O prefixo “IN” denota a privação ou negação da palavra raiz “Direito”, embora a formação não exista, é esta a intenção dos Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado com a substituição da Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/83), tornando o estado de direito ilegítimo.
Preliminarmente, faz-se necessária a definição de Segurança Nacional, a base constitucional, a formação do Estado Democrático de Direito, configuração e alcance do direito à Segurança, aplicabilidade da LSN, tendo como apoio o artigo publicado na Revista de Ciências Humanas e Sociais Aplicada – RCSA, Jul-Dez, v.1, n2, 2020, de Fernanda de Mello Serra & Alexandre de Melo intitulado A Lei de Segurança Nacional e a legislação Penal Militar: da aplicabilidade no Regime Democrático de Direito à necessidade de atualização.
“O conceito de segurança nacional tem seu amparo na defesa dos elementos que integram a nação e os interesses destes, tanto internamente quanto externamente, tais como território, soberania, governo e povo, sendo buscada como meio garantidor para atender aos interesses dos formadores do Estado”, conforme Maria Celina D’Araújo em “Justiça Militar, segurança nacional e tribunais de exceção” no Encontro Anual da ANPOCS, 2006.
Aproveitando o gancho, no meados de jun/2019, a revista Veja trouxe a notícia de que setores de inteligência policial teriam detectado atividades do grupo paramilitar islâmico Hezbollah na Região de Ponta Porã, na fronteira do MS. Sem falar, na Amazônia, em que o General Heleno disse que nossas fronteiras são muito vulneráveis diante da atuação das FARC e da biopirataria em entrevista para a revista Época. Claro que, temos que proteger o nosso território nacional.
Já Heleno Fragoso demonstra que o “objeto da doutrina de segurança nacional é a proteção jurídica dos chamados ‘objetivos nacionais permanentes’ como a paz pública e a prosperidade nacional, elementos esses que propiciam uma confusão entre criminalidade comum e política“, conforme artigo para Revista de Direito Penal e Criminologia, n.35, 1983, com o título de “A nova Lei de Segurança Nacional”.
Questiono: será que a paz pública é alcançada com a decisão de Fachin de não permitir que as comunidades do RJ sejam molestadas pela Polícia, locais em que bandidos são abastecido de fuzis de natureza militar, proibidos, conforme artigo 12 da LSN, fazendo com que indivíduos sejam subservientes ao tráfico de drogas, milícias e afins, inclusive quanto ao fornecimento de gás e comunicações?
Quanto à base constitucional, a Lei 7170/83 foi editada para proteger a nação, promulgada antes da Constituição Federal de 1988, com base nos ensinamentos de Fragoso, buscou evitar utilizar o termo Segurança Nacional em seu texto passando a falar em Defesa Nacional. Deduz-se daí que a Constituição da República findou por abordar implicitamente sobre a Segurança Nacional, afastando qualquer distorção conceitual resistente aos princípios basilares do Estado Democrático de Direito positivados na CF/88.
No entanto, vale registrar que quando o Constituinte de 1988 fala em Defesa Nacional não quer dizer que deixou de tratar sobre Segurança Nacional, pois aquela existe em função desta e ambas são indissociáveis, ainda que possuam conceitos distintos, visto que a defesa é constituída por um conjunto de ações e medidas ligadas a um quadro definitivo de ameaça enquanto a segurança refere-se a um estado de proteção, ao ato de se defender de qualquer ameaça que atente contra os elementos constitutivos do Estado.
Embora a Lei de Segurança Nacional seja anterior à Constituição Federal, ambas coexistem no ordenamento jurídico, podendo afirmar peremptoriamente que foi recepcionada pela Carta de 1988, por não ter sido declarada não recepcionada. Há projetos para manutenção como para revogação total, desde 1985, mas em síntese possui respaldo nos informativos do STF com jurisprudência de precedentes que adequam aos tipos penais regidos pela lei.
No tocante ao Estado Democrático de Direito, Dallari esclarece “que há uma associação entre o Estado de Direito e a democracia para compreender as muitas questões inseridas nessa relação, tanto política quanto da pluralidade, da garantia dada pelo Estado para exercer os direitos, pois ao versar sobre o Estado de Direito de forma restrita, fora do contexto, ocorre a visão do direito em sua configuração formal, sem levar em consideração os valores nele implícito ou a veracidade desse direito”, Estado de Direito e Cidadania, com o título Direito Constitucional: Estudos em Homenagem a Paulo Bonavides, 2003.
Com essa interpretação foi possível desfigurar a base normativa do Estado de Direito, pautada na lei, para instaurar governos ditatoriais, capazes de criar legislações ilegítimas, capciosas, autoritários, a ponto de praticarem atos extremamente violentos. Ainda Dallari e Aieta chamam a atenção para as ameaças causadas por um Estado de Direito ilegítimo, tendo por parâmetro os casos demonstrados pela história da humanidade, em que aceite ou mesmo a divulgação de qualquer direito pode acarretar riscos enormes, visto que o Estado realiza sua atividade sem se preocupar com a real finalidade do direito exercido, em Democracia: Estudos em Homenagem ao Professor Siqueira Campos, de Vânia Siciliano Aieta, 2006.
Parece-me que estou lendo sobre o ativismo judicial e não sobre a ditadura militar, mas qual Estado, apenas um poder sobrepondo sobre os demais.
Nesse contexto, os direitos fundamentais precisam ser respeitados pelo Estado Democrático de Direito, é necessário que haja adequação ao que o Estado se dispõe a ser para os seus governados. Dallari e Aieta afirmam que os direitos fundamentais fazem parte do texto constitucional de 1988 em sua totalidade, rezando desde o artigo 1o os fundamentos da república que vislumbrados a partir do princípio da democracia serão exercidos por meio dos direitos fundamentais.
Em relação à configuração e alcance do Direito à Segurança, Paulo e Alexandrino, ensinam que o Brasil assumiu um compromisso com o seu povo de assegurar a realização dos direitos fundamentais quando instaurou o Estado Democrático de Direito, especificamente ao da segurança, pois a partir desse é possível concretizar os demais, dada sua relevância para manutenção do Estado de Direito e Democracia, em Direito Constitucional Descomplicado, 2017.
Para Santos, inicialmente o Estado assegura aos integrantes da sociedade nacional o direito à segurança, sendo natos ou não, figurando o reconhecimento do exercício pleno dos direitos inerentes ao ser humano, contudo, a CF/88 impõe condições para que isso ocorra. A segurança, nesse cenário, está abertamente conexa ao fato de que o Estado deve proporcionar proteção aos indivíduos, em Teoria Geral do Estado, 2014.
Em relação a aplicabilidade da LSN, Santos esclarece que embora seja posterior à CF/67, teve forte influência da rigidez da edição da Lei 6.620/78. Com base nisto é possível compreender que o regime civil-militar enfrentava empecilhos quando a sociedade no fim da década de 70, passou a reivindicar por absolvição aos cidadãos punidos sem fundamento, não se tratava de um clamor pela anistia dos que subversivamente atacavam a nação, mas sim ao uso desse contexto de contravenções para julgar e punir qualquer ato meramente semelhante ao que consideravam subversivo.
Parece-me que Santos estaria falando de hoje, apenas substituindo regime civil-militar e a inexistência de ataque a nação, em que o clamor pela ampla defesa e o contraditório nos é negado nos inquéritos das Fake News e dos atos antidemocráticos. A absolvição nunca será dada!
Voltando aos tempos atuais, o Ministro Alexandre de Moraes calcou a sua decisão de prisão do Deputado Federal Daniel Silveira na LSN e a partir daí, o Advogado-Geral da União também usou do mesmo artifício para enquadrar no mesmo dispositivo legal as ofensas ao Presidente Jair Bolsonaro pelo jornalista Hélio Schwartsman da Folha de São de Paulo, o youtuber Felipe Neto e tantos outros.
Em live do Caffé com Lei de 07.04.2021, com as Dras. Alexandra Barbieiri e Cíntia Tibúrcio, intitulada “A lei é para todos. Sorria você está sendo enganado!”, as advogadas relatam que foram impetrados Habeas Corpus coletivos pela Defensoria Pública da União (DPU) e por diversos advogados junto ao STF, com prevenção para Ministro Gilmar Mendes em razão da ADPF 799 — declarar a não recepção pela Constituição Federal de alguns dispositivos e trechos da LSN —, contra ato coator do Ministério da Justiça e Segurança Pública e outras autoridades, em que visa proteger todas as pessoas processadas ou investigadas por crime de segurança nacional contra a honra do Presidente da República.
De chofre, faz-se necessário trazer os objetivos da DPU preconizada no artigo 134 da Constituição Federal, bem como a obrigatoriedade do Estado de prestação jurisdicional gratuita aos hipossuficientes:
Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e defesa em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados (grifo meu), na forma do inciso LXXIV do art. 5o desta Constituição Federal.
LXXIV – O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência.
De acordo com a Resolução no 134, de 7.12.2016, do Conselho Superior da Defensoria Pública da União, publicada no Diário Oficial da União em 2.5.2017, a renda familiar mensal é de R$ 2.000,00 para presunção de necessidade econômica para fim de assistência jurídica integral e gratuita.
Segundo a Dra. Cintia Tibúrcio, a Defensoria Pública da União não poderia estar defendendo o youtuber milionário e tantos outros, dada a sua capacidade financeira.
No mérito, o HC Coletivo do DPU cita a inconstitucionalidade da LSN frente a diversos artigos da Constituição Federal, entre eles da manifestação de pensamento, bem como Convenções, Declarações e Tratados internacionais das quais o Brasil é signatário. Ainda que, os instrumentos internacionais imponham a utilização restritiva da LSN, o qual vem sendo utilizada, de forma ampla, para instauração de investigações, que além de não atenderem os referidos termos da lei, revelam uma tendência de intolerância e participação política de todos que discordam do governo de ocasião. (grifo meu).
A propósito, a Dra. Alessandra Barbieiri lembra ainda, que nesta passagem do HC, é omitido que a Lei de Segurança Nacional é a base do inquérito dos atos antidemocráticos em que se prenderam apoiadores de Bolsonaro, como o jornalista Oswaldo Eustáquio, bem como o Deputado Federal Daniel Silveira, dotado de imunidade parlamentar.
No tocante à infungibilidade dos crimes contra a segurança nacional e dos crimes comuns contra à honra do Presidente da República, o HC coletivo cita vários dispositivos da LSN, e que enquadrar os opositores do Governo Bolsonaro seriam um tipo de censura.
Destaca no HC a necessidade de um salvo conduto para os opositores do Governo para que possam ter a sua liberdade de expressão e manifestação de pensamento devolvidos, porque estariam sendo ameaçadas. Daí a necessidade de um habeas corpus coletivo preventivo, mas numa hipocrisia sem tamanho os apoiadores de Bolsonaro que tem de ficar pianinho!
Já nos pedidos do HC Coletivo requer o deferimento de medida liminar para dar salvo conduto às pessoas que estiverem promovendo manifestação da opinião política, impedindo quaisquer medidas de coerção fundamentadas na LSN; determinar às SSP que não qualifiquem como crime de segurança nacional, os crimes contra a honra do Presidente da República. Todavia, contra Ministros do STF podem ser enquadrados; determinar o trancamento de inquéritos instaurados para apurar fatos aos quais a polícia estadual tenha atribuído o crime contra a segurança nacional. Já o Ministro do STF pode; e impede a PF, MP, Ministro da Justiça que instaure inquérito policial contra manifestação política ou crime contra a honra do Presidente da República.
Em tese, a DPU age de forma política, usando a estrutura do Estado para inibir os inquéritos e ações contra opositores de Bolsonaro, mas se cala quanto aos apoiadores de Bolsonaro.
Além do HC, existem outras ADPF contra a LSN, com o Ministro Gilmar Mendes, que entendeu que os HCs são muito complexos e não tomou nenhuma decisão. Apenas intimando a parte coatora, o Ministério da Justiça e a PGR/AGU a prestarem informações. Em tese a Dra. Cíntia Tibúrcio entende que o não pronunciamento do STF sobre LSN é uma tomada de decisão, já que pode afetar o inquérito do fim do mundo e dos atos antidemocráticos.
A ADPF 797 do PTB pede que a LSN não seja recepcionada pela Constituição, portanto revogando todos os dispositivos. A ADPF 799 do PSB/PT pede a não recepção de alguns itens da LSN, especificamente aqueles usados para perseguir os opositores do Governo Bolsonaro. A ADPF 815 pede a não recepção da LSN pela Constituição. E enfim, a ADPF 816 cita o golpe que foi dado contra a ex-Presidenta.
No entendimento da Dra. Alessandra Barbieri estão empurrando com a barriga desde 1997 com ADI-1489/RJ contra atos da SSP-RJ e vão jogar a bola para o Congresso, de modo a declarar alguns itens da LSN recepcionados, bem como privilegiar opositores e empurrar penduricalhos como a criminalização das Fake News, violência contra a mulher e incluo, talvez o voto auditável. A propósito, informo que o Ministro Alexandre de Moraes prorrogou na última sexta-feira os inquéritos do fim do mundo e antidemocráticos, por mais 90 dias.
Em live ao Grupo Prerrogativas, o ministro Ricardo Lewandowski já externalizou que a Lei de Segurança Nacional é um “fóssil normativo”, dizendo que a Corte tem um encontro com a norma para avaliar a constitucionalidade da mesma. Não sei quem é mais fóssil, se a Lei ou alguma semelhança do ministro com Tutancâmon.
Neste interim é nomeado o novo Diretor da Polícia Federal Paulo Mauriano pelo Presidente da República e ato contínuo, é solicitado que investigue, novamente, o atentado a que ele foi acometido, inclusive com o enquadramento de Adélio Bispo no artigo da 20 da LSN.
Não mais que de repente é feita uma live do IBCCRIM em 07.04.2021 com a presença dos Presidente da Câmara, do Senado, Ministro Barroso do STF, Presidente da OAB, alguns advogados, e é ressuscitado e dado prioridade ao PL 6764/2002, do Estado Democrático de Direito, de Miguel Reale Junior, que revoga a LSN e conta com vários apensamentos de vários outros projetos, inclusive de Hélio Bicudo, e entregue a relatoria da Deputada Federal Margarete Coelho do PP-PI, a mesma da PEC das Prerrogativas, aquela para parlamentares se safarem do STF, dada à prisão de Daniel Silveira.
Como o artigo ficou um pouco longo, adicionado ao fato de que a CPI/impeachment de Ministro do STF tomaram outras proporções nesta semana, vou deixar para a próxima parte comentar as comparações dos artigos do PL do Estado Democrático de Direito e a LSN, bem como considerações diversas.
Por último plagio a Dra. Alessandra Barbieri com uma mensagem de fé que ela encontrou nas redes, que vem bem a calhar no estado democrático do (in) direito:
Isaiás 59-14-15 – A justiça é posta de lado e o direito é afastado. A verdade anda tropeçando no tribunal e a honestidade não consegue chegar até lá. A verdade desapareceu, e os que procuram ser honestos são perseguidos.
Continua no próximo artigo.
Luiz Antônio Santa Ritta, para Vida Destra, 14/04/2021.
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Crédito da Imagem: Luiz Augusto @LuizJacoby
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Excelente, Santa Ritta. Creio que o último parágrafo “Isaiás 59-14-15 – A justiça é posta de lado e o direito é afastado. A verdade anda tropeçando no tribunal e a honestidade não consegue chegar até lá. A verdade desapareceu, e os que procuram ser honestos são perseguidos.”
Obrigado pelo comentário Fábio Paggiaro!