em relação à exportação de madeira nativa, além do que a ausência de fiscalização dos documentos permite uma série de fraudes relacionadas à exportação.
“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para presente e futuras gerações”.
Contrapondo as razões do ministro do STF, o procurador Fernando Couto Garcia, da Procuradoria-Geral do Município de Belo Horizonte, que entende ser “insuficientemente fundamentada” em razão de: a) a legislação do processo penal que regula como um processo criminal deve ser conduzido, não autoriza de modo expresso a suspensão de validade de atos administrativos; b) a fundamentação com base no artigo 255 da Constituição Federal não é totalmente aplicável, uma vez que o fundamento do despacho era a execução da proteção ambiental nos termos da lei aplicável; c) considera que quando há conflito entre o presidente do IBAMA e o quadro técnico prevalece “a hierarquia”, decorrente da própria Constituição, de que a administração pública é estrutura de forma hierárquica; d) o despacho interpretativo demonstra “razoabilidade” sobre a interpretação do Código Florestal e da Lei de Liberdade Econômica, não sendo ilegal, com base em duas ações em trâmite na Justiça Federal, que foram contra o despacho foram indeferidas; e e) o princípio da prevenção considerado pelo Ministro não levou em conta o artigo 20 do Decreto-Lei no 4.657/42, chamada Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, ou seja, que considera as consequências práticas da decisão do despacho interpretativo.
As madeireiras entendem que todas as reuniões com o corpo técnico do IBAMA e o presidente Eduardo Bim foram de “alto nível”. O ministro Ricardo Salles manifestou que a Operação Akuanduba foi exagerada e que sempre estiveram à disposição para esclarecer quaisquer questões.
Já no entendimento de interlocutores do governo, o mercado negro se combate com condutas que ajudem a reduzir o preço da madeira legal e elevem o preço da madeira ilegal, que se dá racionalizando a burocracia.
Derradeiramente, o ministro Alexandre de Moraes deu 5 dias para que o Procurador-Geral da República se pronuncie sobre o pedido de afastamento e prisão do ministro do Meio Ambiente motivado pela advogada Cibele Berenice Amorim, em face de obstrução de justiça em que Ricardo Salles teria ocultado seu celular e alterado o número do seu telefone no curso das investigações da Operação Akuanduba. É de arrepiar os cabelos, uma advogada sem legitimidade ativa no processo mobilizar a máquina pública.
Já a ministra do STF Carmem Lúcia determinou a inclusão do presidente do Ibama, Eduardo Bim, como investigado, juntamente com o ministro do Meio Ambiente.
Enfim, os motivos são muito escusos para afastar o ministro Ricardo Salles, notadamente do ex-superintendente da PF, Alexandre Saraiva, que foi exonerado, atendendo, com certeza à ONGs, as quais tiveram seus interesses repelidos na gestão Bolsonaro. Anteontem quem apareceu no programa de esquerda Roda Vida da TV Cultura com a Vera Magalhães, nada mais, nada menos do que o ex-superintendente da PF.
Adicione-se que a Amazônia não é um patrimônio da humanidade, com diz o ministro do STF, mas do Brasil e dos brasileiros. A burocracia deve ser reduzida a todo custo e as propostas do ministro do Meio Ambiente ,como créditos de carbono e ter cotas societárias em parques e florestas, não são levadas em consideração por empresas estrangeiras. Mas queimar Ricardo Salles, isto é demais!
Luiz Antônio Santa Ritta, para Vida Destra, 09/06/2021.
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Crédito da Imagem: Luiz Jacoby @LuizJacoby
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