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ACABOU O CARNAVAL!

Desde criança, eu nunca simpatizei com carnaval. Isso teve como estopim um episódio que ocorreu em minha infância. Eu tinha uns quatro anos de idade e era dia de folia. Estava em minha casa, observando da janela os blocos passando na rua. Não me sentia atraído por aquele folguedo, marchas carnavalescas tocando no último volume, agitação desmedida, frenesi extremo com tantas pessoas de rosto pintado, corpo suado, pulando freneticamente como se fossem loucas. De súbito, passou um folião mais tresloucado ainda e tacou talco em meus olhos. Ele rapidamente seguiu pulando, feito doido, o seu caminho e sumiu na multidão. Aquele talco todo foi muito irritante, uma agonia, a vontade era de coçar os olhos a todo instante. Ficaram vermelhos. Lágrimas rolaram pelo meu rosto, seja pela irritação na vista, seja pela irritação com a atitude estúpida de um idiota que eu nem sabia quem era. Meus pais me levaram até uma farmácia e compraram um colírio, muito famoso: Moura Brasil. Tem até um isentão aí com esse sobrenome, que, infelizmente, ficou com os olhos tapados para a realidade. Com o colírio, veio em seguida o alívio na visão que estava turva, irritada e embaçada.

Assim, a partir de uma experiência um tanto traumática, fui abrindo, aos poucos, meus olhos, no sentido metafórico, para a irracionalidade, a falta de sentido, a brutalidade que o carnaval pode assumir. Com isso, passei a usar, desde então, o colírio da razão e da lógica para clarear a visão, não só em matéria de carnaval, mas também em tantos outros assuntos da vida. No entanto, meu objetivo aqui não é escrever um artigo de cunho memorialista ou de caráter biográfico sobre o carnaval. Até porque eu não teria muitas experiências pessoais para contar sobre isso, além daquela malfadada citada no parágrafo inicial. Pretendo apenas levantar algumas breves e pontuais reflexões sobre alguns aspectos, incluindo o econômico e o cultural, do carnaval.

Segundo a história, havia festas muito similares ao carnaval em Roma e em diversos outros países, há muito tempo. O carnaval brasileiro teria origem no entrudo, festa popular portuguesa, em que os participantes extravasavam sua alegria de diversas maneiras.  Já havia, nessa época, um nível de agressividade entre eles quando se entregavam aos excessos da folia. Há diversas explicações das Ciências Sociais para o significado da festa de Momo, que apontam, dentre outros pontos, para uma transgressão e subversão de comportamento dos indivíduos durante esses festejos. Segundo essas explicações, as pessoas tirariam, em sentido figurado, durante alguns dias, suas máscaras, desnudando sua alma e se despindo da rigidez, prudência e do domínio próprio mantidos, com muito custo, no restante do ano. Nessa concepção, o carnaval seria uma espécie de catarse, individual e coletiva, um transbordamento, um rompimento de sentimentos represados, para aliviar o stress acumulado durante meses. A tônica nisso seria a transgressão de regras, as quais, seguidas em outras ocasiões, não o são no carnaval. Esse seria um interlúdio, mundano e profano, entre duas grandes datas da Cristandade: Natal e Páscoa. Entre as festividades pelo nascimento de Jesus e a lembrança de Sua Paixão, muitos esquecem qualquer tipo de compromisso religioso e se entregam, sem peso na consciência, à licenciosidade da carne. Uma forma, segundo os teóricos, de dar vazão e dissipar as frustrações de diversas ordens, sejam familiares, afetivas, financeiras, econômicas, sociais. Uma visão nada cristã e totalmente hedonista.

Há também aqueles analistas que enxergam no carnaval uma confraternização democrática, um monumento ao lado lúdico do ser humano, que anularia, nos dias de folia, as barreiras étnicas, econômicas e culturais, em que os ricos se misturam com os pobres, pretos com os brancos, famosos com desconhecidos. Na prática, sabemos que o mundo real do carnaval não é assim florido como querem nos fazer crer aqueles estudiosos. Entre as fantasias multicoloridas cheias de lantejoulas, e outros tipos de adereços chamativos, desabrocham muitos tipos de permissividades, promiscuidades, transgressões, vícios nada louváveis, de tons muito cinzentos.  Após cessar todo o agito momesco, quando chega a quarta feira de cinzas, muitos católicos professos vão ao confessionário para descarregar o peso da consciência por causa dos excessos cometidos pela carne. É a festa pagã com data marcada para o suposto arrependimento por pecados veniais.

Por outro lado, faz tempo que existe segmentação de espaços, no carnaval, segundo a capacidade econômica dos foliões, em que as pessoas de melhor condição financeira vão para clubes fechados, enquanto o povão se diverte na rua. Antes abertos a todos os participantes, muitos blocos passaram a permitir, como participantes, somente aqueles que pudessem pagar pelo ingresso. Nesse contexto econômico, diz se que o carnaval gera muitos empregos. Há estimativas recentes de que injetaria cerca de 8 bilhões de reais na economia brasileira. Matérias na imprensa informam que há, nesse período, muita atividade do setor de serviços, com um boom no turismo, principalmente hotéis, pousadas, mercados, bares, restaurantes e pequenos comércios de rua em geral, sendo gerados milhares de empregos diretos e indiretos. Dados mostram que o período carnavalesco é aquele em que mais turistas estrangeiros visitam o país.

Mas o que não se discute muito é o custo econômico do carnaval. Quanto o país perde, em termos de produção, nesse longo feriado? É sabido que o mês em que cai o carnaval (fevereiro ou março) ¹é aquele em que as empresas registram menor faturamento anual. Em Ciência Econômica, existe um conceito chamado custo de oportunidade. Este conceito significa o seguinte: do que você tem de abrir mão para consumir algo, ou fazer algo, em comparação com as alternativas existentes? No free lunch. Isto é, não existe almoço grátis. Por exemplo: qual o custo de oportunidade do indivíduo passar uma semana brincando carnaval, se poderia usar esse tempo para outras finalidades? Quantas outras coisas ele poderia comprar com o dinheiro gasto no carnaval? É claro que gostar ou não de carnaval tem a ver com a questão das preferências pessoais, da educação e valores recebidos da família, da religião professada, da sociedade, etc. Já diziam os romanos: De gustibus et coloribus non est diputandum. Isto é, de gosto e de cor nãos se discute. Mas eu penso que gosto se discute sim. O tempo que os foliões dedicam a pular carnaval não pode ser aproveitado em outras atividades. Esse tempo gasto não pode mais ser recuperado. Tempo é o fator mais escasso que existe no universo.  O tempo que milhões de foliões dedicam às atividades carnavalescas é tempo que não pode ser alocado para mais nada.  Se milhares de empregos são gerados no carnaval, renda é criada e impostos são recolhidos; por outro lado quanto de renda é perdida devido à paralisação de muitos empreendimentos durante o carnaval?

Diz se que o carnaval é um dos maiores símbolos da nacionalidade brasileira. O Brasil ficou conhecido no exterior como “País do Carnaval. Nos primórdios, quando a festa tinha um caráter mais espontâneo e popular, isso tinha uma correspondência com a realidade. No entanto,  Getúlio Vargas, no seu governo ditatorial, na década de 1930, resolveu injetar dinheiro dos impostos para promover o carnaval do Rio de Janeiro, com suas agremiações e o samba, como símbolos da nacionalidade, deixando de lado outras expressões locais como o frevo de Pernambuco. A partir dessa época, a concepção de carnaval como expressão maior da cultura brasileira começou a enveredar por caminhos tortuosos e distorcidos. Quando o Estado resolve tirar dinheiro de atividades que são de sua responsabilidade, entre elas a  justiça, segurança e Forças Armadas, para investir em outras que não são, então a tendência é haver favorecimento de grupos, de classes, de pessoas e de ideologias em detrimento de outras. E foi isso o que terminou acontecendo, porque dinheiro de impostos não deve ser usado para financiar carnaval, porque essa não é atividade fim do Estado, pois sempre haverá quem se aproprie desse dinheiro em prejuízo de outros.

Um exemplo disso é o que ocorre com a Marques de Sapucaí, a chamada Passarela do Samba, construída com recursos públicos, no governo de Leonel Brizola, na cidade do Rio de Janeiro. Um espaço que deveria ser público, mas que, no carnaval, se cobra para quem quiser assistir na arquibancada. O povo não foi consultado para que essa obra fosse feita. Empreendimentos desse tipo, caso haja interesse, deveriam ser construídos pela iniciativa privada. E o agravante é que os direitos de transmissão dos desfiles das escolas de samba do Rio foram concedidos a uma só emissora, isto é, à Rede Globo. Isso se chama monopólio. Este é, geralmente, lesivo ao consumidor. A rede Globo paga os direitos de transmissão com vendas de cotas de patrocínio, geralmente a cervejarias famosas, que também tem um perfil oligopolista, pois são poucas as empresas gigantescas deste tipo que dominam o mercado.

Esses aspectos econômicos, como patrocínio estatal ao carnaval, concessão de transmissão em caráter monopolista, vendas de cotas a empresas oligopolistas tem um impacto significativo no aspecto cultural. Nos últimos anos, os desfiles das escolas de samba no Rio e em São Paulo tem priorizado a afronta aos valores religiosos da maioria da população brasileira, que professa o cristianismo, incluindo católicos e evangélicos. Para espanto e horror da maioria da população, o samba enredo de muitas dessas escolas tiveram como tema ataques diretos à fé cristã, afrontando, por exemplo, Jesus Cristo, que chegou a ser retratado como sendo um derrotado pela figura do diabo, como ocorreu recentemente. Ou como neste ano, em que o Salvador da Humanidade foi representado de diversos modos, nos desfiles do Rio, seja como um negro favelado pregado numa cruz, ou como indígena, ou como mulher, menos como Ele é de fato: o Filho de Deus que veio para salvar o mundo. Não se poderia esperar outra coisa de escolas de samba que são patrocinadas por uma empresa de comunicação que é conhecida por abraçar valores socialistas, cujas novelas exaltam, como é o caso da rede Globo, comportamentos anticristãos, incluindo incesto, promiscuidade, violência, adultério e tráfico de drogas. A Igreja Católica, cuja cúpula da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) é dominada por bispos simpatizantes do socialismo, não se pronuncia sobre estes ataques ao cristianismo promovidos por estas escolas, o que é lamentável.

Para piorar a situação, a violência tem se tornado exponencial no carnaval. No estado da Bahia, o governador orientou a Polícia Militar a não intervir nas brigas entre foliões. O resultado é que este ano o carnaval baiano foi o mais violentos de todos os tempos, com brigas generalizadas e pessoas feridas. Em Pernambuco, a festa de Momo este ano também foi muito violenta. A seguir segue um breve relato de um parente meu, que é Policial Militar e trabalhou, no carnaval, no policiamento daquele que é considerado o maior bloco de carnaval do mundo, o Galo da Madrugada:

“Bom dia, Lívio! Foi a primeira vez que estive naquele meio. A sensação e a visão do evento é uma espécie de desespero! Dentre outras coisas, gente embriagada, drogada, espremida pelo empurra-empurra, bate boca a cada meio metro, furtos etc. Nunca passei tanto calor como passei lá! Achei até que iria passar mal… Eu suava, literalmente, às bicas! A sensação era que não iria sobrar água no corpo. E quando tínhamos que descer da plataforma em que estávamos, para conter alguma confusão, é que era horrível! Passar no meio da multidão… Mas enfim,  graças a Deus acabou”

O carnaval das grandes cidades brasileiras que é organizado, principalmente, pelas maiores agremiações foi capturado por grupos econômicos poderosos, cujos interesses não são os mesmos da maioria do povo brasileiro. Há notícias de que até mesmo traficantes de drogas estão financiando algumas escolas de samba. Não foi à toa que neste ano, na Avenida Marquês do Sapucaí, várias delas resolveram afrontar o governo Bolsonaro, que tem sido bem sucedido no combate à criminalidade. Com ataques abertos a fé cristã, que é o componente central da cultura brasileira, e a um Presidente eleito com a maioria dos votos do eleitorado, esse tipo de carnaval não mais representa o Brasil, mas apenas uma parte muito decadente e retrógrada do país. Tanto isso é verdade, que a escola de samba Vigário Geral, que levou à passarela um boneco gigante de palhaço, para satirizar e humilhar o Presidente Bolsonaro, foi vaiada pelo público presente. O povo acordou e não é mais facilmente manipulado como antes do advento das redes sociais, que colocaram em xeque o papel da velha imprensa, acostumada com gordas verbas públicas, que foram cortadas.

Este tipo de festa, contendo escárnio, insulto e desprezo aos símbolos cristãos e às crenças religiosas da maioria do povo brasileiro, pode representar qualquer outra coisa, menos os verdadeiros valores culturais da nossa nacionalidade. As máscaras caíram e os interesses ocultos se despiram. Nem precisamos usar colírio, como eu precisei quando criança, para enxergar isso.

¹Depende do calendário de cada ano.

 

Lívio Oliveira, para Vida Destra, 26/02/2.020.

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18 COMMENTS

  1. Muito bom Lívio irmão!!
    Carnaval ( festa demoníaca na terra)
    Páscoa feriado que nunca mostrou o verdadeiro significado
    Natal valores invertidos para muitos.

    • Verdade meu irmão João. O carnaval virou uma barbárie e um monumento à loucura e insensatez do ser humano.Grato pelo seu comentário e que o Eterno lhe abençoe e ilumine sempre!

  2. A realidade nua e crua e não há disfarce, para qualquer um com o mínimo de discernimento que queira ver a verdade. Parabéns!

  3. Parabéns!!
    Como é confortante ler um texto como este!!
    É como se tivessem me dado voz para eu dizer
    o que estava sentindo, li .. reli e estou aliviada!!
    Tenho fé que ainda verei aumentar o respeito ao
    próximo, acordamos e não aceitamos engolir sapos
    goela abaixo, obrigada!!

    • Olá Josy! Fico honrado pelo seu comentário e, ao mesmo tempo, feliz em que ele possa ter contribuído para o seu bem. Vocês, leitores, são a razão desta nossa escrita aqui para o Vida Destra. Também tenho fé que um dia viveremos em novos céus e em uma nova terra, onde haverá respeito e amor por Deus e por nossos semelhantes. Grande abraço e que o Eterno lhe abençoe!

  4. Belo artigo! Retratou com muita clareza o que é o “carnaval” de hoje, lembrando que muitas marchinhas do passado estão proibidas por conta de serem consideradas preconceituosas. Parabéns!!!

  5. Definição absolutamente coerente com o que eu pensei referente ao desfile de uma escola de samba que Sempre admirei e torcia como o Flamengo.
    Só que hoje , não mais, pela decepção com o escracho com o nome de Jesus ?
    Sempre deixei de torcer pela atual campeã que é da minha cidade por amar a mangueira ?
    Pena que voltará a desfilar no sábado , pois torci pra que Não…
    Fazer o quê, né?
    Jesus no Controle!

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Lívio Luiz Soares de Oliveira. Economista, analista pesquisador, articulista do Vida Destra