Imagem de capa: Aclamação de Dom Pedro no Campo de Santana – Jean-Baptiste Debret
Feliz 2022 a todos os leitores!
Nesta primeira atualização da minha coluna em 2022, gostaria de abordar um tema histórico da maior importância! No próximo dia 9 de janeiro de 2022, celebraremos os duzentos anos do Dia do Fico, assim chamado por ter sido neste dia que o príncipe regente Pedro, à frente do governo do Brasil, então Reino Unido a Portugal e Algarves, tomou a decisão de desobedecer as ordens das Cortes portuguesas, que ordenavam o seu imediato retorno à Portugal, para que o Brasil pudesse ser reconduzido ao status de colônia.
Para compreendermos a importância desta decisão de Pedro, precisamos conhecer o contexto histórico, e para isto é importante relembrarmos alguns fatos ocorridos alguns anos antes daquele 9 de janeiro de 1822. No final do século XVIII, a Revolução Francesa tinha provocado mudanças drásticas na sociedade da França, um dos países mais importantes do mundo naquele momento, que acabaram por permitir que Napoleão Bonaparte chegasse ao poder. Sua ascensão trouxe de volta a monarquia francesa, que havia sido derrubada anos antes pela Revolução. Como imperador francês, Napoleão se pôs a invadir os países vizinhos e impor, pelas armas, os ideais revolucionários.
Se as conquistas foram relativamente fáceis na Europa continental, vencer a grande nação rival, a Inglaterra, não seria nada fácil para Napoleão. Após várias tentativas frustradas de invadir a Grã Bretanha, Napoleão resolveu mudar de estratégia, e decidiu que a melhor forma de combater a Inglaterra não seria pelas vias militares, mas pela via econômica. Desta maneira, decidiu proibir os países da Europa continental de comercializar com a Inglaterra, isolando-a totalmente e sufocando a sua próspera economia, no que ficou conhecido como o Bloqueio Continental.
Porém, Portugal era um antigo aliado da Inglaterra, numa aliança que já remontava a séculos, e tinham vários tratados entre si. Foi neste contexto que Portugal se viu no meio da briga entre as gigantes Inglaterra e França. Com a vizinha Espanha já sob domínio de Napoleão, Portugal poderia ser rapidamente subjugado caso não obedecesse ao decreto de Napoleão e não suspendesse o comércio com os ingleses.
Numa manobra política ousada, o príncipe regente Dom João protelou sua decisão oficial o quanto pôde, enquanto nos bastidores preparava junto com os aliados ingleses uma das mais impressionantes operações jamais vistas até então, que era a transferência de toda a Corte portuguesa para o Brasil. Não era apenas uma simples fuga de pessoas, mas se tratou da transferência de todo um governo para outro país, no caso o Brasil, a um oceano de distância. Bens, tesouros, documentos e quase todo o dinheiro circulante em Portugal foi embarcado em navios rumo ao Brasil, que passaria a ser a sede do império ultramarino português, e o Rio de Janeiro a sua capital. Através desta estratégia, Napoleão poderia invadir o território português, mas jamais tomaria o poder para si, como fez na Espanha e em outras nações.
E foi assim que o príncipe Pedro acabou vindo para o Brasil, onde chegou com a sua família em 1808, aos 9 anos de idade. Pedro cresceu, chegou à idade adulta e se casou em terras brasileiras, e possuía grande identidade com a terra e com os brasileiros, assim como o seu pai, que desde 1816 havia assumido o trono de Portugal como o rei Dom João VI.
Muitos estudiosos e historiadores afirmam que, se em 1820 não tivesse ocorrido a Revolução Liberal do Porto, em Portugal, Dom João VI não teria retornado a Portugal. Mas a revolução aconteceu, os revolucionários depuseram os regentes que governavam as terras portuguesas, elegeram membros para formar as Cortes Constituintes, que escreveria uma constituição, e exigiram que o rei e a Corte Real retornassem a Portugal. Após muita relutância, Dom João VI tomou a decisão de retornar com sua Corte, em abril de 1821. Porém nem todos retornaram: o príncipe Pedro ficou no Brasil, como regente, com sua esposa, a princesa Leopoldina.
Quando chegou em Lisboa, o rei foi obrigado a jurar a constituição provisória, que acabou com o absolutismo e instituiu uma monarquia constitucional, e os membros das Cortes ficaram furiosos com o fato de Pedro ter permanecido no Brasil. Foi emitida uma ordem para que o príncipe retornasse imediatamente para Portugal.
Durante os treze anos de permanência da família real, o Brasil foi transformado de colônia em sede do império português, e como tal, sofreu profundas transformações. Teve os portos abertos para o comércio, passou a ter faculdades, bibliotecas, bancos, museus, imprensa, etc. Mas agora a nova elite portuguesa queria que o Brasil voltasse à condição anterior. Obviamente isto não agradou nada aos brasileiros, que não queriam perder a sua autonomia.
Diante desta situação, sabendo o que estava em jogo, os brasileiros se movimentaram e reuniram oito mil assinaturas de pessoas que pediam que o príncipe Pedro ficasse no Brasil. Diante do clamor popular, Pedro tomou a sua decisão e proferiu uma frase que se tornou célebre: “Se é para o bem de todos, e a felicidade geral da nação, estou pronto! Digam ao povo que fico!”
Desde então, o dia 9 de janeiro passou a ser conhecido como o Dia do Fico!
É importante relembrarmos fatos marcantes da nossa história, para impedirmos que pessoas mal-intencionadas a reescrevam. Em relação ao fato tratado neste artigo, o Dia do Fico, ao contrário do que muitos ensinam, a decisão de chamar o príncipe regente Pedro de volta a Portugal não foi do rei Dom João VI, mas das Cortes portuguesas, que estavam submetendo o rei às suas exigências e limitando os seus poderes. A permanência de Pedro no Brasil atrapalhava os planos das Cortes, de implantar uma monarquia constitucional, limitando os poderes reais.
Não se pode afirmar com certeza quais eram as reais intenções de Dom João VI quando decidiu deixar o seu filho Pedro como regente do Brasil. Muitos acreditam que o rei português já imaginava o que iria enfrentar ao retornar a Portugal, e que por isso deixar Pedro no Brasil seria uma forma de impedir que suas medidas favoráveis ao Brasil fossem revogadas. Alguns até acreditam que o rei já vislumbrava a possibilidade de um Brasil independente de Portugal, e que o rei preferia que tal independência se desse pelas mãos de seu filho, do que pelas mãos de estranhos, cujos interesses poderiam prejudicar o Brasil. Não podemos fazer afirmações categóricas quanto a esta decisão do rei.
Quanto à decisão de Pedro de ficar no Brasil, esta causou a ira da elite portuguesa, que não desistiu de tentar levar o príncipe de volta para Portugal. E Pedro continuou contrariando as ordens e os interesses portugueses, numa situação de tensão crescente que culminou com a nossa declaração de independência. Mas aí é tema para outro artigo!
Sander Souza (Conexão Japão), para Vida Destra, 07/01/2022.
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Adorei o texto, Sander!
Muito obrigado, Lia! Um abraço!