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15 de março de 2020: O segundo grito de Independência do Brasil! Parte I

Há quase 200 anos, às margens do riacho Ipiranga, em São Paulo, como nos ensinam os livros, ocorreu um dos mais significativos momentos da história do Brasil. O então Príncipe Regente, Pedro de Alcântara de Orleans e Bragança, futuro primeiro imperador D. Pedro I, recebeu correspondências urgentes de Portugal. As chamadas Cortes Portuguesas, que estavam dando as cartas no reino português, determinavam a imediata volta, do Príncipe Regente, para Portugal. Já haviam retirado de Pedro muitos dos seus poderes. Praticamente só tinha restado a província do Rio de Janeiro sob sua jurisdição. As liberdades que o então Reino do Brasil, adquiridas após a chegada do pai de D. Pedro, D. João VI, em 1808, seriam todas perdidas caso o Príncipe se submetesse às exigências daquelas Cortes. Tudo aquilo que havia sido conquistado, após muita luta, iria desmoronar como um castelo de cartas se o Pedro baixasse a cabeça e se metesse em um navio de volta a Portugal.

No entanto, a esse golpe nas liberdades recém-conquistadas pelos brasileiros, não poderia deixar de haver um contragolpe. Ao mesmo tempo em que D. Pedro recebia as infames missivas de Portugal, exigindo sua submissão completa e o retorno do Reino do Brasil à simples condição de província portuguesa, como havia sido durante mais de trezentos anos, também recebia outras duas cartas. Uma era de sua esposa, a Imperatriz D. Leopoldina. A  outra era do homem forte do governo de Pedro, isto é, José Bonifácio de Andrada e Silva, que viria a ser chamado de Patriarca da Independência. Estas duas últimas cartas expunham ao Príncipe Regente a necessidade de tomar medidas, urgentes, que garantissem que o Brasil nunca mais, por qualquer meio, se submeteria ao controle político de uma nação estrangeira. Era um ponto de inflexão extraordinário o que iria acontecer ali em breve, às margens daquele modesto riacho paulista. Estava prestes a ocorrer um salto gigantesco nos destinos do Brasil.

Pedro sabia que se voltasse a Portugal, tudo o que o seu pai, D. João VI, construíra no Brasil, durante o período de 1808-1821, estaria perdido. E não era pouco: o rei português transferiu para cá, após sua chegada, toda a estrutura administrava do governo português. De mera província portuguesa, o Brasil se transformou na sede do Império Lusitano. Foram estabelecidas aqui, por ordem de D. João, a Imprensa Régia, Banco do Brasil, diversos ministérios, faculdades, escolas militares. O que Portugal havia centralizado em seu território durante séculos, como numa passe de mágica, foi transplantado para o Brasil a partir de 1808. Assim, naqueles momentos em que estava com sua comitiva às margens do Ipiranga, um turbilhão de pensamentos deve ter passado pela mente de Pedro. O que fazer? Se resignar às exigências de Portugal e permitir que aquele sonho de nação independente se extinguisse?

Pedro sabia o quão pesarosa e sofrida fora a decisão de seu pai, D. João VI, em voltar à Portugal, atendendo às exigências daquelas Cortes, que agora queriam fazer o mesmo com o Príncipe. D. João VI, que amava profundamente o Brasil, só retornou para as terras lusitanas porque foi ameaçado de perder o seu trono, caso não o fizesse. D. João era querido e amado pelo povo brasileiro. Ele, que ficou conhecido posteriormente, nos livros escolares, em novelas e filmes, por ângulos desfavoráveis, pintados por seus inimigos, como um rei glutão, que só sabia encher os bolsos de sua casaca com coxinhas de galinha e que, por isso, vivia com as mãos engorduradas, estava muito longe de ser um rei abobalhado ou idiota. Na verdade, D. João era um gênio da política. Foi ele quem mais contribuiu para o nascimento do Brasil como país independente.

Durante vários anos, a Europa foi varrida pela tempestade chamada Napoleão Bonaparte. Os mais poderosos reinos e impérios europeus foram caindo, um a um, sob os golpes da terrível e pesada espada do brilhante general francês, que virou imperador. Só escaparam desse domínio a Inglaterra e Portugal. A Inglaterra era o Império mais poderoso do mundo. Estava separada do continente europeu pelo mar, que era sua defesa natural contra as numerosas tropas napoleônicas estacionadas do outro lado do Canal da Mancha. Os ingleses tinham a mais poderosa marinha de guerra. Estavam em perfeitas condições de se defender da França, mesmo que esta tivesse imensos exércitos. Mas Portugal era um país pequeno e estava no continente europeu, separado da França apenas pela Espanha. Para Napoleão, invadir a terra de Camões seria um passeio.

O reino português era aliado de longa data da Inglaterra, seu maior parceiro comercial juntamente com o Brasil. À medida que os exércitos de Napoleão iam derrubando, ou submetendo, reis e imperadores, Portugal ficou sob a mira de Napoleão. Este exigiu dos portugueses que aderissem, imediatamente, ao Bloqueio Continental que ele decretara contra a Inglaterra, para enfraquecê-la. O que Napoleão não conseguira por meios bélicos contra essa nação, tentou pela via do isolamento comercial. Praticamente toda a Europa foi proibida de fazer comércio com os ingleses. D. João ficou em um severo e complexo dilema: se aderisse ao Bloqueio de Napoleão, Portugal seria invadido pela Inglaterra. Se dissesse não a Napoleão, seria invadido pela França. Nesse tabuleiro de xadrez geopolítico, o rei português foi posto em complicado xeque, sob a ameaça direta de duas poderosas torres. Portugal, diminuto como era, não tinha como se defender de nenhuma daquelas duas grandes potências mundiais. Assim, D. João foi contemporizando. Ora dizia aos ingleses que estava fechado com eles e que ninguém ali largaria a mão de ninguém. Quando era pressionado por Napoleão, dizia o contrário: que era questão de tempo a adesão de Portugal ao Bloqueio Continental contra a Inglaterra. D. João era exímio na arte de tergiversar e de ganhar tempo. Chegou ao requinte de propor à Inglaterra, nos bastidores, que aceitasse um plano genial: Portugal simularia submissão à França, decretando guerra contra a Inglaterra. Guerra fictícia, claro. Os ingleses parecem não ter gostado muito da ideia.

Nesse meio tempo, a paciência de Napoleão com os portugueses já estava no limite. Deu prazos ao rei português para uma decisão final, que não foram cumpridos. Percebendo a argúcia de D. João, Napoleão perdeu as estribeiras de vez, combinou, literalmente, com os russos, e também com os espanhóis, a deposição de D. João e a partilha do reino português. Ordenou a invasão de Portugal pelas tropas do general Junot. Nessa altura, os serviços de inteligência britânicos alertaram aos portugueses que as tropas francesas já estavam tomando o caminho de Lisboa.

Os ingleses não deixaram os seus aliados portugueses abandonados. Ofereceram proteção a estes. Mas, por questões estratégicas, os governos de Portugal e da Inglaterra chegaram à conclusão de que a melhor solução seria a transferência da família real e da nobreza lusitanas para o Brasil. Esse plano geopolítico nem era tão recente. Estava sendo gestado antes mesmo de Napoleão surgir como o grande terror da Europa. Após sucessivas hesitações, pressionado por todos os lados e informado que o general Junot estava se aproximando, D. João resolve embarcar para o Brasil, com sua família e a nobreza.

Foi uma correria e um salve se quem puder. D. João mandou raspar os cofres do Tesouro português e levar tudo o que Portugal tinha de mais precioso, e de valor, para as terras brasileiras, incluindo os documentos do Arquivo Nacional e os livros da Real Biblioteca. Tudo foi empacotado e embarcado. Quando Junot chegou a Lisboa com suas tropas, só teve tempo de contemplar as silhuetas das embarcações portuguesas, protegidas por navios de guerra ingleses, rumando oceano adentro. Junot ficou, literalmente, a ver navios. Chegou tarde para por as mãos em D. João. Napoleão, que estava louco para depor e prender o rei português, por sua audácia em desafiá-lo, ao não aderir ao Bloqueio Continental, disse, tempos depois, a respeito do monarca lusitano: Esse foi o único que conseguiu me enganar!

Continua no próximo artigo.

Lívio Oliveira, para Vida Destra, 18/03/2.020.

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Lívio Luiz Soares de Oliveira. Economista, analista pesquisador, articulista do Vida Destra