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A quebradeira em Brasília, a invasão do Capitólio e o incêndio do Reichstag

Aristóteles uma vez disse que a “arte imita a vida”; Oscar Wilde, no entanto, dizia que é o contrário: “a vida imita a arte”. Seja lá quem imita quem na arte ou na vida, fato é que na política a coisa não é muito diferente: como diz o apresentador do podcast Saindo da Bolha, especializado em política internacional, “o que acontece lá fora é um espelho para o que vai acontecer aqui mais tarde”. Sendo assim, é por isso que neste artigo vamos abordar 3 histórias que ocorreram em momentos e em países diferentes, mas que possuem semelhanças – um tanto quanto estranhas, é verdade – entre si: o quebra-quebra que ocorreu em Brasília no mês de janeiro de 2023; a invasão ao Capitólio, prédio do Congresso americano, que ocorreu em 2021 e o incêndio do “Reichstag”, o parlamento alemão, em 1933. Contadas as histórias, no final deste texto, seremos capazes de responder quem imita quem na política e entender como ela é muito mais circular do que imaginamos, afinal, tanto segundo Aristóteles quanto segundo Wilde há um jogo de imitação por trás das coisas.

A primeira história é de conhecimento de todos: no dia 8 de janeiro de 2023, um grupo de manifestantes invadiu os prédios do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal e do Palácio do Planalto, sede administrativa do governo eleito. Durante a invasão, houve baderna, defecação na mesa do ministro Alexandre de Moraes e quebra de diversas obras de arte de valor incalculável, como o relógio que Dom João VI recebera de ninguém mais ninguém menos que Luís XIV, o “Rei Sol“, da França, monarca que mais permaneceu no trono em toda a história.

Antes de prosseguirmos, quero deixar claro que nem o autor, nem a revista Vida Destra compactuam com atos de vandalismo, seja lá por quem foram praticados, e é neste ponto justamente que alguns pontos nesta história começam a não fazer sentido.

Primeiro: as pessoas de direita se manifestam pelo menos desde 1964 – na histórica Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que antecedeu o Regime Militar – e nunca houve depredação de patrimônio público nos protestos conservadores, diferentemente dos protestos da esquerda. Pelo contrário, em 2019, durante a posse do ex-presidente Jair Bolsonaro, os manifestantes até recolheram o lixo que haviam produzido durante a cerimônia.

Segundo: após os atos de vandalismo, os deputados e senadores pediram uma CPI para investigar e punir os vândalos, contudo, o presidente Lula e o futuro líder do PT na Câmara, Zeca Dirceu, filho de José Dirceu, não querem uma CPI para investigar os tais atos. A grande questão aqui é: por que os grandes defensores da democracia não querem que o parlamento investigue os vândalos que causaram danos às instituições? Estranho.

Terceiro: Ricardo Capelli, interventor federal na Segurança Pública do DF, afirmou que tais atos foram orquestrados por profissionais. Pergunto: há profissionais em vandalismo na direita, tal como na esquerda? Se sim, por que nunca apareceram até então?

Quarto: após serem detidos, os supostos vândalos ficaram em posse de seus aparelhos celulares, algo inadmissível em uma operação policial e que inclusive foi alvo de críticas pelo ex-secretário de Segurança de Guarulhos, Guaracy Mingardi, que, em entrevista à BBC, argumentou que os ditos vândalos podem ter sumido com provas.

Quinto: o deputado Ubiratan Sanderson (PL-RS) afirmou à Revista Oeste que o ministro da Justiça, Flávio Dino, foi avisado com antecedência pela Polícia Federal e pela ABIN sobre os riscos das manifestações, contudo, não tomou nenhuma providência. Novamente vem a pergunta: por quê?

Como se pode ver, são muitas perguntas, mas poucas são as respostas para elas, ainda mais quando os atos em Brasília ocorreram exatamente 2 anos e 2 dias após os atos no Capitólio, nos Estados Unidos, com uma configuração política semelhante: o presidente de direita perdeu as eleições e os manifestantes – que até então nunca haviam depredado nada antes – “invadiram” o Congresso americano, em dia de sessão legislativa, mesmo com o ex-presidente Donald Trump pedindo para que eles fossem pacíficos.

Após o ocorrido, ainda no ano de 2021, o deputado democrata Bennie Thompson propôs uma CPI multipartidária para investigar os atos de vandalismo, contudo, a ex-presidente da Câmara dos EUA, Nancy Pelosi (Democrata) vetou dois nomes republicanos que comporiam a CPI, o que levou o líder da minoria republicana à época, Kevin McCarthy, a afirmar que criaria outra CPI para investigar os atos, caso Pelosi não aceitasse os republicanos indicados.

A invasão do Capitólio, tal como a quebradeira em Brasília, nos traz algumas questões não respondidas: por que a diretora do FBI, Jill Sanborn, disse “não posso responder isso” quando foi questionada pelo senador Ted Cruz se agentes do FBI participaram da invasão? Por que a Câmara – à época controlada pelos democratas – dificultaram a convocação da Guarda Nacional, disponibilizada por Trump? Pior: por que raios a prefeita de Washington D.C. solicitou guardas desarmados para lidar com o protesto? Por que a polícia do Capitólio, que à época respondia à democrata Nancy Pelosi, ajudou manifestantes a invadirem a Casa? Novamente, muitas perguntas, mas poucas respostas.

Apesar das perguntas sem respostas, interessa-nos o que acontece após esses eventos, e é impossível falar das consequências sem mencionar o incêndio do parlamento alemão, que ocorreu em 1933. Tudo começa com um homem holandês chamado Marinus van der Lube, que era um tanto quanto obcecado com o comunismo, mas quando ingressou em uma organização desse tipo – o “Movimento Jovem Comunista” – não gostou da rigidez da disciplina e se frustrou com o movimento comunista, abandonando-o.

Ademais, naquela época, os membros do partido nazista faziam o que queriam na Alemanha, sem muitas represálias, enquanto os outros não tinham espaço para fazer o mesmo, mais ou menos como diz o mantra romano: “aos amigos, tudo, aos inimigos, a lei”. Eis então que Van der Lube tem a brilhante ideia de começar a atear fogo em locais para chamar a atenção para a situação dos trabalhadores oprimidos, tal como ele mesmo. Foi então que ele teve a ideia de colocar fogo no parlamento, imaginando que, ao atacar uma instituição forte do Estado, ele provaria que elas não são invulneráveis e incitaria os desempregados a uma ação em massa espontânea. Além disso, ele já tinha experiência no ramo: antes do Reichstag (parlamento alemão), Van der Lube já havia incendiado um escritório previdenciário, a prefeitura e até o antigo palácio em Berlim, mas foi descoberto com antecedência e impedido.

Eis então que, na noite de 27 de fevereiro de 1933, Van der Lubbe entrou no parlamento, jogou álcool nos móveis e cortinas e riscou palitos de fósforo por onde passava. Em poucos minutos, o prédio inteiro estava em chamas. Van der Lubbe foi capturado pela polícia política de Rudolf Diels e confessou ser o autor do incêndio, algo que se mostraria verdadeiro após investigações.

Foi então que Hitler viu uma grande oportunidade neste evento: imediatamente após o incêndio, ele fez um discurso eloquente do parapeito da chancelaria, afirmando que seriam detidos todos aqueles que eram ligados aos comunistas. Quem era acusado de estar vinculado aos comunistas na Alemanha nazista? Os judeus. Dito e feito: imediatamente, a polícia começou a prender deputados, oficiais, policiais e qualquer um que fosse acusado de ser ligado ao comunismo – ainda que o indivíduo não fosse, como no caso dos judeus – e cerca de 4 mil pessoas foram presas em apenas uma noite.

Ademais, William Frick, ministro do Interior do Reich, teve a brilhante ideia de editar o Decreto do Presidente do Reich para a Proteção do povo e do Estado, que aumentou ainda mais os poderes de Hitler e consolidou a ditadura nazista. O decreto de Frick suspendia as liberdades de expressão, de imprensa, de associação e de reunião; permitia à polícia – controlada pelos nazistas – prender qualquer pessoa sem mandado judicial, por tempo indeterminado; autorizava também o estado a violar as comunicações telegráficas e concedia ao governo nazista o poder de assumir o controle dos estados caso a ordem pública estivesse em perigo.

Apesar do caos gerado, o incêndio do Reichstag e o decreto de Frick vieram em um momento mais oportuno do que nunca: no dia 5 de março, ocorreriam eleições na Alemanha e o partido nazista ainda não era o maior do parlamento. Com a oposição ameaçada, a campanha eleitoral dos nazistas obteve um sucesso estrondoso, de modo que a coalizão do partido finalmente atingiu a maioria de 340 cadeiras para governar o país, ainda mais com os deputados de outros partidos sendo presos ou perseguidos, acusados de serem comunistas, ainda que não o fossem. Goebbels comemorou em seu diário, dizendo: “Números inacreditáveis, é como se estivéssemos nas nuvens”. O resto da história já é conhecido, então, dispensa comentários.

Dessas histórias, podemos concluir que a exceção – como incêndios ou invasões inexplicados a prédios públicos – é sempre um capital político a ser explorado e pode conceder aos tiranos o que eles precisam para aumentar o poder do Estado. Seja na forma de repressão física a judeus e “comunistas”, seja sob a desculpa de “proteger a democracia” com métodos antidemocráticos, como a criação de uma polícia política, controle da internet e leis que atentem contra a liberdade de expressão. Se a vida imita a arte, ou a arte imita a vida, torna-se irrelevante, o silogismo final é que tiranos imitam tiranos, independentemente de épocas, locais ou culturas.

 

 

EL MAGO, para Vida Destra, 08/02/2023.

 

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2 COMMENTS

  1. Excelente artigo El Mago sobre a quebradeira em Brasília, mas alguns pontos ainda permanecem nebulosos. Porque o Governo Lula colocou em sigilo as imagens do Palácio do Planalto. Igualmente, como as câmeras do Congresso foram desligadas antecipadamente à invasão. E, por último, porque Ana Patrícia näo estava entre os vândalos presos?

  2. Numa conclusão rasa, porém óbvia, a experiência na ação é fundamental, portanto a esquerda brasileira tem mais histórico de vandalismo do que a direita que por sinal é incipiente nesse tipo de perturbação. O sinal forte para a negação da CPI pelo governo e seus afetos é a constatação de que parte dos manifestantes são seus correligionários. Excelente artigo!

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