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A Autodenominada Reforma Administrativa

A Câmara dos Deputados voltou a se movimentar em relação às pautas reformistas do Governo Bolsonaro. Após a aprovação da Medida Provisória 1.031/21 pela Câmara dos Deputados, que prevê a desestatização da Eletrobras, esta casa legislativa aprovou na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a PEC 32/2020, que trata da autodenominada  reforma administrativa, ou seja, a que altera disposições sobre servidores, empregados públicos e organização administrativa, com 39 votos favoráveis e 26 contrários. Tal proposta agora é encaminhada à Comissão Especial.

A priori faz-se necessário dizer que as reformas administrativas devem ser compreendidas: “como um processo de adaptação da máquina pública ao ambiente em que se insere e se apresentam como tentativas adotadas pelo Estado para que o mesmo possa evoluir de modo a eliminar práticas cujas aplicações se apresentam esgotadas”, conforme o ensaio “Reformas Administrativas no Brasil: Uma Abordagem Teórica e Crítica”, de autoria de Ronan Pereira Capobiango, Aparecida Lourdes do Nascimento, Walmer Faroni, Edson Arlindo Silva, para o Encontro de Administração Pública e Governança (ANPAD), 2010.

De pronto, pode-se verificar que não é imediata a adaptação da máquina pública, com novos processos decorrentes da gestão pública a um novo ambiente, decorrente disto que entendo não ser correto tratar puramente como uma reforma administrativa. Mas trata-se de uma PEC em relação ao Novo Regime de Vínculos e Modernização Organizacional da Administração Pública, como exemplificado pelo Governo em PowerPoint disponível na internet sobre a Nova Administração Pública,  situação que será complementada no futuro com envio ao Congresso, do PLP e PL de Gestão de Desempenho, do PL de Consolidação de Cargos, Funções e Gratificações, do PL de Diretrizes de Carreiras, do PL da modernização das formas de trabalho, PL de Arranjos Institucionais e do PL de Ajustes no Estatuto do Servidor.

Retornando ao ensaio, “a primeira reforma administrativa, conhecida como Reforma Burocrática, de 1936 tem como característica, segundo Matias-Pereira (2009), a ênfase na reforma dos meios em detrimento dos fins, ou seja: focou nas atividades de administração geral; buscou montar um corpo burocrático clássico, de funcionários do Estado, não contemplando as atividades substantivas”; pautou-se na teoria administrativa que consagrava a existência de “princípios de administração”. (1)

“Posteriormente, com o Golpe Militar de 1964, o ‘modelo clássico’ foi substituído pelo modelo de ‘administração para o desenvolvimento’, que visava essencialmente a expansão da intervenção do Estado na vida econômica e social, que tem como símbolo o Decreto-Lei n200 de 1967, que introduziu o tríplice sentido de descentralização ‘dentro dos quadros da administração federal: da administração governamental para a órbita privada; e da União para os governos locais’”.

“Após a Constituição de 1988, registra-se a reforma administrativa implementada pelo Governo Collor que promoveu um amplo e profundo rearranjo estrutural, visando a racionalização (redução de gastos) e a desestatização (reduzir a interferência do Estado no domínio econômico). Neste sentido, fechou ministérios, promoveu fusão e extinção de instituições, promoveu afastamento e/ou remanejamento de pessoal, extinguiu, privatizou e descentralizou empresas, além ter promovido a desregulamentação do mercado”.

Continuando no ensaio: “Existem duas vertentes como alternativas de reforma administrativa para a gestão pública: a administração pública gerencial, sob a égide da Nova Gestão Publica (NGP) e a administração pública societal sob a égide do Novo Serviço Público (NSP). O primeiro adota as práticas e ferramentas oriundas da iniciativa privada no âmbito da administração pública, entendendo o cidadão como cliente, e por outro lado, o Novo Serviço Público,  se baseia na participação do cidadão como cogestor do serviço público”.

“O termo ‘cidadão-cliente’ é utilizado, inclusive, como forma de aproximar da lógica de mercado. Este processo refere as ideias e ferramentas de gestão, cujas raízes se encontram na economia de mercado, nas teorias de custos e benefícios, adaptadas ao setor público, englobando, por exemplo: os programas de qualidade, a reengenharia organizacional e administração participativa, entre outros”.

“Já o novo serviço público, onde o bem público ou serviço público é coproduzido com a sociedade e pela sociedade, em parceria com os agentes públicos. Considerando que o bem público abrange, segundo Meireles (2000) tudo aquilo que tenha valor econômico ou moral e que seja susceptível de proteção jurídica”. (2)

Na apresentação em PowerPoint da nova Administração Pública por parte do Ministério da Economia, é colocado engessamento do orçamento público, com 93,7% das despesas como sendo obrigatórias, aliado ao fato que, no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) em seu 7o ano apresenta déficit fiscal, fruto basicamente do crescimento de 145% das despesas de pessoal em 12 anos (2008-2019), inviabilizando sobremaneira o investimento público federal em escolas, hospitais, estradas e casas, ou seja, em termos percentuais, a inversão financeira tende a 0. Daí, Paulo Guedes ter escolhido o 1o modelo de reforma administrativa mas alcunhando diferentemente como Novo Serviço Público, voltado para economia de mercado.

Então, Paulo Guedes arrazoa nas justificativas da PEC ao Congresso, de que é sabedor que Estado custa muito, mas entrega pouco, e portanto, foi elaborada uma proposta para viabilizar a prestação de serviço público de qualidade para os cidadãos, com três grandes orientações: (a) modernizar o Estado, conferindo maior dinamicidade, racionalidade e eficiência à sua atuação; (b) aproximar o serviço público da realidade do país; e (c) garantir condições orçamentárias e financeiras para a existência de um Estado e para prestação de serviços públicos de qualidade.

Com o norte de que o regime jurídico atual é inviável e de que a estimativa de aposentadorias atinge até 40% dos servidores até 2030 e que, segundo projeções um quarto da folha de pagamentos do governo será para pagar servidores que ainda não foram contratados, o Governo elabora uma PEC que altera o regime para novas contratações e elimina uma gama de direitos adquiridos constitucionalmente para o novo regime.

Assim, garante-se a estabilidade e remuneração dos atuais servidores, propondo um Projeto da Nova Administração Pública que prevê o novo regime jurídico com 5 novos vínculos: Experiência, Cargo típico de Estado, Cargo por prazo indeterminado, Vínculo por Prazo Determinado e Cargo de Liderança e Assessoramento. Os três primeiros mediante concurso público de provas ou títulos, enquanto os dois últimos mediante o ingresso por Seleção Simplificada.

O estágio probatório dá lugar ao vínculo de Experiência, o qual propiciará a existência de período de experiência efetivo como etapa do concurso para ingresso em cargo por prazo indeterminado (mínimo de um ano) ou cargo típico de Estado (mínimo de 2 anos), estabelecendo um marco bem delimitado para avaliação mais abrangente e a tomada de decisão quanto à admissão do servidor em cargo que compõe o quadro de pessoal de caráter permanente.

O cargo típico de Estado, com garantias, prerrogativas e deveres diferenciados, será restrito aos servidores que tenham como atribuição o desempenho das atividades que são próprias de Estados, sensíveis, estratégicas e que representam, em grande parte, o poder extroverso do Estado (grifo meu).

Considera-se poder extroverso, como poder que o Estado tem de constituir unilateralmente, obrigações para terceiros, com extravasamento dos seus próprios limites. Exemplificando, são serviços que se exerce o poder extroverso do Estado — o poder de regulamentar, fiscalizar, fomentar.

O cargo com vínculo por prazo indeterminado será o para o desempenho de atividades contínuas, que não sejam típicas de Estado, abrangendo atividades técnicas, administrativas ou especializadas e que envolvem maior contingente de pessoas.

O vínculo por prazo determinado, que possibilitará a admissão de pessoal para necessidades específicas e com prazo certo, a atender: (a) necessidade temporária decorrente de calamidade, de emergência, de paralisação em atividades essenciais ou de acúmulo transitório de serviço; (b) atividades, projetos ou necessidade de caráter temporário ou sazonal, com indicação expressa de duração dos contratos; e (c) atividades ou procedimentos sob demanda;

O cargo de liderança e assessoramento corresponderá não apenas aos atuais cargos em comissão e funções de confiança, mas também a outras posições que justifiquem a criação de um posto de trabalho específico com atribuições estratégicas, gerenciais ou técnicas.

Tanto os servidores típicos de Estado como demais servidores só poderão perder o cargo público por decisão transitada em julgado ou por órgão judicial colegiado, em que haja a ampla defesa no processo administrativo. Futuramente será enviado PL para perda do cargo por  avaliação de desempenho insuficiente.

No tocante à acumulação de cargos, o relator na CCJ suprimiu da PEC a possibilidade de que os servidores de cargos típicos de Estado não pudessem exercer qualquer outra atividade remunerada por entendê-la inconstitucional. Assegurando, inclusive, a exceção constitucional de exercício de docência e atividades regulamentadas pela área da saúde. Quanto aos demais servidores é permitida desde que houver compatibilidade de horários e não houver conflito de interesses.

Quanto ao regime de previdência, são assegurados aos servidores que cumprirem o vínculo de experiência e aos servidores admitidos em cargo com vínculo por prazo indeterminado ou cargo típico de Estado, o regime próprio de previdência social, restando aos com vínculo por prazo determinado ou para cargos de liderança e assessoramento, o regime geral da previdência social.

São elencadas as seguintes vedações constitucionais aos futuros servidores: licença-prêmio; aumentos retroativos; férias superiores a 30 dias; adicional por tempo de serviço; aposentadoria compulsória como punição; parcelas indenizatórias sem previsão legal; adicional ou indenização por substituição não efetiva; redução da jornada de trabalho, sem redução de remuneração, salvo por saúde; progressão ou promoção baseada exclusivamente em tempo de serviço; incorporação ao cargo de valores referentes ao exercício de cargos e funções.

A fim de dotar a Administração Pública de mecanismos de gestão, a proposta altera o artigo 84 da Constituição para possibilitar que o Presidente da República, mediante Decreto, possa: (a) extinguir cargos de Ministros de Estado, cargos comissionados, cargos de liderança e assessoramento e funções, ocupados ou vagos; (b) criar, fundir, transformar ou extinguir Ministérios e órgãos diretamente subordinados ao Presidente da República; (c) extinguir, transformar e fundir entidades da administração pública autárquica e fundacional — tal alínea foi suprimida pelo relator da CCJ; (d) transformar cargos efetivos vagos e cargos de Ministro de Estado, comissionados e de liderança e assessoramento, funções de confiança e gratificações de caráter não permanente vagos ou ocupados, desde que não acarrete aumento de despesas e seja mantida a mesma natureza do vínculo; e (e) alterar e reorganizar cargos públicos efetivos do Poder Executivo Federal e suas atribuições, desde que não implique alteração ou supressão da estrutura da carreira, alteração da manutenção, modificação dos requisitos de ingresso no cargo ou da natureza do vínculo, restrita, para os cargos típicos de Estado, transformação de cargos vagos apenas no âmbito da mesma carreira.

De maneira a integrar a competência ao Presidente da República, propõe-se ajustes em outros dispositivos da Constituição: (a) prever, em relação as atribuições do Congresso Nacional relativas à criação, transformação e extinção de cargos públicos, a observância dos temas que passariam a ser tratados pelo Presidente da República por meio de Decreto; (b) dar nova redação ao artigo 88, estabelecendo que lei disporá sobre a criação e extinção de Ministérios e órgãos da Administração Pública, observada a nova redação que ora se propõe ao artigo 84, caput, inciso VI; e (c) revogar o inciso XI do artigo 48.

Conforme  notícia do Portal Terça Livre, de 26.05.2021, o  parecer do deputado Darci de Matos também suprimiu da PEC os seguintes princípios da administração pública: imparcialidade, transparência, inovação, responsabilidade, unidade, coordenação, boa governança pública e subsidiariedade.

Para o relator, a inclusão de novos princípios no texto constitucional, embora seja boa a intenção, pode gerar interpretações múltiplas e completamente divergentes, o que consequentemente gerará provocações ao Supremo Tribunal Federal para dispor sobre sua efetiva aplicabilidade em situações, por exemplo, de improbidade administrativa. Como foi o caso de Lewandowski no caso dos gestores públicos atrasarem na 2a dose da vacina do COVID-19 ou na denúncia do Ministério Público Federal do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub.

Por fim, entendo que uma nova administração pública voltada para resultados, conferindo prestação de serviços públicos com qualidade e desengessando o orçamento público, agregado às medidas de privatização de estatais, vão deixar o Estado mais enxuto e eficiente.

NOTAS:

(1) MATIAS-PEREIRA, J. Curso de Administração Pública: foco nas instituições e ações governamentais. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009.

(2) MEIRELLES, H.L. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2000.

 

 

Luiz Antônio Santa Ritta, para Vida Destra, 02/06/2021.
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1 COMMENTS

  1. Parabéns pela análise aprofundada da Reforma Administrativa, na qual dissecou as regras da PEC 32/2020, aplicáveis aos novos servidores públicos, e refletiu sobre seus impactos. Leitura obrigatória para começar a entender a reforma.

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Economista, advogado e bancário (aposentado)