Você já parou para se questionar o porquê de usarmos o real? A primeira resposta que virá na sua mente é que usamos o real em substituição ao cruzeiro real, moeda a qual veio para tentar controlar a desvalorização de moedas anteriores destruídas pela inflação desde o Regime Militar. Então, reformulando a pergunta: por que usamos moeda estatal? Agora, você provavelmente vai concluir que não há outro meio de haver um sistema monetário eficiente sem que uma autoridade central o institua, mas cuidado ao pensar assim, porque se esse argumento fosse verdade, estaríamos usando o réis, moeda instituída no Brasil, até hoje, e como não estamos, podemos ver que esse sistema nas mãos do governo cria mais problemas do que soluções em si, o que deve nos levar a questionamentos a fim de permitir que a emissão de moedas deixe de ser um ato exclusivo do governo e passe a ser de quem quiser – no caso, de empresas privadas especializadas nisso, que fariam, conforme será demonstrado nesse texto, um serviço de controle e emissão de moeda muito mais eficiente do que uma autoridade central, como o governo.
Antes de começar, é necessário entender que dinheiro não é riqueza, é apenas um meio de troca, ou seja, o dinheiro em si, o papel moeda, não tem valor, o que tem valor são as coisas as quais queremos comprar o utilizando e ele serve apenas para fazer esse intermédio entre as coisas, de modo que se um produto vale mais, é justo que para compra-lo, seja necessário ter mais dinheiro e, consequentemente, se outro produto vale menos, é justo que se cobre menos dinheiro.
Vários são os argumentos usados para justificar o monopólio do governo sobre a emissão e controle de moeda. Vamos começar desmistificando o mais básico de todos: se não for o governo, quem vai emitir moedas? A resposta é muito simples: as empresas privadas farão isso, não porque elas se preocupam com a estabilidade da economia ou com os pobres que não terão papel moeda para trocar suas coisas, mas sim porque o interesse próprio em lucrar é uma motivação superior a qualquer ação de benevolência, o que Lorde Keynes, economista britânico, chamou de “animal spirits”. Um bom exemplo disso é o bitcoin. O bitcoin é uma “moeda digital“, isto é, uma moeda a qual quem recebe o faz apenas de forma eletrônica, de forma muito semelhante aos pagamentos via cartões de crédito e débito, em que o dinheiro cai na conta, com a diferença que não dá para “sacar bitcoins”, mas é perfeitamente possível trocá-lo por real (e dá para fazer isso de forma bem rápida em qualquer corretora online de bitcoins). Todo seu funcionamento se dá na base de uma tecnologia chamada blockchain, mas o que é isso? Blockchain é uma rede de “mineradores” de bitcoin. Em suma, quando fazemos uma transação, é necessário que ela seja validada. Se essa transação for feita em reais, quem vai fazer essa validação são os computadores dos bancos que estão envolvidos, se essa transação for feita em bitcoins, quem vai fazer essa validação são computadores conectados à internet de pessoas como a gente, chamadas de “mineradores”, espalhadas pelo mundo, que têm instalado um programa que resolve os cálculos de transação e processa a conta de origem e a conta de destino daquela quantidade de bitcoins e, em troca, os mineradores vão ganhar uma pequena fração de bitcoin. Esse sistema de validação descentralizada traz diversas vantagens: primeira, segurança, pois com vários mineradores fazendo tais cálculos com computadores, que não erram contas, é impossível que haja a falsificação ou fraude da moeda; segunda, o governo não tem poder sobre o bitcoin pelo fato justamente de ser um sistema descentralizado, rodando em milhares de computadores e satélites ao mesmo tempo (por este motivo que muitos usam o bitcoin para sonegar impostos, o que faz o seu valor cair nos finais de ano, que é quando os ciclos tributários terminam), o que diminui o poder do estado e aumenta o poder do indivíduo e a terceira e melhor vantagem é a rapidez com a qual tudo é feito: uma transferência de bitcoins, a qualquer dia, qualquer hora, de qualquer lugar do mundo, demora segundos, enquanto uma operação de DOC, transferência de um banco para o outro em âmbito nacional, pode demorar até 3 dias, ou uma operação de swift, que é transferência internacional entre bancos, demora por volta de 13 dias. Lembrando que o bitcoin não é a única moeda digital que existe, há outras, com diversas tecnologias melhores, inclusive, como a nano, que será mais bem abordada e explicada em artigo futuro.
O segundo argumento mais utilizado pelos que defendem a moeda estatal obrigatória é um derivado da Lei de Gresham, a qual diz que “a moeda ruim expele a moeda boa”. Em suma, ele diz que as empresas que emitem moeda privada poderiam imprimir a quantidade que quisessem de dinheiro, o que geraria uma hiperinflação e prejudicaria todo o sistema monetário. O argumento é válido, nada impede do dono de uma empresa que emite moeda privada de criar 1 bilhão dessa moeda para se tornar bilionário da noite pro dia, porém, ao fazer isso, ele terá que levar em conta que todo o mercado irá passar a rejeitar sua moeda, uma vez que ela, como produto comercializado, foi infectada pela inflação gerada pela própria empresa quando resolveu emitir mais moeda para manipular o mercado, fazendo com que ela perda todo o seu valor e não sirva para nada. Eis aí a importância da concorrência porque, uma vez que haja concorrência entre moedas privadas, o controle externo delas passa para as mãos dos seus usuários, que ao ver atitudes desse tipo, podem simplesmente recusar a usar essa moeda e optar por outra melhor, o que faria o dono dessa empresa pensar: “tentar dar um golpe no mercado que vai falhar ou apenas emitir minha moeda e continuar garantindo sua qualidade para que eu ganhe mais dinheiro?”. Qualquer empresário com um mínimo de inteligência optaria pela segunda opção, pois é mais segura e garante que ele irá ganhar dinheiro, mas se ainda assim for problema, nada impediria o governo de criar uma lei para impedir tal crime, que, aliás, já existe hoje, é a lei 6385/76, criada no governo Geisel, a qual os irmãos Joesley e Wesley Batista foram condenados. Para os que temem essa conduta, nunca é tarde lembrar que o governo já faz isso, aliás, melhor dizendo, governos fizeram isso durante a história toda, começando no Império Romano e não parando até hoje. No caso do Império Romano, o vereador Diocleciano teve a brilhante ideia de, ao cunhar as moedas de prata ou ouro, colocar, na mistura, um pouco de bronze, o que permitia criar mais moedas. O que parecia uma ideia brilhante levou ao caos econômico no Império, fazendo com que os próprios Imperadores recusassem as moedas que eles mesmos emitiam, cobrando suas dívidas em outros meios, como terras, artefatos etc. Tal fenômeno ocorreu em outros momentos da história do mundo, como na Revolução Francesa, na França, e na República, no Brasil, principalmente durante o Regime Militar e os primeiros anos de democratização, com José Sarney, que imprimia dinheiro e, para conter a hiperinflação gerada, teve a brilhante ideia de congelar os preços, o que fazia com que as pessoas tomassem decisões erradas de comprar tudo quanto podiam, o que acabava com os estoques, fazendo produtos indo parar em mãos de quem não precisava. O preço, ao contrário do que os brasileiros com mentalidade marxista pensam, não é definido pelo “capitalista malvadão”, mas sim pelos agentes do mercado, que levam em conta os custos da produção do produto, seu valor subjetivo e margem de lucro, e é usado como um mecanismo inteligente de alocação de recursos. Partindo do princípio de que todos os produtos e recursos na economia são escassos, os preços transmitem a informação do quanto uma pessoa precisa de um produto X mais que a outra. Por exemplo: um ingresso para um show de uma banda custa R$ 100,00. De repente, essa banda lança uma música de sucesso e muitos passam a comprar o ingresso para seu show. Para garantir que aqueles que realmente querem ver o show consigam, a banda irá aumentar o preço do ingresso, porque desta forma garante aos fãs que eles conseguirão ver seu show.
Outro argumento muito utilizado a favor da moeda estatal é o de que “a moeda estatal faz parte da cultura e não pode ser abolida”. Primeiro é bom lembrar que a ideia não é abolir a moeda estatal, e sim o governo liberar para que a sociedade possa negociar usando a moeda que lhes convier. Segundo que a ideia de que a moeda faz parte da soberania foi difundida pelo cientista jurídico francês Jean Bodin para justificar a existência da monarquia absolutista. Terceiro que a inserção de novos elementos que façam parte da cultura de um país não é prejudicial a ela, logo, o fato de haver moedas privadas não quer dizer que essas não façam parte da cultura, muito pelo contrário, seria patrimônio emanado diretamente de um indivíduo, base produtora de qualquer cultura. Nada impede de moedas privadas que caiam em desuso serem colocadas em museus como parte do patrimônio cultural de uma nação, a única impossibilidade seria no caso de uma moeda digital, como o bitcoin, que por ser um software, não é palpável, porém isso não justifica obrigar as pessoas a tomarem os grandes prejuízos inflacionários do governo para manter uma suposta soberania a qual o indivíduo sequer foi questionado se deseja ou não manter, já que ele é quem paga a conta. Se preservássemos esse pensamento arcaico de que a moeda não pode ser mudada por ser patrimônio cultural, deveríamos estar usando o réis, primeira moeda brasileira, das épocas da colônia, até hoje, como dito acima.
Se a população no geral entendesse o quanto lhe custa, em termos de inflação e instabilidade econômica, a conveniência de ter que lidar apenas com um tipo de dinheiro emitido pelo estado e topasse sair de suas zonas de conforto financeira, o Brasil seria um país mais evoluído, mas essa mentalidade não está apenas no âmbito das moedas, está no âmbito do trabalho, quando trabalhadores pedem por CLT por acharem que essa lei ridícula os protegem, mesmo fatiando seus salários anuais em 13 parcelas ao invés de 12, causando lhes prejuízos inflacionários, lhe dando o dever de dar ao governo o direito de roubar de 8 a 11% de seu salário para colocar em um esquema de pirâmide chamado Previdência Social, o qual apresenta um plano pior do que qualquer outro oferecido pela iniciativa privada ou achando lindo algo chamado “fundo de garantia”, que é o estado retendo 8% do salário do trabalhador em uma conta que não rende nem a inflação durante o ano, obrigando o dono do dinheiro a ter prejuízo, ao passo que o governo empresta esse montante aos seus amigos da Odebretch com juros subsidiados.
As dificuldades de se criar um sistema monetário inteligente no Brasil podem ser verificadas no filme Real, o plano por trás da história, o qual traz protagonistas como Gustavo Franco, economista liberal com doutorado em Harvard, ex-presidente do Banco Central e um dos responsáveis pela criação da moeda que temos hoje, numa batalha com Lula e toda a esquerda e demais setores coletivistas, que eram contra a implantação da nova moeda porque diziam “que ia destruir o poder de compra do pobre”. Como a esquerda é o Mick Jagger da política, obviamente viu-se o contrário: a moeda criada por Franco e sua equipe conseguiu controlar a hiperinflação da época e nenhum governo a destruiu ainda. Dilma quase conseguiu começar o processo em 2015, mandando a inflação para 10,67%, aumento de 60% em relação à inflação de 2015, mas felizmente não conseguiu, agora fiquemos de olho para ver quanto o real vai durar.
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