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Penitenciárias são um mal necessário, mas é possível melhorar

O Supremo Tribunal Federal decidiu, no julgamento da ADPF 347, em 04 de outubro de 2022, que há uma violação massiva de direitos fundamentais, determinando que o governo federal elabore um plano de intervenção para reduzir a superlotação nos presídios, o número de presos provisórios e a permanência em regime mais severo ou tempo superior ao da pena, conforme notícia do PORTALSTF, de 04 de outubro de 2023.

“Macacos me mordam”, mas isto é uma tarefa hercúlea para o Executivo, a exemplo de outro ativismo judicial que determinou à União a apresentação de plano, no prazo de 120 dias, para as pessoas em condições de rua, com base na ADPF 976 ajuizada pelo Partido Solidariedade. Tudo no “mote” do estado de coisas inconstitucional, conceito desenvolvido pela Corte Constitucional colombiana, que reconheceu a existência deste estado diante de quadros de violação massiva e generalizada de direitos e garantias fundamentais, por ação e omissão de diversos órgãos públicos responsáveis por sua tutela, conforme artigo para CONJUR, em 30 de julho de 2022.

A partir daí, em função das falhas estruturais e da falência de políticas públicas, o ministro Marco Aurélio decidiu, em 27 de agosto de 2015, cautelarmente, pela necessidade de observância obrigatória de Audiências de Custódia e pelo imediato descontingenciamento das verbas existentes no Fundo Penitenciário Nacional (Funpen).

Em minha opinião, a implantação das Audiências de Custódia no Brasil – através da internalização das garantias previstas no artigo 8 do Pacto de São José da Costa Rica, e posteriormente com a Lei 13.864/2019, alterando o artigo 310 do CPP, para permitir audiências para todos os tipos de prisões – foi um “tiro no pé”, ao assegurar o garantismo penal em vez do direito penal máximo.

No frigir dos ovos, isto não serviu para os 1.200 patriotas, em que o Juiz da Audiência de Custódia não tinha o poder da caneta na mão para decidir e liberar presos, numa interferência direta do ministro Alexandre de Moraes. Um determinismo que os jogou em penitenciárias, como a Papuda e a Colmeia, ao arrepio da Lei de Execuções Penais (7.210/84), que determina no §1° do artigo 82: “a mulher e o maior de 60 anos, separadamente, serão recolhidos a estabelecimento próprio e adequado à sua condição de pessoa”.  Penitenciária não é lugar para pessoas sem antecedentes criminais.  Afora que o STF não é o Juiz Natural destes milhares de brasileiros que não possuem foro privilegiado.

Sem contar que o CNJ, desde 2008, já soltou 45.000 presos do regime fechado, e faz um novo afogadilho de mutirão de processo penal e determina a soltura de 21.866 presos, em revisão de processos dos critérios, fato que deve se tornar frequente com o estado de coisas inconstitucional, conforme notícia da Gazeta do Povo, de 04 de outubro de 2023.

Quanto ao outro tema, que será o principal abordado neste artigo, o FUNPEN, existe o PLP 476/2018, já aprovado no Senado Federal, mas em trâmite na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, que acrescenta o §8º ao art. 3º da Lei Complementar nº 79, de 7 de janeiro de 1994, para vedar que os recursos do Funpen constituam reservas de contingência.

Neste ponto, entendo que seja o cerne da questão, em que o governo federal não pode ficar contingenciando recursos do Funpen, que seriam repassados para os Estados, dado que o inciso I do art. 3 da LC 79/1994 prevê que os recursos sejam aplicados em construção, reforma, ampliação e aprimoramento de estabelecimentos penais. Mas imbuído no lema de que investir em presídio e em penitenciária não dá voto, o governo continua trancando os recursos.

Importante destacar que, no RE 580.252-MS, com repercussão geral, os ministros não entenderam no acórdão, em 11 de setembro de 2017, que a alegação do AGU de invocação do princípio da reserva do possível é possível, sob pena de o Estado utilizar-se deste argumento para afastar sua responsabilidade. Tratava-se de a construção de unidades prisionais encontrar óbice no princípio da reserva do possível — consiste na realização dos direitos sociais condicionados à disponibilidade de recursos orçamentários, sob pena de, ao dar enforque a apenas um destes direitos, inviabilizando a prestação de outros —, pois os direitos de segunda geração, que impõem ao Poder Público a implementação de políticas públicas para que os presos possam usufruir de uma prisão digna, são sempre onerosos e dependem de disponibilidade financeira do Estado.

Assim, gostaria de esmerar-me no exemplo da Penitenciária de Ribeirão das Neves (MG), uma parceria público-privada entre o governo de MG e a empresa GPA, diante de que o Levantamento Nacional de Informações Penitenciários, promovido pelo DEPEN, do Ministério da Justiça, a população carcerária do Brasil aumentou de 514.600 presos, em 2020, para 832.295 presos, em 2022, computados 150 mil em regime de prisão domiciliar. O que torna uma solução para as atuais masmorras, que existem atualmente em 3.200 presídios públicos, frente a 32 parcerias público-privadas.

Este número de presos não cresceu mais diante da pandemia e das diversas decisões judiciais que culminaram com a soltura de presos, a exemplo do traficante André do Rap e, agora, mais uma decisão estapafúrdia do CNJ, que coloca malucos na rua, que foi objeto de artigo de minha autoria para o Vida Destra, que você encontra aqui.

Na parceria público-privada do governo de MG com a empresa GPA, esta arca com a despesa da obra, e o investimento é amortizado ao longo dos 30 anos de contrato, por meio da remuneração paga mensalmente, por preso, que sai por R$ 3,8 mil para o Estado, enquanto o custo efetivo para a empresa é de R$ 1,9 mil. A diferença é que a estrutura construída ficará como propriedade pública, conforme notícia da Gazeta do Povo, de 14 de junho de 2019.

Importante salientar que a prisão pública custa, em média, R$ 2,8 mil por preso, enquanto a da iniciativa privada em torno de R$ 4 mil, mas não é levado em conta, no primeiro cálculo, o gasto previdenciário com servidores públicos, bem como a remição de pena, como trabalho e educação no segundo caso, que faria diminuir o tempo de prisão.

A abertura e o fechamento das celas é feito por sistema eletrônico, controlado por uma “torre de controle”, a exemplo do sistema Pan-óptico, concebido pelo jurista Jeremy Bentham em 1785, em que os presos não sabem se estão ou não sendo observados.

Nas penitenciárias sob responsabilidade da GPA, a segurança interior é feita por monitores, que apenas utilizam cassetetes e algemas. Mas para casos mais graves, como rebeliões, o Estado coloca de 12 a 14 agentes com poder de polícia.

Segundo dados fornecidos pela concessionária, 70% dos presos considerados aptos estão estudando, enquanto 48% trabalham, realizando jornada de trabalho de no mínimo 6 horas, podendo se estender até 8 horas, sendo que a remuneração não é inferior a ¾ do salário mínimo.

Na opinião dos presos, estão tendo oportunidade que não tiveram em outros lugares, o que cai por terra o entendimento de Barroso de o sistema não cumprir sua função de ressocialização e garantir a segurança pública.

Agora, fica difícil garantir o mínimo existencial do preso quando está sob a custódia do Estado, que, em sua análise, não se garante acesso à saúde, à educação e ao trabalho, e à assistência judiciária.

O Brasil já foi condenado diversas vezes pela Corte Interamericana de Direitos Humanos para garantir a erradicação das situações de risco e providenciar a proteção à vida e à integridade pessoal, psíquica e moral de pessoas privadas de liberdade em várias penitenciárias do país. Daí a necessidade de investimentos em parcerias público-privadas.

Outro ponto abordado na ADPF é o aliciamento na entrada de novos presos no sistema por facções, situação que não aconteceria na parceria público-privada porque há o entendimento de que é possível o ingresso de presos integrantes de facções, baseado em que “o sistema prisional é pensado pelo Estado como um todo”.

O contrato firmado pela empresa GPA prevê a construção de outras duas unidades (uma de regime fechado e uma de regime aberto), perfazendo, ao final, capacidade para 3.800 presos, o que evita a balela adotada no voto de Barroso de superlotação, como falta de condições de salubridade, higiene e conforto. Outro fator que é desmontado é que a parceria público-privada é apenas para condenados, não cabendo presos provisórios.

Atualmente, encontra-se em análise, na Comissão de Segurança Pública do Senado Federal, o PL 583-A, de monitoração eletrônica do preso, que prevê a realização de exame criminológico para progressão do regime e extingue o benefício da saída temporária. Situação que envolverá investimentos públicos e mais tempo de prisão pública, o que torna ideal o modelo de parceria público-privada.

Ainda há o PL 1880/2023, que tipifica o crime de massacre, como o que ocorreu no Paraná, com vistas ao combate à criminalidade e o fortalecimento da segurança pública, lembra o senador Sérgio Moro (União-PR), em notícia para a Rádio Senado em 03 de outubro de 2017.

Ocorreu uma CPI do Sistema Carcerário em que o relatório  final de 03 de julho de 2008, do relator deputado federal Domingos Dutra, destaca: “Quando vivenciamos estabilidade econômica, com programas sociais voltados para a educação e as necessidades da população de baixa renda, atendendo 11,2 milhões de famílias pobres, combinado com o aumento da vigilância policial com ações nas regiões mais violentas, passamos a ter a sensação de que o futuro poderá ser melhor para todos os brasileiros, inclusive os esquecidos nos cárceres”. E continua: “Assim, acreditamos que, com políticas econômicas viáveis, os programas sociais efetivos, as ações de prevenção e combate à criminalidade, o governo e a sociedade estarão caminhando a passos largos para fechar as portas de entrada do sistema carcerário”.

Foi recomendada a elaboração de um Projeto de Lei para exclusão das despesas contingenciáveis do Fundo Penitenciário Nacional, situação que não saiu do papel.

Reparem que atualmente – com o contingenciamento de recursos da saúde e educação, do FUNPEN; a extinção de milhares de Bolsas Família; o desarmamento de CACs; a continuidade da ADPF do Fachin, que impede a subida da polícia nos morros; e também, em um plano pífio de Flávio Dino para Enfrentamento das Organizações Criminosas, com apenas R$ 900 milhões – é impossível termos uma política de segurança pública, o que só piora o sistema carcerário, ainda mais com estas decisões do STF.

Em que pese que, no final da ADPF 347, outro absurdo ainda determinou que, no caso de manutenção de prisão provisória, juízes e tribunais terão que fundamentar expressamente a não aplicação de medidas cautelares alternativas.

Voltando ao caso do estado de coisas inconstitucional na Colômbia, foi aplicado ao problema dos “deslocados” (desplazados) — que são cerca de 3 milhões de colombianos que foram forçados a se deslocar em razão da guerrilha — houve uma tentativa judicial latino-americana mais explícita para assegurar a IMPLEMENTAÇÃO DE UMA MACRO SENTENÇA. Parecido com o que o ministro Alexandre de Moraes quer antecipar, no plenário virtual, de uma pena padrão de 17 anos para os demais patriotas a serem julgados.

Concluo dizendo que é impossível a elaboração de um plano de intervenção para superlotação em presídios sem, no mínimo, não pensar nas parcerias público-privadas e na melhora da educação e da segurança pública.

 

 

Luiz Antônio Santa Ritta, para Vida Destra, 11/10/2023.
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Economista, advogado e bancário (aposentado)