Em 9 de fevereiro de 2022, o Governo Federal emitiu a Portaria da Casa Civil no 667, que estabelece, entre as prioridades para o Congresso, a votação da proposição normativa da reforma tributária, PEC 110/2019, de autoria de diversos senadores, com relatoria do senador Roberto Rocha (PSDB-MA), que estabelece a reforma tributária para extinguir tributos e criar o Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS). Tal pauta está para ser apreciada, nesta quarta-feira, dia 23 de março de 2022, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Será que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) considerará, doravante, se as duas Casas Legislativas aprovarem em ano eleitoral, uma propaganda antecipada pró-Bolsonaro?
No que tange ao governo, existem dois projetos relativos à reforma tributária, o PL 2337/2021, que trata de avanços no Imposto de Renda (IR), e o PL 3887/2020, que cria a Contribuição sob Bens e Serviços, em substituição ao PIS/PASEP e à COFINS.
A PEC 110/2019 é toda calcada na PEC 293/2004, que estava pronta para ir ao Plenário, mas ficou no fundo da gaveta, em 10 de maio de 2019. Essa PEC, porém, também teve adaptações à PEC 45/2019, em trâmite na Câmara dos Deputados, que guarda muita semelhança com a presente proposta.
A PEC 110/2019 pretende simplificar os tributos que incidem sobre consumo e produção, ao criar o modelo dual do Imposto de Valor Agregado (IVA), sendo o Federal (a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que reuniria impostos arrecadados pela União, como Programa de Integração Social (PIS), PIS-Importação, Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e Cofins-Importação) e o Subnacional (o Imposto sobre Bens e serviços (IBS), que juntaria impostos arrecadados por Estados e Municípios, como Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias (ICMS) e Prestação de Serviços de Transporte interestadual e intermunicipal e comunicação), e Imposto sobre Serviços de qualquer natureza (ISS)), conforme notícias da Agência Senado, de 16 de março de 2022.
Além do modelo dual do Imposto de Valor Agregado, está prevista a criação de imposto seletivo (I), que substituirá o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), na base de partilha entre Estados e Municípios, com característica predominantemente extrafiscal, visando desestimular o consumo de certos bens e serviços, como bebidas e derivados de tabaco. Coitadinho de nós, que gostamos de uma boa cerveja!
Quanto ao primeiro IVA, o ministro da Economia, Paulo Guedes, enfatiza a importância da CBS que, ao substituir o PIS e a Cofins, traria maior simplicidade ao atual sistema tributário, cuja legislação tem mais de 2 mil páginas, com regimes diferenciados por setor, além da incidência sobre folha de pagamento, receita e importação. A unificação acabaria com a cumulatividade, conforme notícia da Gazeta do Povo, de 12 de fevereiro de 2022.
Rita de La Feria, da Universidade de Leeds, no Reino Unido, ressaltou a superioridade do IVA para tributação do consumo e apresentou as melhores práticas internacionais, destacando, inclusive, ser o IVA o tributo mais eficaz para tributação da economia digital, conforme exposição de motivos do substitutivo do senador Roberto Rocha.
Continuando na exposição de motivos do substitutivo, o Banco Mundial traz levantamento de 2018, o qual mostra que o Brasil é o país que mais exige horas para atendimento de exigências tributárias, com 1.501 horas, ante uma média de 234 horas nos 190 países pesquisados. Nosso regime tributário é visto como uma das principais causas para o nosso péssimo desempenho em rankings de competência, como a 124a colocação na pesquisa Doing Business, de 2020, do Banco Mundial. Acrescento, ainda, que se tornou condição sine qua non para o ingresso do Brasil na OCDE.
As principais características do IBS, constantes da proposta do novo artigo 156-A da Constituição Federal (CF), são relacionadas abaixo:
- i) incidirá sobre operações com bens materiais ou imateriais, compreendidos os direitos, e sobre prestações de serviços, bem como sobre as importações;
- ii) não incidirá sobre as exportações, sendo assegurada a manutenção e o aproveitamento dos créditos relativos às operações e prestações anteriores;
iii) terá legislação única aplicável em todo o território nacional, ressalvada a autonomia de cada ente federativo para fixar a sua própria alíquota. A alíquota do IBS poderá, portanto, variar entre federativos, mas será uniforme para todas as operações com bens e prestação de serviços, ressalvadas as exceções previstas em lei complementar;
- iv) terá como alíquota aplicável a cada operação ou prestação o resultante da soma das alíquotas do Estado ou do Distrito Federal com a alíquota do município, sempre considerando o local de destino da operação ou prestação;
- v) será não cumulativo, compensando-se integralmente o que for devido em cada operação ou prestação com o montante devido nas operações e prestações anteriores, exceto no caso de bens e serviços destinados a consumo de pessoa física, nos casos previstos em lei complementar ou em casos em que a operação subsequente não esteja sujeita à incidência ou seja imune ou isenta;
- iv) não integrará sua própria base de cálculo, ou seja, será calculado “por fora” e não “por dentro”, aumentando a transparência das operações. Tampouco integrará a base da CBS;
vii) não será objeto de concessão de isenções, incentivos ou benefícios tributários e financeiros, excetuadas as hipóteses que serão previstas em lei complementar;
viii) será apurado por estabelecimento e recolhido de forma centralizada nacionalmente.
A PEC 110/2019 permite diferenciação de alíquotas do IBS entre bens e serviços, mais homogeneidade entre os entes da Federação, mas limitando os regimes especiais, ou seja, que resultem em menor incidência de imposto, relativamente ao regime normal. Em particular, o regime especial aplicado a pequenas e microempresas (Simples) é mantido. Tais setores beneficiados serão definidos em lei complementar.
A PEC 110/2021 terá que se adaptar às mudanças efetuadas com a sanção da Lei Complementar 192/22, em relação à incidência por única vez do ICMS sobre combustíveis, inclusive importados, com base em alíquota fixa por volume comercializado, bem como a isenção do PIS e da Cofins sobre o diesel, biodiesel, gás de cozinha e querosene de aviação, até o final de 20202, conforme notícia da Gazeta do Povo, de 10 de março de 2022. Existia previsão de regulamentação em lei complementar.
Lei complementar regulará a devolução do IBS para as famílias mais pobres, conferindo assim um tratamento que vai ao encontro das melhores práticas de equidade, de forma a assegurar uma política redistributiva.
A principal característica dos tributos seriam a base ampla, não cumulatividade plena, não incidência sobre as exportações e princípio do destino — permitirá eliminar a guerra fiscal, possibilitando que o imposto deixe de pertencer ao local onde ocorre a produção, passando a ser devido no local de destino da operação com bem ou da prestação de serviço, deixando de tributar a produção para tributar efetivamente o consumo.
Entendo inicialmente que essa guerra fiscal não será suprimida, uma vez que a diferenciação de alíquotas entre Estados e passando a tributar a operação no final, isso tem uma tendência de elevar a alíquota no Estado consumidor.
Depois de 28 emendas, o substitutivo do senador Roberto Rocha apresentou mudanças no sistema tributário, que resultam em modificações na participação dos entes federados, não necessariamente representando reformulação do pacto federativo, ou seja, não deverá alterar a participação das receitas da União, do conjunto dos Estados e do Distrito Federal e do conjunto de municípios e do Distrito Federal sobre o total arrecadado.
Entre os 12 estados brasileiros com menor renda per capita, 11 aumentam sua participação e apenas um tem uma pequena redução. Entre os quase 2.700 municípios com menor PIB per capita, 2.668 aumentam sua participação no bolo tributário, e apenas 26 reduzem.
O período de transição da PEC 110 é mais curto, de 7 anos para a implementação do IBS e de 20 anos para a transição na distribuição de receitas entre Estados e Municípios (até alcançar a distribuição integral com base na regra de destino).
As principais características do CBS, constantes da proposta do novo inciso V do artigo 195 da CF, que será regulada por lei ordinária, são relacionadas abaixo:
- i) incidirá sobre operações com bens materiais ou imateriais, compreendidos os direitos, e prestações de serviços, bem como sobre importações desses mesmos bens, direitos e serviços;
- ii) não incidirá sobre as exportações, assegurada a manutenção e o aproveitamento dos créditos relativos às operações e prestações anteriores;
iii) será não cumulativa, garantindo-se a recuperação integral dos créditos, nos casos previstos na Constituição, como na destinação do bem para uso ou consumo de pessoa física, nos casos previstos em lei, ou quando a operação subsequente for isenta ou imune;
- iv) a lei poderá instituir regimes diferenciados de tributação em que a contribuição poderá incidir sobre a receita bruta auferida em determinado período de apuração, bem como vedar a apropriação e a transferência de créditos da contribuição em relação a instituições financeiras, serviços de crédito, câmbio e seguro, e serviços de planos de assistência à saúde;
- v) assim como no caso do IBS, a lei poderá estabelecer, como regra geral ou para hipóteses específicas, que o aproveitamento dos créditos ficará condicionado ao recolhimento da contribuição devida na etapa anterior, assegurada ao adquirente, neste caso, a opção de efetuar o recolhimento do imposto incidente nas suas aquisições de bens ou serviços; e a exigência de recolhimento parcial ou total da contribuição no momento da liquidação financeira ou pagamento da operação ou prestação;
- vi) será possível a cobrança em uma única etapa, conforme definição em lei;
vii) a arrecadação da CBS terá as mesmas destinações atuais dos impostos a serem substituídos, quais sejam, financiar a seguridade social e os programas previstos no art. 239 da Constituição, como o seguro desemprego, o abono salarial e os repasses para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES);
viii) mantendo o objetivo desta reforma, de não aumentar a carga tributária, as alíquotas da CBS serão fixadas de forma a manter a arrecadação dos tributos que irá substituir pelo período de 2 anos;
- ix) a transição deverá ser mais rápida, com a extinção da Confins, da Cofins-Importação, do PIS e do PIS-Importação ocorrendo quando do início da produção dos efeitos da lei que instituir a CBS;
- x) não integrará a sua própria base de cálculo e nem a do IBS. Dessa forma, a CBS será calculada ‘’por fora’’ e não ‘’por dentro’’, garantindo maior transparência.
Quanto à CBS, como sua natureza jurídica é uma contribuição social, só gostaria de alertar, com base em aulas de professor de Direito Tributário que tive na faculdade, que, nos governos do PT, através das Emendas Constitucionais nº 42, 68 e 93, ocorreram desvinculações que chegaram a até 30% da arrecadação das contribuições sociais, transformando a natureza jurídica de contribuições sociais em impostos, o que configura uma tremenda inconstitucionalidade, pois implicaram em uma destinação diferente dos fins constitucionalmente previstos.
O relator ressaltou também a criação do Fundo de Desenvolvimento Regional, que será instituído por lei complementar, a ser financiado exclusivamente com recursos do IBS Subnacional, que será variável em função do aumento real da arrecadação, não podendo exceder 5%. No entanto, tanto o senador Carlos Fávaro (PSD-MT) quanto a senadora Simone Tebet expuseram a preocupação com os estados exportadores de commodities, pois não estão claras, como ficarão as compensações pela desoneração da Lei Kandir — esta lei isenta do ICMS as exportações de produtos primários e semielaborados, ou seja, não industrializados. Segundo o senador, devem estar transparentes as compensações da União para Estados e Municípios que geram o superávit da Balança Comercial Brasileira.
Quanto ao tratamento tributário diferenciado para operações feitas por cooperativas, objeto de emenda individual do senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), que foi rejeitada pelo relator Roberto Rocha, isso gerou muitas manifestações contrárias na Comissão. De acordo com o relator, não é possível colocar tudo na Constituição, será necessário disciplinar certos assuntos através de lei complementar.
Além das mudanças nos tributos sobre bens e serviços, a reforma tributária contempla outros temas, que passo a discorrer:
- I) consiste na definição de que a concessão de incentivos regionais considerará critérios de conservação do meio ambiente;
- II) consiste na definição de que o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD [imposto sobre herança]) será progressivo;
III) ampliação do escopo da incidência do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), de forma a alcançar não apenas veículos terrestres, mas também veículos aquáticos e aéreos;
- IV) Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), definindo que este terá sua base de cálculo atualizada ao menos uma vez a cada 4 anos (por lei ou por decreto municipal), observados os critérios gerais estabelecidos em lei municipal, cujo limite será o valor de mercado do imóvel;
- V) introdução de um novo parágrafo no art. 167 da CF, impedindo a criação de despesa heterônoma, ou seja, a criação por um ente da federação de despesa heterônoma, isto é, a criação por um ente da federação de despesas para outros entes da federação, sem a previsão de fonte orçamentária e financeira ou sem a correspondente transferência de recursos.
Quanto a estas mudanças, o ITCMD já é um imposto real que incide sobre o valor venal dos bens ou direitos, qual a necessidade de ser progressivo? No meu entendimento, o IPVA já é uma ficção jurídica e em relação ao IPTU, aqui em Brasília, a base de cálculo já é atualizada anualmente porque é através da aerofotogrametria que se faz a correção da área construída do imóvel.
Agora seria necessário avançar com uma nova proposta do governo do PL 2337/2021, que altere regras do Imposto de Renda, já que a Câmara dos Deputados alterou totalmente o projeto, prevendo aumento da faixa de isenção do IRPF, dos atuais R$ 1.903,98 para R$ 2,5 mil, redução de 7 pontas na alíquota do IRPJ e redução de 1 ponta na Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, condicionada à revogação de benefícios fiscais, conforme notícia da Gazeta do Povo, de 12 de fevereiro de 2022.
Tal projeto ainda previa a volta da tributação sobre lucros e dividendos, isentos desde 1996. A alíquota ficaria em torno de 15%, extinguiria os Juros sobre o Capital Próprio (JC) para empresa e alterava alíquotas de ganhos com renda fixa e variável, além de prazos para apuração de ganhos na Bolsa de Valores. Todavia, o PL chegou em setembro de 2021 no Senado e parou.
Independentemente de Bolsonaro entender que, neste ano, a reforma tributária não andará, conforme entrevista para a rádio Jovem Pan em 21 de março de 2022, concluo dizendo que, já que não são aprovadas outras pautas importantes no Senado, a reforma tributária sobre o consumo de bens e serviços é uma das agendas mais importantes para o Brasil, principalmente para a geração de mais empregos e crescimento do país, possibilitando que o Brasil adote boas práticas internacionais e ingresse, finalmente, na OCDE.
Luiz Antônio Santa Ritta, para Vida Destra, 23/03/2022.
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