Eu só quero é ser feliz.
Andar tranquilamente na favela onde eu nasci
E poder me orgulhar e ter a consciência
que o pobre tem seu lugar.
(“Rap da Felicidade”, Cidinho e Doca)
Nossa formação cristã torna bastante tentador retirar dos pobres toda a responsabilidade por sua própria condição desfavorecida. É simplesmente incômodo dizer que os socialmente vulneráveis concorrem para sua própria pobreza. Parece elitista, esnobe, desumano. O problema é que é verdade. Pobres são parcialmente responsáveis por sua situação social adversa. Seja quando aceitam o jogo do “esse faz” do político clientelista, seja quando tomam parte de uma cultura de banditismo com a falsa esperteza do malandro-agulha que se satisfaz com viver à espera do carnaval. Pois é, pobres erram. Todos podem errar. Devemos respirar fundo e encará-lo com cuidado, não para retirar do Estado sua responsabilidade, mas para tirar a camada social mais baixa de sua costumeira inércia (habilmente reforçada pelo vitimismo dos socialistas), chamar na chincha, dar um tranco moral pra ver se o motor vira.
Também é verdade que esse imobilismo popular às vezes é atravessado por alguma insatisfação barraqueira que, apesar das aparências, não é o seu oposto, mas o seu complemento, um recurso desesperado de quem busca apenas restabelecer a normalidade ameaçada. Um botão de reset. Faltou água na favela? Reúne todo mundo, bloqueia a pista, faz barulho, queima pneu, chama a Globo. Isso tudo para exigir cidadania material? Aparentemente sim, mas, olhando de perto, dá pra ver que só querem restaurar o statu quo ante, a normalidade favelística, a carência de cidadania real que caracteriza toda favela e que, curiosamente, a satisfaz. Assim que o serviço é restabelecido, a vida volta ao normal, como se favela fosse coisa normal. Entenda-se aqui cidadania como um conjunto que envolve direitos e deveres do cidadão. É que a falta de fornecimento de serviços públicos, quando total, rompe um certo pacto de precariedade que os pobres mantém para com os políticos: algo do tipo “eles roubam de lá, nós fazemos gatos daqui”, “o prefeito não trabalha, mas o vereador dá um cargo pro meu sobrinho”, “o posto de saúde não tem remédio, mas eu fecho a rua pro meu churrasco e a polícia não me incomoda” etc. Todos ficam satisfeitos e segue o baile. Ou seja, existe um jogo de compensações entre a má prestação de direitos ao cidadão e a má observação de deveres pelo cidadão. A interrupção total da prestação de serviços que já se esperam precários desequilibra o jogo não apenas porque cria um débito adicional para a favela, mas também porque rompe com a expectativa de estabilidade dessa relação, traz a desconfiança de que talvez “eles” estejam reajustando o contrato para além do suportável, o que tem o potencial de expor todo o problema de uma só vez e, assim, evidenciar que do lado sofrido também existem erros graves de conduta.
Da mesma forma, também as tentativas de regularização dos serviços, como a instalação de medidores de consumo de água e energia menos sujeitos a fraude, são geralmente vistas com maus olhos pelo populacho. E quando um mais honesto não cria resistência aos homens da Light e da CEDAE (concessionárias fluminenses), logo recebe a alcunha de puxa-saco e passa a ser olhado com desconfiança. A mera possibilidade de moralização causa apreensão generalizada, porque traz a perspectiva de aumento do custo de vida e a introdução da responsabilidade de agir (em vez de apenas reclamar). A idéia de brigar pela redução da carga tributária sobre as coisas nem sequer é colocada. Fazer gato é mais fácil. Estacionar o carro na calçada é mais fácil. Colocar funk pornô, forró, pagode, macumba e gritaria neopentecostal no último volume é mais fácil. A precariedade dá menos trabalho. As tentativas pessoais de concertar a coisa apenas trazem ao civilizado as máximas “os incomodados que se mudem” ou “isso aqui é Brasil, é assim mesmo”.
E assim caminhamos com uma importante parcela do nosso povo afundado na miséria moral, razoavelmente merecedora de seu destino e comemorando bestialmente pequenas alegrias que os parasitas da elite montam para sua felicidade bovina.
Parte I : https://vidadestra.org/a-tragedia-brasileira-parte-i-professores/
- Tragédia Brasileira – Parte II: Os Pobres - 20 de dezembro de 2018
- A Tragédia Brasileira – Parte I: professores - 5 de dezembro de 2018
AO VIVO – Revelação, Atenção Médiuns e Outros assuntos
https://www.youtube.com/watch?v=91e1xuZ1ycI
Nu Es, da uma olhada.
Obrigado, to vendo agora
Muito bom o texto, parabéns