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O direito de greve e as consequências para a população

Como a maioria dos nossos leitores já sabe, morei no Japão durante 24 anos. Tive a oportunidade de viver em uma sociedade muito organizada, onde o Estado funciona e as leis são cumpridas.

Quando um direito é desrespeitado e a Justiça é acionada, a solução geralmente ocorre de forma muito rápida, principalmente se compararmos com a velocidade da justiça brasileira.

Tive a oportunidade de conhecer de perto a Justiça japonesa através de um processo trabalhista que movi contra uma empresa na qual trabalhei durante doze anos e que cometeu a ilegalidade de alterar um contrato trabalhista em vigor e mudar os valores do contrato, diminuindo o salário a ser pago.

Após acionada, a Justiça resolveu tudo em três audiências: a primeira, onde as partes colocaram os seus argumentos diante do juiz; a segunda, onde o juiz reconheceu que minha queixa era legal e que a empresa deveria me indenizar, com o início da negociação do valor a ser pago pela empresa; e a terceira, quando a empresa fez o pagamento da indenização sob a supervisão do tribunal. Tempo decorrido desde o protocolo da ação até o final do processo com o pagamento da indenização: três meses!

Uma das principais diferenças entre a Justiça brasileira e a japonesa é a sua estrutura. No Japão não há distinção entre Justiça Comum, Justiça Trabalhista, Justiça Eleitoral e Justiça Militar. Embora existam leis específicas para cada área, os julgamentos são realizados pela mesma estrutura judicial.

Além disso, há apenas três instâncias e são poucos os casos de recursos à segunda instância e raros os casos de recursos à Suprema Corte. Geralmente a sentença da primeira instância já resolve o processo.

Resolvi escrever este artigo por conta do caos que a greve dos metroviários está causando em uma das maiores e mais populosas cidades do planeta, cujo sistema de transporte público, que em situações normais já deixa a desejar, transporta milhões de pessoas diariamente.

Embora a nossa legislação garanta o direito à greve, creio que ela deve ser o último recurso em situações reivindicatórias. No Japão é difícil a ocorrência de greves e um dos motivos é que cada empresa possui o seu próprio sindicato interno, o que faz com que as negociações e reivindicações sejam referentes apenas àquela empresa, não afetando as demais empresas do mesmo setor. Isso faz com que as soluções sejam alcançadas de forma mais rápida e sem a necessidade de paralisações.

No Japão existem centrais sindicais e sindicatos divididos por categorias profissionais, como no Brasil, mas a atuação destas entidades é bem diferente da que vemos aqui.

Lembro-me bem de duas greves que presenciei enquanto vivi no Japão, uma dos pilotos da All Nippon Airways, uma das maiores companhias aéreas do Japão; e a outra envolvendo os motoristas de ônibus da cidade de Okayama, capital da província homônima, no sudoeste do Japão. Claro que outras greves ocorreram, mas estas são as que me lembro mais por conta da repercussão.

No caso da greve de pilotos da All Nippon Ayrways (ANA), que não ocorreu uma única vez, foi a única que vi afetar a vida das pessoas. Embora tenha se limitado aos voos domésticos, milhares de passageiros foram afetados com os cancelamentos de voos e a companhia se desdobrou para acomodar os passageiros em voos de outras companhias para minimizar os transtornos aos usuários.

Já na greve dos motoristas de ônibus em Okayama o que chamou a atenção foi a maneira de fazer a greve sem prejudicar os usuários: os motoristas trabalharam normalmente mas não cobravam as passagens dos passageiros, que utilizaram o sistema de ônibus de graça enquanto durou a greve. Com isso a população não teve os compromissos do dia a dia prejudicados.

Apresentei tudo isso, pois sempre que há uma greve, seja de qual categoria profissional for, há também um debate sobre os impactos que a paralisação causa para a população, que é quem sofre todo tipo de consequências. É justo que as pessoas sejam prejudicadas para que uma determinada categoria profissional consiga melhores condições salariais e de trabalho?

Não há outras formas de se reivindicar tais melhorias? Qual a responsabilidade das empresas nessas paralisações, já que em muitos casos as empresas se negam a negociar com os seus funcionários, levando-os a uma ação extrema, que é a greve?

É difícil apontar as respostas, pois são muitos os interesses envolvidos, tanto do lado dos trabalhadores, como do lado dos empresários. De qualquer maneira, acredito que o debate seja importante para que a população seja a menos prejudicada quanto possível.

Entendo que as reivindicações sejam legais e válidas, mas não acho justo que pessoas que nada têm a ver com os problemas sejam prejudicadas na busca pelas soluções.

Precisamos buscar alternativas e cabe ao Poder Público, neste caso, trabalhar de forma célere para minimizar o impacto negativo para a população. E também fazer todo o esforço possível para que reivindicações trabalhistas de funcionários públicos tenham a atenção necessária para evitar que ações extremas sejam adotadas, prejudicando aqueles que nada têm a ver com o problema.

É necessário que busquemos uma solução que seja justa para todos os envolvidos.

 

 

Sander Souza (Conexão Japão), para Vida Destra, 24/03/2023.
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