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Lobby, uma atividade regulamentada que não beneficia o bem comum e a sociedade

A Câmara dos Deputados aprovou o PL 1202/2007, de autoria do Deputado Federal Carlos Zaranttini (PT-SP), na forma do substitutivo do Deputado Federal Lafayette de Andrada (Republicanos–MG), que trata da regulamentação das atividades de lobby junto aos agentes públicos dos três poderes, conforme notícia da Gazeta do Povo, de 29.11.2022. Agora o Projeto de Lei segue para o Senado Federal para ser revisto, em um só turno de discussão e votação, conforme artigo 65 da Constituição Federal.

A priori, é necessário trazer a definição constante do dicionário Aurélio Buarque de Holanda do que significa a atividade “lobby”: “pessoa ou grupo que, nas antessalas do Congresso, procura influenciar os representantes do povo no sentido de fazê-los votar segundo os próprios interesses ou de grupos que representam”.

De igual modo, Dion León, no livro “Los grupos y el poder político en Los Estados Unidos, México“, Grijalbo, 1967, explicou que o termo lobby apareceu antes do conceito de pressure groups, fazendo referencia, durante muito tempo, aos corredores da Câmara Baixa da Grã-Bretanha. Posteriormente, passou a aplicar-se às conversações realizadas nos corredores e, por volta de 1830, se estendeu ao conjunto de grupos que pretendiam influenciar os parlamentares.

O projeto original do Deputado Federal Carlos Zaranttini buscava disciplinar a atividade de “lobby” e a atuação dos grupos de pressão (grifo nosso) ou de interesse assemelhados no âmbito dos órgãos e entidades da Administração Pública Federal.

Já a emenda substitutiva do PL 1202/2007 traz a atividade como sendo a representação de interesse (grifo meu) a ser exercido por pessoa natural ou pessoa jurídica por meio de interação presencial ou telepresencial com agente público, dentro ou fora de local de trabalho, com ou sem agendamento prévio. O agente público poderá ser tanto aquele que exerce mandato quanto aquele que exerce cargo, função ou emprego públicos, seja por nomeação, contratação ou qualquer meio, mesmo transitório ou sem remuneração.

Importante destacar que, segundo o artigo, disponível na Internet, publicado na Revista Brasileira de Comunicação Organizacional e Relações Públicas – ORGANICOM, ano 8,  no   14, 2011, com o título “Novos Cenários de Participação Política: Análises de Estratégias de Comunicação de Grupos de Pressão”, de autoria de Antonio Castillo Esparcia: “em qualquer organização social, grupos de pressão aparecem como um elemento indissociável da estrutura política (grifo meu), como uma representação no processo, longo e complexo, da formação de decisões, tanto integrando as demandas quanto definindo a hierarquia, a ordem das propostas ou solicitações que provavelmente serão abordados na discussão política”.

Continua, Esparcia, quando essas ações se desenvolvem, de forma endógena (ad intra) se referem ao termo grupo de interesse. Já as atuações exógenas do grupo que visem ao sistema político, recebem usualmente o termo grupo de pressão. De forma que entendo que a modificação legislativa para grupo de interesse, não se coaduna com a definição sociológica prevista no estudo.

Voltando à emenda substitutiva do PL 1202/2022, a representação de interesses será assegurada, de modo a efetivar as garantias constitucionais, à transparência e acesso a informações previstas no inciso XXXIII do artigo 5o, no inciso II do § 3o do artigo 37 e no do § 2do artigo 216 da Constituição Federal, abaixo descritos:

XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;

  • 3o A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente:

II – o acesso dos usuários a registros administrativos e informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5o., X e XXXIII;

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referencia à identidade, à ação, `memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira.

  • 2o Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem

 

Isto nada mais são do que dispositivos constitucionais já previstas na Lei de Acesso à Informação — Lei 12.527/2021, que garantem o acesso de qualquer pessoa ou grupo à informação junto à Administração Pública, portanto nada se diferencia para o “lobby”.

No livro “lobby e políticas Públicas”, de Warlon Pralon Mancuso e Andréa Cristina Gozetto, assustei-me com uma suposição, uma dedução e um objetivo do livro citado pelo prefaciador Paulo Nassar — Diretor Presidente da Aberje (Associação Brasileira de Comunicação Empresarial) e Professor Titular  da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) de que: o objetivo principal do livro é a demarcação das fronteiras entre os interesses sociais organizados e as políticas públicas que, por definição, deveriam convergir para o bem comum e para a organização harmoniosa do espaço público.

A suposição decorre de que nunca convergirão para o bem comum frente a existência de bancadas no Parlamento brasileiro, nitidamente voltadas para apoio dos próprios  interesses, como a evangélica, ruralista, armamentista, abortista e tantas outras, enxergando apenas o seu “próprio umbigo”. Agora, oficializam a regulamentação para grupos de interesses principalmente em áreas em que haverá interferência no processo legislativo, onde o Presidente da Casa já dita a pauta a ser analisada, segundo um trâmite de um número de sessões legislativas, exceto quando é requerida urgência, conforme previsão regimental em ambas as Casas. De igual maneira, na Administração Pública,  irão atropelar o processo, nunca para o bem da sociedade.

Uma dedução de Paulo Nassar é de que o livro defende a tese progressista de que: “o lobby no Brasil avança à medida que as liberdades públicas avançam”. Parece até uma heresia porque, quando foi proposto o projeto de lei de iniciativa popular com as “10 Medidas Contra a Corrupção”, conforme §2o do art. 61 da CF, sinal de avanço, não houve nenhuma Associação ou lobista defendendo tal proposta, fato que nossas liberdades públicas regrediram, fazendo com que parlamentares fizessem um colcha de retalhos do  projeto original.

O livro objetiva, segundo Paulo Nassar,  “a desconstrução da rotineira demonização do lobby e dos lobistas. A verdadeira força do lobby profissional não é o dinheiro e sim a capacidade de influenciar decisões de maneira legítima e transparente, ou de defender argumentos que inspirem confiança”.

De imediato, considero que é uma “ladainha” dizer que a força do lobby não é o dinheiro, porque existem grupos oligarcas, como JBS, Grupo Eleva, etc., em que a palavra-chave do “lobby” é o interesse que a pessoa física ou jurídica tenha com o objetivo único e exclusivo de obter “lucro” junto à Administração Pública, porque historicamente, o termo lobista tem tido um sentido negativo, em razão da imagem, certamente simplista, de uma pessoa que causa intrigas e atua na sombra, tentando alcançar seus objetivos por meio de chantagem, suborno ou corrupção.

Isto foi fruto durante muitas décadas, da Capital da República ser conhecida pela oferta aos parlamentares de lautos jantares regados a whisky de 12 anos, por lobistas, no antigo “Piantella”, do proeminente sócio Kakay, aquele que utiliza bermudas no STF, e também da entrega de “cestas” de Natal recheadas aos Deputados e Senadores, bem como quem tenha o poder da caneta na Administração Pública. Não é ético, nem moral para a população.

Não vejo o Brasil preparado para lidar, independente de existir experiência internacional, notadamente nos EUA, Inglaterra, França e México em anos recentes, com o “lobby” no Parlamento e mesmo com a OCDE tendo envidado esforços para que mais países regulamentem a atividade de representação de interesses por meio de medidas que:

  • proporcionem o acesso e condições isonômicas para participação de todos os interessados nas políticas públicas;
  • promovam a transparência nas relações entre agentes públicos e privados; e,
  • estimulem a cultura da integridade nas relações entre agentes públicos e privados

Não vejo transparência nas relações entre o setor privado e o setor público, como pretende o Deputado Carlos Zarattini, uma vez que o próprio Congresso não é transparente nos seus posicionamentos, principalmente o Centrão, que quer aprovar agora uma PEC do ROMBO, andando na contramão do que fez nos últimos 4 anos. Quem vai fiscalizar os lobistas por atos ilícitos?

Concluo dizendo que o Brasil não está preparado para o lobby, como é feito na Câmara dos Lordes na Inglaterra ou no Congresso Americano, e é o cúmulo do absurdo o PL 1202/2007 oficializar os brindes e hospitalidade legítimos recebidos pelos agentes públicos dos lobistas. Por que os parlamentares não se preocupam em regulamentar a profissão de cuidador de idosos, que até hoje os enquadram na profissão de empregado doméstico? É muita falta do que fazer!

 

 

Luiz Antônio Santa Ritta, para Vida Destra, 07/12/2022.
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Economista, advogado e bancário (aposentado)