Na minha época de criança e adolescente, era comum conhecermos os modelos de automóveis pelo nome, marca e sobretudo, design. Alguns modelos eram inconfundíveis, e exatamente por isso, definiam bem o gosto de quem os possuía.
Atualmente, os modelos de carros estão tão parecidos e com tantas nomenclaturas estranhas que até mesmo quem é um bom observador, às vezes tem dificuldade de distinguir um modelo do outro na rua.
Mas no fim das contas, aquele possante velho e ultrapassado, que hoje se destaca no estacionamento cheio de carros “parecidos”, é mais confiável do que esses carrinhos de boneca que não duram nem o prazo da sua garantia.
Faço essa analogia – um tanto nostálgica – para dizer que a política brasileira não está diferente dessa realidade automotiva. No passado, os personagens que habitavam a cena política eram bem resolvidos, política e ideologicamente. Quem era de esquerda era de esquerda, quem era de direita era de direita e acabou.
Eram posições antagônicas, mas que dentro de um jogo democrático eram respeitadas, porque eram explicitadas com clareza. A ideologia sempre esteve presente na política, inclusive por ser um subproduto dela. De uns tempos para cá, é que parece ser “proibido” misturar política com ideologia.
Mas, para o bem ou para o mal, é impossível dissociar as duas coisas. A ideologia permeia todas as ações e preferências políticas de alguém. No exercício do poder então, isso fica mais evidente. Desde a definição de políticas públicas a serem adotadas por um Governo, até a escolha do time de ministros, é evidente que existe um filtro ideológico.
Dito isso, é curioso como boa parte dos políticos de hoje tentam disfarçar suas preferências ideológicas com o objetivo de parecerem menos radicais, ou pior, de centro. Na minha visão, não existe nada mais falso do que alguém se dizer de centro. Partindo do pressuposto de que todo posicionamento político tem origem antes numa visão ideológica, ser de centro é ser amorfo, sem definição e sem rosto.
No entanto, esse é o ponto que passa despercebido. De modo geral, quem se define como de centro, ou ainda, diz não ser de “direita nem de esquerda” é de esquerda. Trazendo para a nossa realidade brasileira, basta observar como se comportam personagens que usam esse argumento falso para se distinguir do que eles mesmos rotulam de “extremos ideológicos”.
Automaticamente, quem se identifica com o atual Presidente é taxado de extrema direita e outros adjetivos menos pronunciáveis. Mas quem se identifica com governantes mais à esquerda, ou até mesmo ditadores que professam essa linha ideológica, não são taxados de extrema esquerda, mas sim de “campo democrático”. Curioso, não?
É preciso lembrar que a maior parte dos partidos políticos do Brasil, criados pós Regime Militar têm essa raiz mais à esquerda. Por não haver disputa no campo da direita naquele período, acabaram alugando esse espaço para simularem uma oposição à esquerda representada pelo PT e seus satélites. Mas são todos partidos de esquerda e centro esquerda.
Portanto, não deveria ser novidade para ninguém que representantes dessa parcela política se mostrem como moderados, de centro, para se contrapor àquele que hoje representa a verdadeira ameaça a esse teatro: Jair Bolsonaro. A verdadeira alternância de poder jamais foi desejada ou defendida por essas pessoas. Do contrário, ao menos disfarçariam o incômodo de ter que esperar até as próximas eleições para conquistar novamente a preferência do eleitor.
O fato é que o cenário atual expôs muitos que prefeririam permanecer camuflados, mas que agora têm que se posicionar politicamente e ideologicamente, como acontecia no passado. Eles sabem que mais do nunca, o eleitor começou a usar esse filtro ideológico para fazer suas escolhas nas urnas.
Tenho mais respeito por quem defende abertamente sua ideologia, e a coloca ao escrutínio do eleitor fazendo oposição legítima, do que quem as camufla, se fazendo de muro, na esperança de ser considerado uma opção. Vai então o recado: desçam já desse muro do falso centrismo, tirem as capas e as máscaras, assumam suas posições, venham de cara limpa para o debate democrático, e deixem o povo decidir.
Ismael Almeida, para Vida Destra, 07/04/2021.
Vamos discutir o Tema! Sigam-me no Twitter: @Ismael_df
Crédito da Imagem: Luiz Augusto @LuizJacoby
Receba de forma ágil todo o nosso conteúdo, através do nosso canal no Telegram!
As informações e opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade de seu(s) respectivo(s) autor(es), e não expressam necessariamente a opinião do Vida Destra. Para entrar em contato, envie um e-mail ao contato@vidadestra.org
- Voto transparente: direito do eleitor e legitimidade dos eleitos - 1 de agosto de 2022
- A ‘democracia’ dos não eleitos - 22 de março de 2022
- 2022: o ano da verdade para o conservadorismo - 25 de janeiro de 2022
Excelente Ismael.
Concordo plenamente.
Por vezes, sinto-me enojada assistindo toda essa covardia declarada.
Neste excelente artigo de @Ismael_df em que rotula o Centrão como ilusão, só posso dizer que Bolsonaro apoiar Rodrigo Pacheco e Arthur Maia para Presidente das duas casas, foi como um carrinho de boneca, não tem garantia.
Concordo, Ismael. O “centrismo” se tornou um espaço em que os oportunistas se colocam para vender seu apoio de “pegar a onda prevalente”. Parabéns.
Informativo e didático! O artigo torna evidente de qual o lado o “centrão” está.