Quem nunca ouviu uma dessas frases: “esse capitalismo selvagem é a origem da desigualdade” ou “o capitalismo opressor tem que acabar” ou também, “o capitalismo é o mal da humanidade”? Sempre que ouvia essas frases em conversas de amigos, buscava de alguma forma argumentar, mas sempre vinham com aquele argumento, “se fosse bom não existiria pobreza no mundo”. No final eu acabava desistindo do assunto e passava a falar sobre futebol, que é menos conflituoso hoje em dia.
Mas com o passar do tempo, e com a minha busca pela verdade crescendo a cada dia, resolvi dedicar um pouco do meu tempo a estudar o assunto para ter argumentos mais sólidos nestas “conversas”. Tentar, de fato, descontruir essa narrativa que o capitalismo e o livre mercado é um problema para o mundo. Comecei os estudos por Ludwig Von Mises e sua desconstrução do comunismo por meio da economia (O Cálculo Econômico sob o Socialismo), escrito em 1920. Como a edição era de 1991, quando o muro de Berlim havia caído e o império da URSS ruía, só o prefácio de Yuri Maltsev já era uma aula!
Entretanto, o primeiro passo para entender o momento em que vivemos é compreender como chegamos até aqui enquanto civilização. Entender de onde veio esse “capitalismo selvagem opressor”, quando ele começou e como era o mundo naquele momento em que se iniciou a escalada do capitalismo. E com uma breve reflexão, podemos afirmar que seu desenvolvimento se deu a partir da revolução industrial, que se iniciou em meados do século XVIII havendo um grande salto, talvez o maior salto tecnológico da humanidade, e nas relações econômicas e sociais. Contudo, este também foi o motivo pelo qual Karl Marx escreveu suas ideias socialistas e anticapital no século XIX e que se propagam até hoje. Destaca-se que a Revolução Industrial, inicialmente, foi voltada para atender a demanda dos menos favorecidos, já que a produção em escala reduzia o custo, dando ao pobre a possibilidade de acessar produtos que antes somente os nobres tinham acesso.
“Há apenas uma maneira de melhorar o padrão de vida da população: aumentando o capital acumulado em relação ao aumento populacional; aumentando a quantidade de capital investido per capita.”
Ludwig Von Mises
E este aumento de capital acumulado, indubitavelmente, não deve ser feito pelo Estado que nada produz, mas pelo setor privado. E foi exatamente isso que aconteceu com a Revolução Industrial, onde o mercado financeiro e o sistema de crédito se desenvolveram para suportar a demanda por capital necessário à expansão da produção. Ou seja, foi o desenvolvimento da economia para atender à crescente demanda da sociedade mais pobre que levou à necessidade de expansão da capacidade instalada dos meios produtivos, fazendo surgir o tal “capitalismo selvagem e opressor”.
Mas qual seria a população mundial no início do século XIX, no meio da Revolução Industrial? Qual seria a parcela desta população que vivia na pobreza? Qual era a expectativa de vida da população e quantas crianças morriam até os 5 anos de idade? Com as respostas a essas perguntas poderemos ter uma ideia de como estava a qualidade de vida em geral da população nessa época. E considerando a situação atual, podemos inferir quais seriam os impactos nestes indicadores, causados pelo desenvolvimento do capitalismo propiciado pela Revolução Industrial.
Segundo o Banco Mundial, a pobreza pode ser definida por uma pessoa que vive com menos de US$1,90 por dia, o que hoje daria algo em torno de R$10,00 por dia e R$300,00 por mês. Estima-se que em 2015, cerca de 733 milhões de pessoas viviam abaixo dessa linha de pobreza no mundo, o que realmente é muita gente. Isso correspondia a 9,97% da população mundial, que era cerca de 7,353 bilhões de pessoas.
A mortalidade infantil em 2017 era 3,91% até os 5 anos, enquanto a expectativa de vida no mundo em 2019 era de 72,6 anos, sendo a Europa o continente com maior longevidade esperada, com 78,6 anos e a África o de menor, com 63,2 anos. Ressalta-se que a África é o continente mais pobre também. Será que existe uma relação inversa entre pobreza e expectativa de vida?
Esta é a fotografia do mundo atual, com quase 10% da população vivendo abaixo da linha de pobreza, e quase 4% das crianças morrendo antes dos 5 anos. É uma fotografia bonita? Não, definitivamente! Poderia ser melhor? Sem duvida! Se torna, portanto, um prato cheio para os anticapitalistas que ainda seguem as ideias desenvolvidas há 150 anos!
Mas como já enfatizado, não podemos simplesmente olhar uma fotografia e criticar suas mazelas. Devemos entender que esta fotografia, na verdade, é uma imagem congelada de um filme que vem se desenrolando ao longo de milênios, cujos atores são os seres humanos, e que passou por vários momentos de mudança e evolução, entre eles a Revolução Industrial. Imputar a culpa do que está errado ao capitalismo, um sistema que surgiu naturalmente para atender as necessidade de uma sociedade livre , carregando consigo milênios de sabedoria, experiências e conhecimento, é fazer uma análise rasa do contexto histórico. Mas mesmo assim vamos dar uma olhada nessa história.
Estima-se que a população mundial em 1820 era 1,082 bilhão de habitantes, dos quais somente 117 milhões viviam com mais de US$1,90 por dia. Não! Você não leu errado e a vírgula está no lugar certo! É isso mesmo! Somente 10,86% da população vivia acima da linha de pobreza em 1820, enquanto 89,15% da população vivia abaixo, com menos de US$1,90/dia, o que corresponde a 964 milhões de habitantes. Já a mortalidade infantil até os 5 anos em 1820 era de 42,70%, ou seja, de cada 10 crianças, ao menos 4 morreriam antes de completar o quinto ano de vida. Que foto feia hein?!?! Mas lembre-se que o mundo estava em evolução, ou seja, antes devia ser pior!
A expectativa de vida em 1770, na África, era de somente 26,4 anos, enquanto na Ásia era de 27,5 anos e na Europa de 34,3 anos, já a média mundial era de 28,7 anos. Em 1820, ano dos dados anteriores de população, pobreza e mortalidade infantil, a média mundial de expectativa de vida era de 29 anos, ou seja, em 50 anos pouco mudou.
Essas informações nos deixam entender que o mundo em plena Revolução Industrial era um lugar difícil de se viver, onde muitas crianças morriam, a quase totalidade vivia na miséria e a expectativa de vida era extremamente baixa. Consequentemente a taxa de crescimento da população mundial era muito baixa. Tinha-se muitos filhos, muitos morriam, poucos chegavam à idade adulta e quase ninguém envelhecia.
Em 1860 a mortalidade infantil até os 5 anos era de 41,40%, enquanto a expectativa de vida mundial aumentara para 29,7 anos. Já em 1870 a população mundial era de 1,394 bilhão de habitantes, dos quais 1,150 bilhão continuava na pobreza, o que correspondia a 82,44% da população mundial. Enfim, a situação pouco melhorava e o “capitalismo selvagem e opressor” já havia se estabelecido, mas sua curva de aprendizado também estava no início e em algum momento deveria tornar sua progressão mais acentuada.
Vale aqui uma ressalva que talvez tenha passado despercebido, mas a Revolução Industrial não foi somente a mudança dos meios de produção do manual para o fabril, mas se tratou de uma revolução tecnológica, onde diversas barreiras foram rompidas pela humanidade. Principalmente nas ciências naturais, biológicas e humanas, em especial na medicina, com um impacto profundo na expectativa de vida e na mortalidade infantil. Então, quando a curva de aprendizado iniciou seu processo de crescimento exponencial, o filme começou a ser mudado.
No gráfico acima podemos observar que durante o século XIX, final da Revolução Industrial e início da sua curva de aprendizado, a população mundial pouco cresceu assim como a pobreza pouco diminuiu. A medicina ainda não havia evoluído o suficiente, as condições de trabalho eram insalubres, a mortalidade infantil ainda era alta e a expectativa de vida curta. A partir de 1900 as curvas começam a se separar, com a população mundial aumentando e o numero de pessoas vivendo na pobreza se mantendo pouco crescente. Até 1950 esse distanciamento se manteve e devemos considerar que na primeira metade do século XX passamos por duas guerras mundiais. Após a segunda guerra e iniciando a segunda metade do século, parece que a curva de aprendizado começa a ganhar força e a população mundial começa a progredir numa razão exponencial, enquanto a curva da pobreza se mantém num crescimento linear.
Em 1980, quando a população mundial já era de 4,44 bilhões de pessoas, e nós ainda tínhamos 43,24% da população ou 1,92 bilhão de pessoas vivendo na pobreza, a situação ainda não havia melhorado de forma efetiva. Mas na década de 80 e início dos anos 90, com a queda do Muro de Berlim e o fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), com consequente abertura do mercado, aliado ao desenvolvimento econômico da China pós política de abertura do seu mercado nos anos 70, iniciou-se um processo forte de desenvolvimento mundial. Lembrando que a URSS e a China juntas tinham mais de 25% da população mundial nos anos 80, dando para entender o impacto dessa mudança para o mundo.
Enfim, entre 1999 e 2015 nós conseguimos tirar 1 bilhão de pessoas da pobreza, enquanto a população mundial aumentou em 1,30 bilhão, uma redução de 57,6% da pobreza em 16 anos.
Em suma, em 1820, no meio da revolução industrial, num mundo com pouco mais de 1,1 bilhão de pessoas, mais de 964 milhões de pessoas viviam na pobreza. Mas 195 anos depois, em 2015, em um mundo com mais de 7,3 bilhões de habitantes, dos quais 733 milhões ainda vivem com menos de US$1,90/dia, a pobreza diminuiu em mais de 200 milhões de pessoas. Ou seja, em um período que a população mundial cresceu 579,4%, a pobreza diminuiu 24,0%. Isso é ruim? Estamos no caminho certo? A Revolução Industrial e o “capitalismo selvagem e opressor” fizeram tão mal a humanidade assim?
E se olharmos para o gráfico da mortalidade infantil até os 5 anos, a situação se repete, com uma pequena redução durante o século XIX e maior redução ao longo do século XX, com grande ênfase na segunda metade. A curva de aprendizado também surtiu um forte efeito na mortalidade infantil, conforme mencionado, em virtude da evolução da ciência biológica e da medicina.
E da mesma forma observamos na expectativa de vida o mesmo fenômeno, com um aumento mais acentuado a partir da segunda metade do século XX, após a Segunda Guerra Mundial. Nesse caso houve uma melhora significativa no período analisado nas condições de trabalho, o que possui grande impacto na expectativa de vida, além, claro, do avanço das ciências biológica e médica.
E para ficar ainda mais nítida a inflexão nestes indicadores, que a curva de aprendizado da Revolução Industrial gerou no desenvolvimento da humanidade na segunda metade do século XX, juntamos os três indicadores no mesmo gráfico. Sem dúvida o mundo começou a melhorar de forma acentuada a partir de 1950 com o tal “capitalismo selvagem e opressor” tendo seu papel nesse desenvolvimento.
Diante de todas estas evidências, podemos afirmar que o capitalismo é um sistema prejudicial à sociedade? Será que estamos no caminho errado e temos que revolucionariamente deixar tudo que fizemos pra trás e mudar da noite pro dia, como os iluministas franceses propuseram no final do século XVIII?
FONTES:
https://ourworldindata.org/extreme-poverty/
https://www.mises.org.br/article/1141/o-calculo-economico-sob-o-socialismo/
Borges, para Vida Destra, 05/01/2021. Sigam-me no Twitter! Estou à disposição para comentar e repercutir os dados apresentados! @ABorges78
Crédito da Imagem: Luiz Augusto @LuizJacoby
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sensacional! quando há analise de dados…a figura muda
Exatamente meu amigo! O objetivo é justamente desconstruir a narrativa por meio de dados e fatos…
Neste brilhante artigo de @ABorges78 sobre capitalismo e pobreza, temo que a Nova Ordem Mundial inverta esta curva de crescimento exponencial, no afã de emplacar o socialismo com a redução da população aos níveis de outrora.
Certa vez vi duas fotos na mesma rua em São Paulo, a primeira foi tirada nos anos 40 e a segunda nos anos 90; é nítida as alturas das pessoas assim como as circunferências da cinturas. A produção de alimentos em quantidade e qualidade aumentaram as proporções e isso deve-se ao capitalismo. Ah! Dêem uma “googlada” no exército da Coreia do Norte e vejam as estaturas dos soldados.
Excelente análise, Borges. A esquerda não aceita nem discute fatos, pois deixaria de existir. O capitalismo deu um novo ritmo ao desenvolvimento humano e seu bem estar. A malignidade do sistema é dogma esquerdista q, pela massificação da mentira, virou verdade. A pobreza é decorrente da incapacidade produtiva e a solução para isso é Educação, não divisão da riqueza para tornar a todos pobres e improdutivos como comprovadamente aconteceu e acontece em todas as economias socialistas. A China? A China é uma ditadura capitalista selvagem.