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A Lei “Paulo Gustavo”

Prestes a ser analisado no Senado Federal, o Projeto de Lei Complementar nº 73, de 2021, apelidada de “Lei Paulo Gustavo”, têm sido objeto de grande polêmica. O projeto busca garantir a execução de ações emergenciais direcionadas ao setor cultural num momento em que o setor das artes e da cultura se encontra praticamente paralisado em função da pandemia. Aliás, assim como centenas de outras atividades econômicas.

O ponto central do projeto é possibilitar o uso de recursos do superávit financeiro do Fundo Nacional de Cultura (FNC) e do Fundo Setorial de Audiovisual (FSA) para a sua aplicação no setor e não para amortização da dívida pública da União.

Para isso, exige que a União entregue aos Estados, Distrito federal e Municípios, R$ 3.862.000,00, valor existente no superávit financeiro do FNC. Desse valor, R$ 2.797.000,00 seriam destinados para ações voltadas ao setor audiovisual, seja no apoio a produções audiovisuais, seja apoiando salas de cinemas, cineclubes, mostras e festivais e ações de capacitação.

Os outros R$ 1.065.000,00 seriam destinados a ações emergenciais do FNC com o objetivo de atender editais, chamadas públicas e outras formas de seleção pública para apoio a projetos e iniciativas culturais, inclusive a manutenção de espaços culturais, que se encontram hoje fechados ou em sérias dificuldades para funcionar.

Ocorre que a utilização do superávit financeiro das fontes de recursos do Fundo Nacional da Cultura (FNC) contraria o disposto no art. 5º da Emenda Constitucional nº 109, de 15 de março de 2021. Esse dispositivo afirma que, até 31 de dezembro de 2023, o superávit financeiro das fontes de recursos dos fundos do Poder Executivo federal, salvo os fundos de fomento e desenvolvimento regionais, operados por instituição financeira de caráter regional, e os fundos ressalvados da vedação de afetação de receita de imposto a órgão, fundo ou despesa, poderá ser destinado à amortização da dívida da União.

Outro dispositivo só permite a livre aplicação do superávit financeiro dos fundos públicos do Poder Executivo federal se a União não tiver dívida a amortizar. Como a União evidentemente tem dívida a quitar, o superávit poderá ser utilizado para essa finalidade, mas, se não for, deverá permanecer ocioso até 2023. E isso não pode ser alterado por lei complementar.

O projeto também quer destravar os recursos do FNC e do FSA no orçamento DE 2021 e vedar futuros contingenciamentos ou outras formas de limitação do empenho do FNC e FSA. Mas esse prazo é exíguo para adotar todos os trâmites necessários para a efetiva disponibilidade de recursos financeiros aos entes subnacionais. Além disso, é inconstitucional, pois impõe, por intermédio de lei de iniciativa parlamentar, prazo para que outro Poder da República pratique ato de sua competência privativa.

As únicas exigências para o livre recebimento dos recursos são que os entes subnacionais se comprometam a fortalecer os seus sistemas de cultura existentes ou implantá-los, através da instituição de conselhos, fundos e planos de cultura. Os estados, o DF e os municípios devem promover a discussão e consulta junto à sociedade civil sobre os parâmetros dos prêmios, dos regulamentos e das formas de seleção pública.

Os estados beneficiários da ajuda federal à cultura devem regulamentar a criação de um cadastro de todos os beneficiários de recursos da lei complementar decorrente da aprovação do PLP para os recursos repassados pelos próprios estados ou por seus municípios.

Como se vê, as regras são mínimas e mesmo assim, não existe qualquer punição em caso de seu descumprimento. O que nos leva a crer que algumas delas simplesmente não serão cumpridas um ano depois dos repasses federais. De igual modo não existe também nenhum tipo de exigência em relação à prestação de contas do uso desse recurso, em caso de desvio de finalidade ou fraude. Os órgãos de controle estão tranquilos quanto a isso?

É importante notar que o apelido dado à futura lei tenta pegar carona na comoção gerada pela morte do ator Paulo Gustavo. Mas ao rotularem dessa forma uma pauta dessa complexidade, parecem querer abafar as necessárias críticas sobre a matéria e suas implicações. O projeto tem graves problemas de legalidade e inconstitucionalidade, como já vimos.

Sempre é bom lembrar que cultura é algo que não deveria necessitar de suporte estatal como primeira fonte de sobrevivência. Cultura boa tem conteúdo de qualidade, atrai público, e consequentemente, gera renda. Uma coisa é socorrer os artistas em uma pandemia, como fez a Lei Aldir Blanc. Outra coisa é aproveitar a comoção pela morte de um artista para tornar o benefício permanente.

Os autointitulados defensores da Cultura brasileira, parecem estar numa queda de braço com o bom senso. A abstinência pela ausência das facilidades da antiga Lei Rouanet, parece ser a verdadeira causa por trás de toda essa mobilização da classe artística. Liberação de recursos públicos sem critérios decentes de transparência e controle não é questão de cultura, é caso de polícia!

 

 

Saul Christos, para Vida Destra, 16/06/2021                                                                    Sigam-me no Twitter, vamos debater o meu artigo! @saulchristos

 

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Saul é um brasileiro como qualquer outro, que acorda cedo e trabalha para sustentar os nababos no poder. A diferença é que ele resolveu não ficar calado.