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Dia do Consumidor: nada a ser comemorado!

Desde que voltei para o Brasil, há mais ou menos um ano e meio, me vi cercado por situações bizarras envolvendo o relacionamento das empresas com os consumidores. Depois de ter vivido por mais de duas décadas num país que é reconhecido mundialmente pela educação e gentileza no trato com os clientes, voltar ao Brasil foi uma dolorosa viagem de volta ao passado.

Antes que me critiquem por querer comparar a qualidade do atendimento e do tratamento dispensado pelas empresas japonesas aos seus consumidores com o que encontramos no Brasil, alegando se tratar de culturas diferentes e que o Japão é um país mais avançado que o Brasil em muitas áreas, afirmo sem medo de errar que apesar das diferenças culturais e sociais, em tese nada impede que as empresas brasileiras prestem um atendimento com a mesma qualidade prestada pelas empresas japonesas. Aproveito a proximidade do Dia do Consumidor, no próximo 15 de março, para tratar deste delicado relacionamento entre empresas e consumidores no Brasil.

Há dois aspectos que precisam ser observados ao se analisar esta questão. O primeiro se refere à qualidade dos produtos e serviços oferecidos aos consumidores. E o segundo aspecto diz respeito à qualidade do atendimento prestado aos consumidores. Infelizmente, no Brasil tanto um quanto o outro carecem urgentemente de melhorias de qualidade. E infelizmente quem sempre sai perdendo é o consumidor.

Se quisermos mudar a situação aqui no Brasil, é preciso que se mude a visão empresarial, a maneira como as empresas enxergam o consumidor. Muitas empresas brasileiras tratam os consumidores como se estivessem fazendo um favor a estes, esquecendo-se que se não houver quem compre seus produtos ou utilize seus serviços não há necessidade de uma empresa existir. Toda empresa é criada para suprir uma demanda por um determinado produto ou serviço, e o fato de estarem atendendo a uma necessidade de seus consumidores não dá a nenhuma empresa o direito de tratá-los de forma desrespeitosa ou como se estivessem concedendo um favor. Os produtos e serviços são pagos, e muitas vezes possuem preços extremamente pesados aos consumidores.

A falta de competição permitiu que muitas empresas se tornassem as únicas fornecedores de certos produtos e serviços, o que as colocou nesta situação de tratar o consumidor de qualquer maneira, pois os clientes não tem a quem recorrer em busca de produto ou serviço similar.

Abrir o mercado e permitir a livre iniciativa e a livre concorrência beneficia os consumidores, pois onde há competição, sobrevive a empresa que oferecer o melhor produto ou serviço, e a melhor relação custo/benefício.

No Japão, as empresas valorizam os consumidores porque, no fundo, valorizam a si mesmas. Elas sabem muito bem que um consumidor insatisfeito é alguém que nunca mais voltará a adquirir seus produtos ou utilizar seus serviços. E além disso, as empresas japonesas sabem o dano que um consumidor insatisfeito ou maltratado pode causar à sua imagem. A reputação dos produtos Made in Japan, por exemplo, não foi construída do dia para a noite. Foram necessários muitos anos de aperfeiçoamento de produtos para que se atingisse a excelência que possuem hoje. O mesmo aconteceu com a prestação de serviços e o atendimento aos clientes.

No Japão, quando um cliente tem um problema com um produto, ele não precisa fazer uma peregrinação, como ocorre aqui no Brasil, para ter o problema resolvido. Vou citar um exemplo que aconteceu comigo: certa vez comprei uma lâmpada fluorescente numa grande loja de artigos eletrodomésticos e ao chegar em casa e instalar a lâmpada, a mesma não funcionou. Voltei à loja, expliquei o que aconteceu e a vendedora rapidamente pegou a lâmpada para fazer um teste e… ela funcionou! Quase morri de vergonha, mas a vendedora disse que eu não precisava me preocupar, pois mesmo assim eles me dariam outra lâmpada nova. Em cinco minutos, problema resolvido. E a nova lâmpada funcionou em casa! Até hoje não entendi o que aconteceu, mas este exemplo mostra como o consumidor é tratado no Japão. Aos empresários japoneses não interessa que você saia da loja sem uma solução ao seu problema.

Outra diferença que achei interessante, é que no Japão são os próprios lojistas que resolvem problemas decorrentes de produtos adquiridos que apresentem defeito. Em 24 anos lá, nas raras vezes que precisei reclamar de um produto com problemas, os próprios lojistas resolveram, de forma simples e rápida. Em todas as ocasiões, me ofereceram um produto novo em troca daquele com problemas. E são os lojistas que se entendem com os fabricantes, e não o consumidor! Esta relação lojista-fabricante é benéfica ao consumidor, pois não interessa a nenhum fabricante que uma grande loja deixe de adquirir seus produtos. Assim, a relação é de igual para igual, ao contrário do Brasil onde simples consumidores muitas vezes tem que travar quedas de braço com grandes corporações, numa relação desigual.

Até aqui tratei da questão envolvendo produtos. Mas a relação das empresas prestadoras de serviços e o atendimento a clientes, de maneira geral, seguem um princípio simples no Japão: as empresas se sentem honradas por serem escolhidas pelos clientes para o fornecimento de serviços, e com isto em mente, procuram satisfazer as necessidades dos seus consumidores da melhor maneira possível. Isto se reflete na qualidade dos serviços prestados e no atendimento dos seus funcionários.

Para vocês terem uma ideia de como as empresas japonesas levam a qualidade dos serviços prestados a sério, vou citar dois exemplos. O primeiro é a respeito do serviço de fornecimento de energia elétrica. Em 24 anos que morei no Japão, só fiquei sem energia em casa por três vezes, e a interrupção mais longa durou cerca de dez minutos e ocorreu durante a passagem de um forte tufão. Mesmo a minha região enfrentando cerca de três grandes tufões anuais, isto não afetava de forma drástica o fornecimento de energia.

Outro exemplo é o transporte público. Trens e até mesmo ônibus são extremamente pontuais e fazem questão de manter a pontualidade de forma impecável. A tolerância de atrasos dos trens e metrôs, por exemplo, se mede em segundos! E todos os funcionários destas empresas trabalham de forma a prestar o serviço com este nível de excelência e a empresa investe para que seja possível atingir este objetivo.

Infelizmente, aqui no Brasil estamos a anos-luz de ter produtos, serviços e atendimento com esta qualidade. Claro que há a questão dos custos, bons produtos aqui costumam custar caro e mesmo assim não possuem muita garantia de satisfação do cliente. Mas é perfeitamente possível oferecer produtos e serviços de qualidade a preços acessíveis. Se observarmos bem, veremos que há casos assim aqui no Brasil.

Se quisermos usufruir de produtos e serviços com qualidade e sermos bem atendidos, precisamos estar cientes dos nossos direitos como consumidores. É inaceitável que quase trinta e dois anos após a criação do Código de Defesa do Consumidor ainda existam empresas que desrespeitem o consumidor em coisas básicas. A própria dificuldade de acesso às empresas para o registro de reclamações é um exemplo de desrespeito com algo básico. A comunicação entre a empresa e o cliente deveria ser prioridade mas infelizmente não é. E jamais devemos nos calar diante de qualquer problema. É uma obrigação das empresas resolver quaisquer problemas envolvendo os seus produtos e serviços e oferecer um bom atendimento a todos.

Temos muito o que aprender como consumidores e como empresários. Mas nada impede que possamos, com muita dedicação, trabalho e investimentos em educação, por exemplo, melhorar esta situação. Não podemos apenas observar aqueles que fazem as coisas melhores que nós, devemos aprender com eles e fazer o nosso melhor também. Melhorar o Brasil depende da atitude e esforço de cada um de nós!

 

 

Sander Souza (Conexão Japão), para Vida Destra, 11/03/2022.
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