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Seguimos com o nosso compromisso de trazer até vocês, todos os sábados, artigos sobre temas relevantes publicados pela imprensa internacional e traduzidos pela nossa colaboradora, a jornalista e tradutora profissional Telma Regina Matheus. Apreciem!
Douglas Murray: Diário de Guerra
‘Quando os helicópteros que transportavam os reféns libertados aterrissaram, o trânsito parou. As pessoas saíram dos seus carros e começaram a cantar.’
Fonte: The Free Press
Título original: Douglas Murray: Wartime Diary
Link para o artigo original: aqui
Publicação: 30 de novembro de 2023
Autor: Douglas Murray
“O que é a vida?”, pergunta uma garotinha a Oriana Fallaci no início de seu ótimo livro, Nothing and Amen, de 1969. Como escreveu Fallaci, na manhã seguinte ela viajou para a Guerra do Vietnã, para descobrir [a resposta].
Pensei muito naquela pergunta nas últimas semanas, desde que cheguei em Israel no início deste mês para fazer a cobertura [jornalística] da guerra. Vi muitas guerras antes, e elas sempre suscitam essa questão: “O que é a vida?”. Para entender a vida, é preciso entender a morte, e para entender a morte, é preciso tentar entender a pior coisa que os seres humanos podem fazer uns aos outros: a guerra.
O ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro deixou 1.200 mortos. Quase 240 reféns — crianças, mulheres, avós — foram levados para Gaza. Nestes últimos dias, cerca de 81 reféns foram devolvidos para seus entes queridos, durante o cessar-fogo.
Eu estava no hospital infantil, em Tel Aviv, quando a primeira criança e seus pais foram libertados. Quando os helicópteros pousaram e os reféns desembarcaram, os soldados das FDI colocaram protetores nos rostos deles para poupá-los das luzes das câmeras. Mas eu já havia recebido uma foto tirada pela imprensa árabe que mostrava algumas das mães com seus filhos dentro de um ônibus, quando ainda estavam em Gaza.
O terror em seus rostos. Pareciam ter envelhecido algumas décadas.
Mas aqui, neste momento, havia alegria. Quando os helicópteros aterrissaram, o tráfego parou, as pessoas saíram dos seus carros e começaram a cantar. Bateram palmas e suas vozes ressoaram com boas-vindas aos reféns, com canções como “Hevenu Shalom Alechem” (“Nós lhes trouxemos a paz”).
Naquela noite, 12 dos 13 que regressaram eram do kibutz Nir Oz, o primeiro lugar que visitei na minha viagem a Israel. Mas a cada um que retorna, nos lembramos daqueles que ainda estão em Gaza. Pensei especialmente nos netos do homem que me mostrou o kibutz durante minha visita. Na manhã de 7 de outubro, os adolescentes estavam sozinhos na casa. O avô estava com eles ao telefone, tentando dizer como prender a porta do quarto de segurança e evitar que fossem atingidos por tiros do outro lado. Os dois garotos lutaram com um lençol enrolado e aguentaram algum tempo, mas não conseguiram resistir a dois homens adultos, membros do Hamas. Foram levados para Gaza.
O mesmo aconteceu com Kfir Bibas, um bebê de dez meses. E com seu irmão. E com a mãe deles. Ontem, o Hamas disse que eles não seriam libertados porque morreram no cativeiro.
Ninguém sabe se o Hamas os matou, assim como matou tantos outros, ou se está mentindo para torturar os que esperam pelo retorno deles.
A libertação dos reféns está acontecendo, mas cada dia traz desilusão e esperança. O procedimento iniciado é um inferno por si só. Por quase dois meses, todos os cartazes espalhados pelo país nos mostraram os rostos dos sequestrados. Ficamos conhecendo todos eles. Por aqui, ninguém retira esses cartazes. Eles são familiares, amigos.
Cada refém que retorna é uma bênção. Mas o que torna difícil reportar sua libertação é que o Hamas, estrategicamente, se assegurou que todos os libertados ainda tenham um membro da família mantido em cativeiro, dentro de Gaza. Desse modo, quase todos os reféns libertados estão subjugados a algum tipo de comprometimento.
Todos sabem que o Hamas faz o acordo — e o renega — para desacelerar o plano de guerra israelense. Possivelmente por tempo indeterminado.
Rumores se espalham por todo lado. Alguns acreditam que só metade dos reféns está viva. Mas este receio é colocado de lado enquanto as pessoas sonham com o regresso de todos para casa.
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Na semana passada, fui ao Instituto Forense de Tel Aviv para falar com as pessoas que ainda estão tentando identificar os corpos levados para lá. Muitos dos corpos estão tão queimados ou destruídos que chegam em um saco menor do que os sacos de cadáveres de tamanho normal. Às vezes, são só ossos; outras vezes, os restos mortais vêm com um fragmento de algum celular. Todas as pistas são analisadas, para que as famílias tenham algo para sepultar.
Uma das razões para vermos as coisas com nossos próprios olhos é nos fortalecermos contra aqueles que se recusam a acreditar nos acontecimentos. A negação do Holocausto do 7 de outubro está acontecendo em tempo real.
Fomos ao necrotério, onde nos mostraram alguns dos corpos que ainda estão tentando identificar. O mau cheiro é terrível, e a visão também. Mas esses dedicados profissionais e voluntários fazem seu doloroso trabalho com grande afinco e dignidade.
Em uma das mesas estava o corpo que conseguiram identificar apenas como sendo de um homem jovem. Eles extraíram um dente para tentar identificá-lo. Este é um caso que teve alguma sorte. Na sala seguinte estavam algumas das bandejas com objetos carbonizados que, um dia, foram pessoas. Essas bandejas são quebra-cabeças humanos, com os corpos demasiado queimados para que possam retirar DNA. Em uma bandeja, havia um crânio que conseguiram reconstituir, e perguntei ao patologista-chefe se não era com certeza o crânio de uma criança.
“Talvez”, ele disse, mas também pode ser o crânio de um adolescente que tenha simplesmente encolhido nas chamas intensas que o envolveram, quando o Hamas incendiou sua casa.
Algumas das coisas que vi me deram náuseas. Outras me deixaram com muita pena. Uma bandeja com quase nada. Um osso de um fêmur, talvez. As sobras de um churrasco. Contudo, isto foi um homem. Ou uma mulher. Outro saco mortuário chega.
Logo no início, fiz uma entrevista na cidade de Sderot, assustadoramente vazia. Eu já tinha estado lá antes, e em seus abrigos antibombas. Mas nunca imaginei ‒ nem eu nem qualquer dos residentes ‒ que o Hamas pudesse entrar por estas ruas em caminhões, disparando RPGs e outras artilharias pesadas. Este foi um local que tentou resistir.
Depois, no hospital em Tel Aviv, conheci um policial jovem e corajoso que, naquela manhã, resistiu por horas em seu posto. Ele foi ferido nos braços e nas pernas, e uma bala chegou a raspar seu couro cabeludo. Ele viu morrer a maioria dos seus companheiros. Mas resistiu e foi salvo pouco antes de esvair-se em sangue.
“Como foi aquela manhã?” perguntei-lhe.
“Eu vi o inferno”, contou ele, enquanto se balançava para frente e para trás.
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Nir Oz, um dos kibbutzim ao sul, sofreu uma das maiores devastações em 7 de outubro. Mais de metade dos 400 residentes da comunidade foi morta ou sequestrada naquele dia.
Esta comunidade, como muitos outros kibbutzim, era habitada por pacifistas, esquerdistas e pessoas que tentavam ativamente encorajar a coexistência com seus vizinhos palestinos.
Entre os escombros das casas queimadas, ainda é possível ver adesivos pela paz. Nada disso fez diferença para o Hamas. Nem para os trabalhadores palestinos que tinham emprego nesses lugares e que acabaram agindo como informantes do Hamas, passando-lhe dados sobre as famílias para que o grupo terrorista soubesse quem devia matar quando invadisse a comunidade. Em cada porta, os terroristas sabiam quem estaria em casa e quando. Mataram primeiro o chefe da segurança e depois avançaram, casa a casa.
Esta é uma cena de crime em andamento e, por isso, ainda há rastros de sangue no chão, que por si só contam grande parte da história. A sala onde um grupo de trabalhadores agrícolas tailandeses foi massacrado ainda está coberta de sangue, de parede a parede e do chão ao teto. Só consegui ver um par de buracos de bala naquela sala. O que significa que os trabalhadores foram mortos a golpes de facão.
Ninguém com quem conversei em Israel ainda acredita que pode viver ao lado do Hamas. A ideia de que será construído um Estado palestino pacífico em Gaza está morta. A ideia de que um Estado pode ser construído na Cisjordânia, sob uma autoridade que também celebrou as atrocidades de 7 de outubro, já não tem apoio.
“Fui de esquerda a minha vida inteira”, disse-me um homem, em sua cama de hospital. “Agora, só quero campos de batata daqui até o Mediterrâneo”.
Ele me contou sua história do dia 7 de outubro. Sua esposa e os dois filhos estavam escondidos em um quarto de segurança na casa deles, quando o Hamas colocou fogo na casa. À medida que a fumaça subia, os terroristas descobriram uma janela no quarto de segurança e lançaram granadas por ela. Depois, apareceu um fuzil Kalashnikov. Sua mulher foi morta por uma granada; duas balas perfuraram o peito do seu filho de 14 anos, um jovem surfista.
Enquanto o filho se esvaía em sangue, ele pediu ao pai: “Você pode me sepultar com a minha prancha de surf?”
Dias depois, quando as autoridades encontraram o homem no hospital e lhe perguntaram se queria alguma coisa de sua casa, ele deu uma resposta simples: “Não quero nada da minha casa, só a prancha de surf do meu filho”.
E seu filho foi sepultado com sua prancha de surf.
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A própria Faixa de Gaza é um deserto destruído. Estive lá logo na primeira semana, integrado às FDI e viajando em veículos israelenses, pela passagem na fronteira por onde os terroristas tinham invadido [Israel]. Além de um sentimento de apreensão, há uma sensação de vitória ao atravessar aquela passagem. O Hamas veio atrás dos israelenses. E agora as FDI estavam indo atrás das pessoas que tinham feito aquilo.
Em Gaza, tudo pode acontecer. Os israelenses ainda estavam bombardeando o norte, onde eu me encontrava, e, do hospital al-Shifa, eu observava os fluxos de palestinos que se dirigiam para o sul. Era uma visão deplorável e uma lembrança do que o Hamas tem feito às pessoas sob o seu controle.
Enquanto estive lá, as FDI encontraram um túnel do Hamas e o explodiram na minha frente. A terra tremeu. Mas a terra tremeu muito nesse dia. Os tiros de metralhadora não paravam de pipocar, assim como os foguetes e os ataques aéreos. As pessoas muitas vezes perguntam como é estar em uma zona de conflito ativa. A verdade é que pode acontecer absolutamente tudo. Só podemos esperar que não aconteça.
A certa altura, no meio de Gaza, falei com um comandante sênior das FDI e perguntei se ele já tinha estado ali antes.
“Sim”, ele respondeu.
“Qual foi a última vez que você esteve aqui?”, perguntei.
“Em 2005”, disse ele, “quando tirei amigos da família das suas casas. Agora, dezoito anos depois, aqui estou novamente”.
É um lembrete da insolubilidade da situação em Gaza. Ninguém tem uma resposta para ela. Mas por que a solução deste problema impossível foi designada aos israelenses? Arranjem outra pessoa para resolvê-lo. Alguém se habilita? Alguém?
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No momento, a guerra está suspensa. As FDI estão preparadas para continuar. Mas, atualmente, estão sentados, como todo mundo, esperando, observando e conjecturando por quanto tempo poderá durar esta suspensão. A pausa fortalece o Hamas e enfraquece Israel. Há quem diga que os israelenses deviam ser menos sentimentais. Mas quando vemos imagens de uma criança correndo de volta para os braços do pai, repensamos. E é preciso pensar nessas duas coisas ao mesmo tempo.
Os jihadistas dizem que vão vencer porque gostam mais da morte do que nós gostamos da vida. Penso que estão enganados. Israel vencerá precisamente porque eles — nós — amam a vida. Deus ordenou aos judeus que “escolham a vida” e, mesmo diante da morte, eles o fazem. O inimigo não consegue parar a grande onda de vida que surge por todo lado em Israel, mesmo nestes dias. As unidades que visito têm uma união e um espírito que dificilmente se pensaria ser possíveis. Porque todos sabem agora qual é a alternativa à guerra. A alternativa é o massacre constante.
Ao ver o pôr-do-sol desta noite, penso novamente na Fallaci, e em como, ao regressar do Vietnã, ela respondeu à pergunta da garotinha: “O que é a vida?”.
O que Fallaci disse a ela?
“A vida é um recipiente que temos de preencher bem, sem perder tempo. Mesmo que o quebremos por preenchê-lo demais.”
Douglas Murray é o autor de sete livros entre os mais vendidos e escreve regularmente para New York Post, National Review e outras publicações. Seu trabalho como repórter o levou ao Irã, à Coreia do Norte, ao norte da Nigéria e à Ucrânia. Nascido em Londres, vive atualmente em Nova York.
Traduzido por Telma Regina Matheus, para Vida Destra, 02/12/2023. Faça uma cotação e contrate meus trabalhos através do e-mail mtelmaregina@gmail.com ou Twitter @TRMatheus
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Sempre tive o significado de guerra como produto do ódio criado por falsas crenças de que a parte de algum território é fundamental para a vida. Aqui na terra brasilis tem estados e municípios que ainda “lutam” por faixas territoriais, um dia se torna ódio e aí…
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