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Há 200 anos, Louis Braille desenvolvia sistema de leitura e escrita para pessoas cegas

Imagem de capa: Pessoa escreve em braile usando a punção e a reglete.

 

Todos os anos, em 4 de janeiro, é comemorado o Dia Mundial do Braile [1] em memória ao nascimento de Louis Braille, que desenvolveu o sistema que, há 200 anos, possibilita a leitura, a escrita e, consequentemente, o acesso ao conhecimento e à independência pessoal e financeira para milhões de pessoas cegas em todo o mundo.

Muita gente pensa que a escrita braile é uma coisa ultrapassada, já que hoje existem inúmeros recursos como programas que leem as telas de computadores, os audiolivros, os gravadores, enfim, diversas tecnologias que facilitam o acesso de cegos às informações.

No entanto, a verdade é que o sistema braile ainda é indispensável, principalmente, porque é graças a ele que crianças que nascem cegas ou perdem a visão antes de serem alfabetizadas aprendem a ler e a escrever corretamente. Só por meio do braile as crianças cegas são ensinadas, por exemplo, que a palavra “casa” se escreve com a letra esse e não com .

Louis Braille nasceu em 4 de janeiro de 1809, na França. Aos três anos, feriu o olho esquerdo com uma ferramenta pontiaguda, provavelmente enquanto brincava na oficina de arreios e selas de seu pai. Numa época anterior aos antibióticos [2], a infecção causada pelo ferimento se alastrou para o outro olho e, desse modo, Louis ficou totalmente cego.

Como era muito inteligente e tinha enorme facilidade para aprender e memorizar o que ouvia, aos sete anos, Louis foi matriculado na escola local, onde foi considerado um ótimo aluno. Com 10 anos de idade, ganhou uma bolsa do Instituto Real de Jovens Cegos de Paris, cujo fundador, Valentin Haüy, havia criado um método para alfabetizar cegos que usava letras grandes em alto-relevo costuradas no papel grosso. Embora fosse considerado eficiente para ensinar as crianças cegas a ler, o método tornava o processo de leitura muito lento porque, para decifrar a palavra, era preciso reconhecer cada uma das letras enormes, contornando-as com os dedos. Além disso, o método não oferecia uma solução prática para que as crianças pudessem escrever e ler o  que elas mesmas escreviam, se é que conseguiam fazê-lo. 

 

Inspirado num sistema tátil de comunicação militar

 

As coisas começaram a mudar em 1821, quando Charles Barbier, capitão reformado da artilharia francesa, apresentou a Louis Braille, então com 12 anos, o sistema tátil de comunicação, chamado de “escrita noturna”. Esse sistema havia sido criado por encomenda de Napoleão, para que ordens e informações pudessem ser transmitidas, no escuro e em total silêncio, no campo de batalha. Considerado muito complicado para ser usado pelos soldados, Charles Barbier acreditava que o sistema baseado em 12 pontos em relevo dispostos num retângulo poderia ser útil às pessoas cegas.

Louis Braille não só aprendeu rapidamente a “escrita noturna” como também resolveu aperfeiçoar o sistema para torná-lo mais simples e eficiente. Em vez de 12 pontos, Braille propôs um retângulo com apenas seis pontos, sendo três pontos de altura por dois de largura, simplificando os sinais e tornando-os mais fáceis de serem percebidos só com a ponta dos dedos. Em seguida, Braille melhorou o seu próprio sistema, incluindo  números e, como ele adorava música, acrescentou também notas musicais. Dizem que o sistema é tão eficiente que ler e escrever música é até mais fácil para os cegos do que para os que enxergam. Posteriormente, vários termos matemáticos, científicos e químicos foram “traduzidos” para o braile, ampliando a oferta de conhecimento para os leitores cegos. O sistema é universal, pois as combinações de pontos mudam de significado de acordo com a língua e se adaptam a idiomas não latinos, como grego, chinês, hebraico, árabe e russo.

Em 1824, com apenas 15 anos, Louis Braille terminou seu sistema e, pouco tempo depois, começou a ensiná-lo no Instituto Real de Jovens Cegos de Paris. Em 1829, Braille publicou o  sistema que leva seu nome e que, exceto por algumas pequenas modificações, permanece basicamente o mesmo até hoje e é usado por milhões de  pessoas em todo o mundo.

Apesar de plenamente aceito pelos alunos, a diretoria do instituto relutou em adotar o novo sistema, o que só aconteceu oficialmente em 1854, dois anos depois da morte de Braille, em consequência da tuberculose, em 6 de janeiro de 1852, quando ele tinha apenas 43 anos.

Cem anos após sua morte, em 1952, os restos mortais de Louis Braille foram transferidos para o Panteão de Paris, onde estão ao lado de grandes vultos da história da França, como Victor Hugo, Émile Zola, Voltaire, Jean-Jacques Rousseau, Marie Curie e Alexandre Dumas, entre outros.

 

O três graus do sistema braile

 

O braile é escrito pelo avesso, da direita para esquerda, usando a punção, um tipo de furador, que perfura o papel com a ajuda da régua-guia, a  reglete. Virando o papel para ter acesso ao relevo produzido pelos furos, o braile é lido com a ponta dos dedos, da esquerda para a direita, com uma ou ambas as mãos. Cada célula braile permite 63 combinações de pontos.

Basicamente, há três tipos ou graus de braile. O grau um é o mais simples pois cada retângulo com uma combinação de pontos corresponde a uma letra, pontuação, número ou algum dos sinais específicos do sistema. Este é o grau mais fácil de aprender, pois há menos sinais para memorizar, mas também é o mais lento para ser transcrito e lido, e o produto final impresso é o mais volumoso.

O braile grau dois é uma forma mais abreviada do sistema. Cada uma das 26 combinações (feitas pelos 6 pontos) que representam as letras do alfabeto tem significados diferentes, dependendo se estão agrupadas formando uma palavra ou se aparecem sozinhas. Quando estão  junto com outras combinações, o sinal  representa apenas uma letra. Mas, se estiver isolado, aquela mesma combinação de pontos representa uma palavra abreviada. Por exemplo, o sinal para “n”, quando está isolado, representa a palavra “não”; “abx” representa “abaixo”; “abt”, absoluto; ag, alguém, e assim por diante. Essas abreviações e outras combinações que indicam os prefixos e sufixos mais usados diminuem bastante o tempo necessário para escrever e ler um texto em braile e também resulta num  volume menor de páginas impressas. Embora um pouco mais difícil de aprender, este é o grau mais usado do braile. Algumas pessoas têm tanta prática que conseguem ler até 200 palavras escritas em braile grau dois por minuto.

O braile grau três – no qual há muitas contrações e abreviaturas a serem memorizadas e cujas regras de uso são mais difíceis de aprender e lembrar —  é basicamente usado em anotações científicas ou em outras matérias muito técnicas. Portanto, o grau três não é usado com muita frequência.

 

O primeiro professor de braile no Brasil

 

No Brasil, o primeiro professor do braile foi o poeta José Álvares de Azevedo, que era cego de nascença. Aos 10 anos, foi enviado pela família para estudar na França e frequentou por seis anos o Instituto para Jovens Cegos de Paris, onde Braille estava desenvolvendo seu sistema.

Quando voltou ao Brasil, Álvares de Azevedo publicou artigos na imprensa, fez muitas palestras sobre o método que possibilitava às pessoas cegas estudar e começou a alfabetizar outros cegos pelo método braile, incluindo a filha do médico de Dom Pedro II.

A partir de um encontro com Alvares de Azevedo, o imperador determinou a criação do Imperial Instituto dos Meninos Cegos, hoje denominado Instituto Benjamin Constant. Tal qual Braille, Álvares de Azevedo também morreu de tuberculose, aos 20 anos, seis meses antes da inauguração do instituto, inaugurado em 17 de setembro de 1854. Ele é o patrono da educação dos cegos no Brasil.[3]

 

Notas:

[1] O nome de seu inventor, Louis Braille, é grafado com dois eles, mas o sistema que ele desenvolveu é escrito com um só ele.

[2] O inglês Alexander Fleming (1881-1955) descobriu acidentalmente  o primeiro antibiótico, a penicilina, em 1928.

[3] Leia mais neste link!

 

 

Lia Crespo, para Vida Destra, 17/01/2022.                                                              Sigam-me no Twitter, vamos debater o meu artigo! @liacrespo

 

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Lia Crespo é militante jurássica do movimento das pessoas deficientes, jornalista, com doutorado em História Social, com a tese "Da invisibilidade à construção da própria cidadania. Os obstáculos, as estratégias e as conquistas do movimento social das pessoas com deficiência no Brasil, através das histórias de vida de seus líderes" (FFLCH/USP), e mestrado em Ciências da Comunicação, com a dissertação “Informação e Deformação: A imagem das pessoas com deficiência na mídia impressa” (ECA/USP). Autora dos livros infantis “Júlia e seus amigos” e “Uma nova amiga”, que tratam de deficiência e da importância da amizade para uma sociedade inclusiva.