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STF COMEÇOU A ANALISAR A UTILIZAÇÃO DA TR COMO INDEXADOR INFLACIONÁRIO DAS CONTAS DO FGTS

Começou, no dia 20 de abril de 2023, o julgamento pelo STF da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 5094, ajuizada pelo Partido Solidariedade em 2014, que questiona a aplicação da Taxa Referencial (TR) como correção monetária dos saldos das contas vinculadas ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). O partido político diz que, há muitos anos, a TR não retrata as perdas inflacionárias, mas não indica qual indexador idôneo deve substituir a TR: se o IPCA-E – Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial (balizador das metas do BACEN) ou se o INPC – Índice Nacional de Preços ao Consumidor (base de referência das discussões salariais).

Caso a Corte altere o indexador para o INPC ou IPCA-E, isto provavelmente causará um impacto nos cofres da União, segundo nova estimativa da Advocacia Geral da União, da ordem de R$ 661 bilhões, a depender da eventual “modulação dos efeitos da decisão” — significa a possibilidade de se restringir a eficácia temporal às decisões do Supremo, de modo a terem efeito para o futuro ou retroagir apenas até o ajuizamento da ação —, conforme notícia da Gazeta do Povo, de 19 de abril de 2022. Creio que esta excepcionalidade não está prevista no arcabouço fiscal.

Já votaram os ministros Luís Roberto Barroso (relator) e André Mendonça, que consideraram que o conjunto da remuneração do FGTS deve ser no mínimo igual ao da Poupança. O julgamento retornará na próxima quinta-feira, dia 27 de abril.

Inicialmente, é necessário trazer que o FGTS foi instituído pela Lei 5.107/65, que obriga as empresas sujeitas à CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) a depositarem, em conta bancária vinculada à Caixa Econômica Federal, o percentual de 8% da remuneração paga ou devida no mês anterior, a cada empregador, optante ou não do Fundo.

Com a Constituição Federal, o FGTS foi incluído como um Direito Social dos trabalhadores, conforme inciso III do artigo 7, abaixo relacionado:

 

Art. 7 – São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

III – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.

 

De acordo com o artigo 11 da Lei 5.107/65, os recursos serão aplicados com correção monetária e juros, de modo a assegurar as suas obrigações. Quanto à capitalização dos juros, a lei estabeleceu a taxa de 3% a.a.

Através da Lei 8.177/90, que estabelecia regras para desindexação da economia, o parâmetro fixado para atualização monetária dos depósitos passou a ser a Taxa Referencial (TR), conforme artigo 17. No entanto, a partir da Resolução BACEN 1.805/91, o Banco Central do Brasil passou a utilizar um redutor no cálculo da TR, fato não previsto na lei mencionada, reduzindo sobremaneira a perda do poder aquisitivo de um direito social do trabalhador.

Posteriormente, por outro método de cálculo definido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), através da Resolução BACEN 3.354, de 31 de março de 2005, houve um descompasso na utilização da TR como meio de retratar os índices oficiais de inflação, fazendo com que a recomposição monetária ficasse próxima a ZERO, situação que foi objeto de análise pelo STF em três casos, a ponto de a Corte declarar o uso da TR como inconstitucional para dívidas administrativas, precatórios (dívidas do governo com empresas ou pessoas, reconhecidas pela Justiça) e pendências trabalhistas, conforme notícia da Gazeta do Povo de 19 de abril de 2023.

Instada a se manifestar a AGU (Advocacia Geral da União) defendeu no STF a extinção da ação que questiona o uso da TR como correção das contas do FGTS, justificando-se a partir de três argumentos: 1) a TR tem como parâmetro as expectativas dos agentes quanto à elevação futura das taxas de juros, contrapondo-se à ideia de correção monetária com base em inflação passada; 2) adoção da TR não viola os direitos constitucionais de propriedade e do FGTS; e 3) as leis 13.446/2017 e 13.932/2019 estabeleceram a distribuição de lucros para os cotistas; conforme notícias de Migalhas Quentes, de 20 de abril de 2023.

É uma balela que a TR tenha como parâmetro as expectativas dos agentes para a taxa de juros, se o indicador representava o custo primário das captações de depósitos a prazo, conforme Resolução BACEN 2.437/97; e, além disso decorre diretamente do núcleo essencial do direito de propriedade (CF, art. 5º, inciso XXII), uma vez que se corrigem os valores nominais para que permaneçam o mesmo valor econômico ao longo do tempo diante da inflação. Já as Leis supracitadas não retiraram a TR, apenas complementaram como uma situação que pode ocorrer ou não.

Já o PGR, Rodrigo Janot, em parecer à época, entendeu que é direito fundamental protegido referente à indenização por tempo de serviço — de natureza trabalhista —, não ao fundo em si: “Trabalhadores titulares das contas do FGTS contam com essa proteção no caso de certos imprevistos, notadamente a despedida sem justa causa”.

O PGR equivoca-se barbaramente, a partir do momento que não é considerada a atualização monetária dos fundos, para futuro resgate, por conta de eventual despedida sem justa causa. E além disto, o PGR nunca imaginaria que o Presidente da República pudesse revogar um decreto, suspendendo a participação do Brasil na Convenção da OIT, barrando as despedidas sem justa causa, fato que inviabilizaria o recebimento dos 40% da indenização do FGTS.

Também se manifestaram no processo a Caixa Econômica Federal, gestora do FGTS, e a Defensoria Pública da União (DPU), considerando a prejudicialidade da ação.

Bom lembrar, que em abril de 2018, o STJ, em julgamento de recurso especial repetitivo, estabeleceu a tese de que “a remuneração das contas vinculadas ao FGTS tem disciplina própria, ditada por lei, que estabelece a TR como forma de atualização monetária, sendo vedado, portanto, ao Poder Judiciário suspender o mencionado índice”.

Diante da celeuma do tema e da decisão do STJ, em setembro de 2019, o relator ministro Barroso deferiu cautelar e suspendeu a tramitação nacional de processos que tratam da utilização da TR para correção do FGTS, como meio de evitar que se esgotassem as possibilidades de recursos com trânsito em julgado, em outras instâncias, após o julgamento da matéria pelo STJ.

Lembro-me que, quando fazia estágio supervisionado do UNICEUB na Seção Judiciária do DF do TRF1, em 2016, fiz um recurso inominado em defesa de um cliente, defendendo a aplicação do INPC, em vez da TR, em virtude do salário mínimo ser corrigido pelo INPC, mas atualmente penso diferente, melhor seria a aplicação do IPCA-E, por ser base da meta do BACEN para a inflação. Pior, a Turma Recursal indeferiu, fato que a decisão de Barroso de suspensão deveria ter protraído até o início da ação do Partido Solidariedade, porque,  segundo o IFGT (Instituto Fundo de Garantia do Trabalhador), existem pelo menos 200 mil ações contestando a aplicação da TR na Justiça.

No voto de Barroso, ele entende que é um patrimônio do trabalhador e não um patrimônio público para financiar políticas de habitação, saneamento básico e infraestrutura. Portanto, para que não haja locupletamento ilícito, a CEF deveria garantir, segundo as regras de mercado, quanto menor a liquidez, maior a remuneração, conforme notícias do CONJUR de 20 de abril de 2023.

Difícil garantir esta menor liquidez, porque cada vez mais o Executivo inventa uma maneira de incluir um meio de movimentar as contas do FGTS previstas no artigo 20 da Lei 8.036/90.

Barroso e André Mendonça defenderam a aplicação de, no mínimo, o índice da Poupança. Quanto à modulação dos efeitos da decisão, Barroso entende que a mudança deve ser aplicada a partir do julgamento do STF, ficando as perdas passadas para negociação com o Executivo ou serem resolvidas pelo Legislativo.

Também o ministro Barroso disse que a Constituição não prevê a correção monetária como um direito subjetivo, mas como assegurar apenas a taxa de juros como a Poupança, desconsiderando a recomposição monetária. Inclusive, o FGTS é previsto constitucionalmente e a Lei 5.107/65 de instituição previu correção monetária de suas obrigações.

Finalmente, acredito que o STF alonga muito suas decisões, fazendo com que, em situações já resolvidas há muito tempo, alguém ‘pague o pato’, como no caso da coisa julgada em matéria tributária e, agora, a mudança do indexador da TR na correção dos saldos do FGTS. Assim, é justa a atualização dos saldos do FGTS dos trabalhadores celetistas, a depender da modulação dos efeitos, mas quem vai arcar com esta dívida não é o Erário e, sim, o povo.

 

 

Luiz Antônio Santa Ritta, para Vida Destra, 26/04/2023.
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Michel Krukoski
Michel Krukoski
1 ano atrás

Mais um EXCELENTE artigo, ao qual tenho o privilégio de ler…

Economista, advogado e bancário (aposentado)