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O dia em que as ilusões morreram
Muitas pessoas acordaram no dia 7 de outubro como progressistas e, à noite, foram dormir sentindo-se conservadoras. O que havia mudado?
Fonte: The Free Press
Título original: The Day the Delusions Died
Link para o artigo original: aqui!
Publicação: 22 de outubro de 2023
Autor: Konstantin Kisin
Quando os terroristas do Hamas atravessaram a fronteira com Israel e assassinaram 1.400 pessoas inocentes, eles destruíram famílias e comunidades inteiras. Eles também destruíram ilusões há muito existentes no Ocidente.
Uma amiga me disse em tom de piada que, no dia 7 de outubro, acordara como uma esquerdista e, naquela noite, fora dormir como uma conservadora de 65 anos. Mas não foi realmente uma piada, e ela não foi a única. O que havia mudado?
A melhor maneira de responder essa pergunta é com a ajuda de Thomas Sowell, um dos mais brilhantes intelectuais vivos, hoje. Em 1987, Sowell publicou A Conflict of Visions. Nesta obra agora clássica, ele oferece uma explicação simples e poderosa do por que as pessoas discordam politicamente. Discordamos sobre política, argumenta Sowell, porque discordamos sobre a natureza humana. Vemos o mundo por meio de uma das duas visões concorrentes, cada uma das quais conta uma história radicalmente diferente sobre a natureza humana.
Aqueles com uma “visão irrestrita” acham que os seres humanos são maleáveis e podem ser aperfeiçoados. Acreditam que os males sociais podem ser superados por meio de ações coletivas que incentivem os seres humanos a se comportarem melhor. Para os adeptos dessa visão, a pobreza, o crime, a desigualdade e a guerra não são inevitáveis. Pelo contrário, são quebra-cabeças que podem ser resolvidos. Precisamos apenas dizer as coisas certas, adotar as políticas certas e gastar dinheiro suficiente, e então não sofreremos mais com esses males sociais. Essa visão de mundo é a base da mentalidade progressista [esquerdista].
Em contrapartida, aqueles que veem o mundo pelas lentes de uma “visão restrita” acreditam que a natureza humana é uma constante universal. Nenhum método de engenharia social pode mudar a realidade austera do egoísmo humano ou o fato de que a empatia humana e os recursos sociais são necessariamente escassos. As pessoas que veem as coisas dessa forma acreditam que a maioria dos problemas políticos e sociais jamais será “resolvida”; eles podem ser apenas gerenciados. Essa abordagem é o alicerce da visão de mundo conservadora.
A barbárie do Hamas — e as declarações e comemorações em todo o Ocidente, que se seguiram à orgia de violência — forçaram um êxodo noturno do campo do “irrestrito” para o campo do “restrito”.
A realidade da ideologia identitária
Muitas pessoas acordaram no dia 7 de outubro simpatizando com alguns aspectos da ideologia identitária e, naquela mesma noite, foram dormir se questionando como haviam aderido a uma visão de mundo que nada tinha a dizer sobre o estupro em massa e o assassinato de inocentes por terroristas.
A reação aos ataques — desde os protestos abertamente pró-Hamas até as declarações superficiais de presidentes de faculdades, celebridades e CEOs — detonou com as histórias reconfortantes que muitos de centro-esquerda contaram a si mesmos sobre a política identitária progressista. Por muitos anos, eles preferiram fingir que a contaminação institucional de universidades, corporações e organizações de mídia pelo vírus da mentalidade identitária não era grande coisa. “É claro que o fato de os alunos cancelarem eventos dos quais discordam é irritante”, eles diriam, “mas são apenas estudantes fazendo o que os estudantes fazem”.
O dia 8 de outubro foi um chamado de alerta para aqueles que não perceberam que a ideologia do campus se espalhou por nossas cidades, superalimentada pela mídia social.
Acordamos no dia 8 de outubro com o clamor de protestos de rua em cidades de todo o Ocidente condenando Israel antes mesmo de qualquer resposta relevante dos israelenses aos ataques. Assistimos a multidões comemorando, brandindo suásticas e cantando “gás nos judeus”, em eventos que supostamente se referiam à perda de vidas palestinas. Vimos capítulos do Black Lives Matter [Vidas Negras Importam] idolatrando terroristas.
Em Londres, onde moro, vimos o prefeito dar garantias simplórias de que “a diversidade de Londres é nossa maior força”, em meio a uma onda de ataques antissemitas e num momento em que escolas judaicas foram forçadas a fechar por questões de segurança.
Em todo o Ocidente, testemunhamos nossos representantes se recusarem a condenar os sequestros do Hamas, e vimos a velha mídia excessivamente ansiosa para engolir e regurgitar a propaganda do Hamas.
Antes do massacre de 7 de outubro, muitos alunos, ex-alunos e doadores com a “visão restrita” confiavam que a universidade — apesar de todos os seus muitos problemas — continuava sendo o melhor ambiente do Ocidente para o discurso civil.
Mas então eles viram os reitores de universidades, que foram rápidos em emitir declarações condenando a invasão russa na Ucrânia e o assassinato de George Floyd, ficarem em silêncio ou oferecerem as declarações mais escorregadias e equivocadas, cuidadosamente elaboradas para evitar ofender grupos anti-Israel. Viram um israelense, na [Universidade de] Columbia, ser espancado com um porrete e ouviram relatos sobre intimidação física de estudantes nos campi de todo o país. Leram sobre dezenas de organizações estudantis, em Harvard, assinando uma carta que declarava que Israel era “totalmente responsável” pelo massacre de israelenses.
Os eventos das últimas duas semanas destroçaram a ilusão de que o identitarismo tem a ver com a proteção de vítimas e a defesa de minorias perseguidas. Essa ideologia é e sempre foi sobre o que muitos de nós dissemos a vocês há anos: poder. E, depois das duas últimas semanas, não resta dúvida de como essas pessoas usarão qualquer poder de que se apropriarem: elas procurarão destruir, de qualquer maneira que puderem, aqueles que discordarem.
Essa conclusão desagradável só é uma surpresa se você ainda está apegado à visão irrestrita. Mas se há alguma constante na história humana, esta é o fato de que os revolucionários sempre se sentem no direito de destruir aqueles que se interpõem em seu caminho.
Da mesma forma que a esperança sobre a possibilidade de paz com os jihadistas parece suicidamente ingênua, a reconciliação com os cidadãos dominados pela mentalidade identitária parece muito distante.
Imigração
Em nenhum outro lugar a transição da visão irrestrita para a visão restrita é mais nítida do que na imigração.
Durante décadas, tanto a Europa quanto os Estados Unidos se beneficiaram de uma “visão irrestrita” da imigração. Nos Estados Unidos, o caldeirão que conseguiu integrar alemães, irlandeses católicos ou japoneses do século XIX certamente poderia absorver aqueles que cruzassem a fronteira Sul. E muitos desses recém-chegados fariam trabalhos que os americanos não queriam fazer. A Europa precisava da imigração para lidar com o envelhecimento da população, e muitos países europeus convidaram pessoas de suas antigas colônias para preencher a escassez de mão de obra e as deficiências de qualificação.
Porém, com o passar do tempo, especialmente a partir do final dos anos 1990, a visão irrestrita se alastrou pela mídia e pelas elites políticas, e a imigração deixou de ser uma solução para problemas específicos para se tornar, por si só, um bem moral. (Eu mesmo sou um imigrante. Quando me mudei da Rússia para a Grã-Bretanha em 1996, a imigração para a Grã-Bretanha correspondia a 55.000 pessoas por ano. No ano passado, a imigração registrada foi de mais de 600.000 pessoas.)
Ao longo da última década, mais e mais pessoas, na América e na Europa, aderiram discretamente à visão “restrita” em relação à imigração. O referendo do Brexit e a eleição de Donald Trump foram os primeiros sinais de alerta da transformação em andamento. Hoje, temos Nova York, onde cerca de 60.000 migrantes recém-chegados estão pressionando enormemente os abrigos e os serviços da cidade, como saúde, educação e transporte público. A cidade já gastou mais de US$ 1 bilhão para enfrentar essa crise, e as projeções indicam que somente os custos de alojamento poderão ultrapassar US$ 4,3 bilhões até o próximo verão. Democratas veteranos de Manhattan disseram ao The New York Times que “temos gente demais entrando” e que “Biden poderia fazer mais para fortalecer um pouco mais nossas fronteiras. Quero dizer, não estamos aqui para acolher o mundo inteiro. Há um limite para o que podemos fazer”.
Os europeus extraíram lições semelhantes de sua própria crise imigratória. Na Grã-Bretanha, gastamos aproximadamente US$ 10 milhões por dia com hospedagem para as pessoas que entraram aqui ilegalmente. Recusamo-nos a deportar criminosos estrangeiros por causa das questões de “direitos humanos”. Os leitores talvez se lembrem de ter visto recentemente, na mídia, reportagens sobre a pequena ilha italiana de Lampedusa, cuja população quadruplicou em um único dia, com a chegada de um grande número de imigrantes ilegais. Agora, ficamos sabendo que o homem que atirou em dois torcedores de futebol suecos, mortos em um ataque terrorista em Bruxelas na semana passada, [esse homem] chegou ao país ilegalmente através da ilha [de Lampedusa], em 2011. O homem era conhecido das autoridades, que o consideravam um risco à segurança devido aos seus vínculos com a jihadi, mas, quando sua solicitação de asilo [político] foi recusada em 2020, ele não foi deportado. Impossível dizer quantas dessas pessoas têm permissão para entrar e permanecer na Europa, pois centenas de milhares delas fazem travessias ilegais para a Europa todos os anos.
Apesar dessas estatísticas chocantes, há décadas tem sido impossível discutir educadamente o problema da imigração ilegal. Independentemente do quão grave o problema se tornava, expressar preocupações sobre ele quase sempre levava a acusações de fanatismo e xenofobia.
O que testemunhamos ao longo das últimas duas semanas — com enormes manifestações pró-Hamas em cidades como Londres, Paris e Washington, D.C. — tem o potencial para mudar, de maneira decisiva, o debate sobre a imigração. É muito mais difícil fingir que a permissão para a entrada ilegal de pessoas em nosso país é um bem moral quando você vê algumas delas comemorando assassinatos em massa nas ruas de suas capitais.
O chanceler alemão, Olaf Scholz, anunciou recentemente a intenção de deportar imigrantes ilegais “em larga escala”, à medida que sua coalizão perde votos para os partidos anti-imigração. A França proibiu os protestos pró-Palestina e advertiu que os estrangeiros que participarem serão expulsos do país. A Grã-Bretanha também ameaçou revogar os vistos de estrangeiros que elogiarem o Hamas. Resta saber se isso representa um realinhamento permanente em direção a uma visão mais restritiva da imigração ou apenas um sinal temporário no caminho da distopia esquerdista.
Segurança na fronteira
Expressar preocupação com a segurança nas fronteiras foi, durante muitos anos, rotulado de “extrema direita”. Mas quantas pessoas, depois dos horrores do dia 7 de outubro, acreditam que uma fronteira segura é outra coisa senão o teste mais básico de segurança nacional?
Acabo de voltar de uma estadia de uma semana em Los Angeles, onde, ao reconhecerem meu nome, todos os motoristas armênios do Lyft iniciavam uma conversa em russo. Após as inevitáveis reclamações sobre o aumento do custo de vida, vários compartilharam comigo suas próprias jornadas nos Estados Unidos e as de suas famílias. Fiquei impressionado com o fato de que aqueles que chegaram nas décadas de 1990 e 2000, em geral, vieram legalmente, mas os que chegaram mais recentemente, entraram pelo México. Um homem me contou sobre o contrabando de seus dois irmãos e de seu pai de 80 anos pela fronteira Sul: “É fácil”, ele me disse.
Não tenho a menor dúvida de que ele está certo: [o ano de] 2023 viu o maior contingente de travessias ilegais desde que se começou a registrá-las. E as pesquisas de opinião mostram que o povo americano, que normalmente recebe bem os recém-chegados, não está feliz com isso. O problema da imigração ilegal não é apenas sua escala; é que não temos ideia se as pessoas que chegam são aposentados armênios de 80 anos ou terroristas jihadistas planejando outro 11 de setembro.
Hoje, mais do que nunca, está claro que as fronteiras não têm nada a ver com intolerância, mas, sim, com segurança. Em um sinal dos tempos, Joe Biden está agora dando continuidade ao trabalho no muro da fronteira que os Democratas passaram anos criticando Donald Trump por construí-lo.
O Ocidente
A razão pela qual a readequação é necessária — e, em minha opinião, [algo] altamente provável —, é que os proponentes da visão irrestrita foram autorizados a passar por cima das preocupações dos cidadãos comuns. Eles usaram essa janela de oportunidade para implementar ideias extraordinariamente inviáveis e totalmente prejudiciais porque consideraram como garantidos os níveis inacreditáveis de segurança, abundância e liberdade que desfrutamos no Ocidente. A única forma de privilégio que você nunca os ouvirá mencionar é o privilégio de primeiro mundo do qual todos nós nos beneficiamos, todos os dias.
Eles fizeram isso porque a falha fundamental do modelo de um mundo sem restrições é a incapacidade de entender o maior ensinamento de Thomas Sowell: não há soluções, apenas compensações. Quando você permite que suas instituições sejam capturadas por uma ideologia de intolerância e iliberalismo disfarçada de progresso, isso tem consequências. Quando você semeia divisão em casa e sinaliza fraqueza no exterior, isso tem consequências. Quando você diminui a confiança do público no que a mídia e o governo dizem, isso também tem consequências.
A civilização ocidental produziu alguns dos mais impressionantes avanços científicos, tecnológicos, sociais e culturais da história humana. Se você se considera “liberal” ou mesmo “progressista”, certamente já deve ter percebido que os Estados Unidos e seus aliados são os únicos lugares no mundo onde os seus valores são considerados valores. Se permitirmos que nossa civilização entre em colapso, ela não será substituída por uma utopia progressista. Ela será substituída pelo caos e pela barbárie.
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Esse momento de despertar persistirá? Isso dependerá, em grande parte, da nossa coragem de encarar a realidade de frente.
Como explicou Sowell, “quando você quer ajudar as pessoas, você diz a verdade a elas. Quando você quer ajudar a si mesmo, você diz o que elas querem ouvir”.
E a verdade é que nos deixamos levar pelo pensamento mágico por tempo demais, escolhendo mitos reconfortantes em vez de realidades duras. Sobre o terrorismo. Sobre a imigração. E sobre uma série de outras questões. Em nossa ânsia por progresso, esquecemos que nem toda mudança é para melhor. Agora o mundo está pagando o preço dessa autoindulgência. Esperemos que os eventos recentes sejam o despertar de que tanto precisamos.
Konstanti Kisin é o coapresentador do podcast Triggernometry. Para conhecer mais trabalhos de Konstantin, acesse seu Substack.
Traduzido por Telma Regina Matheus, para Vida Destra, 28/10/2023. Faça uma cotação e contrate meus trabalhos através do e-mail mtelmaregina@gmail.com ou Twitter @TRMatheus
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