Uma notícia que passou “un passant” na semana passada, foi a edição da Medida Provisória 1.049, de 17.05.2021, editada pelo Presidente da República e encaminhada ao Congresso Nacional, criando uma Autoridade Nacional de Segurança Nuclear (ANSN), sob a forma de autarquia federal. Diferentemente da TV Escola ou da estatal EPL-Empresa de Planejamento e Logística, do trem bala, tremendos cabides de emprego dos governos Lula e Dilma, Bolsonaro cria uma entidade na administração pública para regular a energia nuclear.
Antes de entrar no mérito da medida, como está em baila discutir o tipo de norma jurídica adotada pelo Executivo, que foi a Medida Provisória (MP) ao invés de Decretos regulamentares, já que tornou-se mania da oposição judicializar junto ao Supremo Tribunal Federal – STF, tudo que Bolsonaro normatiza, como foi com o Decreto sobre Armas ou, futuramente talvez, o Decreto do Governo Federal que está em vias de ser regulamentado sobre a limitação das Big Techs em termos de censura das redes sociais.
Os tipos de decretos regulamentares estão previstos no inciso VI do artigo 84 da Constituição Federal, que transcrevo abaixo:
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
VI – dispor, mediante decreto, sobre
- organização e funcionamento da administração pública federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; (grifo meu)
- extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos;
Conforme entrevista do ministro Marcos Pontes, da Ciência, Tecnologia e Inovações, dada ao Programa Opinião no Ar da RedeTV, do dia 20.05.2021, disponível no YouTube, “ele asseverou que a autoridade nacional não implicará em aumento de despesa nem de cargos públicos”, contudo como é criação de um órgão público fica descartada a hipótese de decreto do Executivo — que nada mais são, que atos administrativos que visam complementar a lei. Desta forma, restou a Bolsonaro a edição de uma MP, que tem força de lei, conforme o artigo 62 da Constituição Federal. Esperamos que o Presidente da Câmara Arthur Lira, não sente em cima, como fez Rodrigo Maia, deixando-a caducar; ou ação do Ministro Alexandre de Moraes do STF questionando os Presidentes da Câmara e do Senado sobre a agilidade na tramitação de MPs, como foi o caso da aprovação da MP da Eletrobrás na Câmara, e impeça a MP da ANSN de seguir os trâmites legais.
De acordo com a entrevista ao Opinião no Ar, o ministro disse que trata-se de uma cisão das funções da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), que ficará com as funções de execução da energia nuclear, e a Autoridade Nacional de Segurança Nuclear ficará com as funções de regulamentação e fiscalização da energia nuclear, demandadas a vários anos por orientações do TCU, bem como quando da assinatura pelo Brasil do Protocolo de Convenção e Segurança Nuclear, proposto pela Agência Internacional de Energia Nuclear (AIEA), em 1990, o qual prevê em seu artigo 8o tal separação de funções.
O artigo 2o da MP 1.049/2021 traz o objetivo da ANSN, que transcrevo:
“A ANSN tem como finalidade institucional monitorar, regular e fiscalizar a segurança nuclear, a proteção radiológica e das atividades e das instalações nucleares de atividades nucleares, matérias nucleares e fontes de radiação no território nacional, nos termos do disposto na Política Nuclear Brasileira e nas diretrizes do Governo federal“.
Segundo notícia da Agência Brasil do dia 17.05.2021, a Autoridade Nacional de Segurança Nuclear terá patrimônio próprio, autonomia administrativa, técnica e financeira. Sua sede e foro serão na cidade do Rio de Janeiro e sua atuação será em todo o território nacional. A MP esclarece que a ANSN não exercerá atividades de regulação econômica, comercial e industrial, nem desenvolverá pesquisas ou levantamento para este fim.
Na entrevista, o ministro Marcos Pontes esclareceu que a política nuclear é da esfera do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações, enquanto a produção da energia eletro nuclear fica sob a guarida do Ministério das Minas e Energia, bem como as usinas nucleares. Com a autarquia nuclear aumenta o nível de segurança de todas as atividades nucleares no país, como as diversas atividades que utilizam da energia nuclear nos ramos da medicina, agricultura e indústria.
Juntamente com Marcos Pontes no programa Opinião no Ar, estava o Brigadeiro Paulo Peturci, Presidente da CNEN, que disse: “a aplicação da energia nuclear mais marcante é a medicinal, em que há o emprego para o bem, a serviço da saúde. Os produtos são os radioisótopos ou radiofármacos, que são utilizados nas áreas de Cardiologia, no sentido de serem utilizadas em doses mínimas radioativas para diagnosticar certas patologias, certas enfermidades”, como é o exame da cintilografia, que possibilita identificar uma isquemia miocárdica. “Já no campo da Oncologia, a radioatividade serve para atacar, bombardear neoplasias, tumores no local em que se encontram. Além da esterilização de equipamentos, com radiação, como máscaras cirúrgicas, luvas e seringas”.
“Na agricultura serve para tratar, irradiar alimentos, como grãos, verduras e frutas, de uma maneira geral, de modo que erradiquem todos os microrganismos, assegurando a preservação do alimento por mais tempo. Esclarecendo o brigadeiro que: a radiação perpassa os alimentos, ficando livre para consumo humano. Além do que é utilizado para controle de pragas, de maneira que, em conjunto com a Embrapa, melhoremos com a erradicação das pragas, nossas exportações”.
“Na indústria, o uso da radiação serve para medições, fazer testes em tubulações, na área de petróleo; na área de equipamentos de estruturas, na segurança de estruturas, não só no raio X, como em outro tipo de radiação.”
A propósito, embora não seja na área industrial, relembro o caso do Césio-137, em que catadores encontraram um aparelho de Raios-X numa clínica abandonada em Goiânia-GO, desmontaram por entenderem que era sucata, proporcionando o maior acidente radioativo ocorrido no Brasil, de nível 5, numa escala de 0 a 7. Tal situação não ocorreria após a aprovação da MP, que contempla a gestão de resíduos sólidos radioativos.
“Na área do meio ambiente, é possível monitorar através de técnicas utilizando energia nuclear, monitorar efluentes industriais, de forma a controlar o tipo de poluentes que estão sendo lançados na natureza.” Isto fica muito característico em zonas industriais próximas a rios, como sendo uma das externalidades negativas do capitalismo, levando poluição para as comunidades, a qual se encaixa como uma luva no princípio do direito ambiental de “poluidor-pagador”, que responsabilizará objetivamente a indústria pelo dano causado, bem no outro princípio de “usuário-pagador”, como da obrigação de recuperar o rio.
“Ultimamente, numa parceira com a empresa Moscamed de Recife-PE, o CNEN está desenvolvendo o controle de mosquitos, de modo a irradiar os mosquitos com o fito da esterilidade para que não haja proliferação, consequentemente não proporcionem dengue ou outras doenças a eles associadas”.
A receita da autarquia virá, principalmente, da taxa de licenciamento, controle e fiscalização de materiais nucleares e suas instalações (conhecida como TLC), hoje cobrada pela CNEN, e das multas a serem aplicadas a quem infringir normas regulatórias. O valor das multas foi fixado entre R$ 5 mil e R$ 100 milhões, e será aplicado com base na situação econômica do infrator, conforme notícia da Câmara dos Deputados de 17.05.2021.
Aguardaremos, finalmente, a aprovação da Autoridade Nacional de Segurança Nuclear no Congresso, sabendo que a oposição, como fez com Angra III, retardando as operações, com sua mania de criar um desastre nuclear como o de Chernobyl, fará o papel de obstaculizar a MP 1.049/21, que busca o licenciamento das operações através da ANSN, bem como da fiscalização das múltiplas aplicações nos diversos ramos da energia nuclear.
Luiz Antônio Santa Ritta, para Vida Destra, 26/05/2021.
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A título de colaboração, Santa Ritta, agrego o seguinte.
O modelo de separação das atividades regulatórias das demais atividades nucleares, por intermédio de agências independentes, decorre da Convenção de Segurança Nuclear (Viena 1994), que insta os países a promoverem a separação dessas atribuições no respectivo âmbito gerencial.
Essa Convenção foi internalizada ao ordenamento jurídico do Estado-brasileiro mediante o Decreto nº 2.648, de 1º de julho de 1998, que promulgou seu protocolo de forma integral: “Art. 1º A Convenção de Segurança Nuclear, assinada em Viena, em 20 de setembro de 1994, apensa por cópia ao Presente Decreto, deverá ser cumprida tão inteiramente como nela se contém” (grifo nosso).
Dessa forma, creio que esse assunto passará facilmente pelo Congresso.
Muito obrigado pelo esclarecimento Fábio Paggiaro! Tinha muito mais tema para abordar da MP, mas entendi melhor ficar mais sucinto, porque ainda temos o Congresso para aprovar.