Bolsonaro, nas manifestações do aniversário da 199a data da Independência do Brasil, disse em discurso que ouviria o Conselho da República em relação às atitudes a serem tomadas ,ou nos seus próprios dizeres, “para mostrar a foto dos atos”. Mas depois, resolveu publicar uma Carta à Nação num acordo com demais poderes. Todavia, que cargas d’água faz este Conselho e se é necessária a publicação da convocação no Diário Oficial da União, as respostas a estas questões tentarei responder neste artigo.
A priori, é necessário trazer a anotação de José Afonso da Silva no Comentário contextual à Constituição, 9a edição, o Conselho da República “foi inspirado no Conselho de Estado instituído nos artigos 144 a 149 da Constituição da República Portuguesa, e surgiu no bojo da proposta parlamentarista, que, tendo caído, o deixou de herança dentro do presidencialismo, com certeza para não merecer a menor atenção do Presidente da República, que, no personalismo do sistema, não costuma consultar senão seus próprios botões (às vezes)”, conforme o livro Direito Constitucional Esquematizado, de autoria de Pedro Lenza, 25a Edição, Editora Saraiva.
Daí, entre as atribuições do Presidente Jair Bolsonaro, disciplinadas no inciso XXVIII do artigo 84 da Constituição Federal, está a convocação e exercer a Presidência do Conselho da República e do Conselho de Defesa Nacional, bem como a nomeação de dois cidadãos brasileiros natos (inciso XVII do artigo 84 da CF).
O artigo 89 da Constituição da República define que o Conselho da República é um órgão superior de consulta (grifo meu) do Presidente da República, para caso de crise institucional e é composto por 14 integrantes: I) Vice-Presidente da República – Hamilton Mourão; II) Presidente da Câmara dos Deputados – Arthur Lira; III) Presidente do Senado – Rodrigo Pacheco; IV) os líderes da maioria e minoria na Câmara dos Deputados – Deputado Diego Andrade (PSD-MG) e Marcelo Freixo (PSOL-RJ); V) líderes da maioria e minoria no Senado Federal – Senadores Renan Calheiros (MDB-AL) e Jean Paulo Prates (PT-RJ); VI) Ministro da Justiça – Anderson Torres; VII) seis cidadãos brasileiros natos, com mais de 35 anos de idade, sendo dois nomeados pelo Presidente da República: a) Augusto Heleno, atualmente no cargo de Chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e b) Paulo Skaff, Presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP); dois eleitos pelo Senado Federal: c) Cid Marcone – desembargador TRF-5 e Tibério de Mello Cavalcante – Advogado; dois eleitos pela Câmara dos Deputados: d) Eugênio Aragão – ex-Ministro da Justiça e José Carlos Aleluia – Deputado (Democratas-BA).
Engana-se quem diz na bucha, que o Conselho da República é integrado por 14 participantes, uma vez que Bolsonaro exerce a Presidência, conforme disposto XIII do artigo 84 da Constituição Federal.
Quanto às indicações da Presidência da República, estes foram nomeados, em 19.02.2021 para um mandato de 3 anos, vedada a recondução, conforme notícia do Congresso em Foco.
No tocante à notícia de que o deputado federal Marcelo Freixo, do PSOL-RJ, teria anunciado que não participaria da reunião do Conselho da República, tal prática é vedada pelo § 1º do artigo 3o da Lei 8.041/90 — dispõe sobre a organização e funcionamento do Conselho da República — uma vez que elenca os impedimentos, apenas por motivos de doença ou ausência do País, dos membros referidos nos incisos II a VI, situação que não habilita ao deputado não participar.
No caso de tal impedimento por doença ou ausência do País, serão convocados os que estiverem no exercício dos respectivos cargos ou funções. Daí presume-se que o deputado José Guimarães – PT-CE, vice-líder da minoria na Câmara dos Deputados, deveria assumir o lugar do líder da minoria, como suplente.
Já os membros indicados no inciso VII terão como suplentes, com eles juntamente nomeados ou eleitos e são: a) pela Presidência da República: Francisco Queiroz Caputo Neto, ex-presidente da OAB-DF; b) pelo Senado Federal: Marcelo de Almeida Ferrer – médico; e pela Câmara dos Deputados: Capitão Augusto, Deputado Federal PL-SP) e Marcello Lavenère Machado, ex-presidente do Conselho Federal da OAB.
O artigo 90 da Constituição dispõe as competências do Conselho da República para se pronunciar sobre: I – Intervenção Federal (art. 34 CF); Estado de Defesa (art. 136 CF); Estado de Sítio (art. 137 CF); e questões relevantes para a estabilidade das instituições democráticas.
O parágrafo 1o do artigo 90 faculta o Presidente da República a convocar ministros de Estado para participar da reunião, quando constar da pauta questão relacionada com o respectivo Ministério. Desta forma, não é convocado todo o ministério e o ministro convocado não terá direito a voto.
As reuniões do Conselho da República são realizadas com a maioria dos seus membros, cabendo ao deputado dederal Ciro Nogueira, Chefe da Casa Civil, desempenhar a função de Secretário-Executivo, conforme parágrafo único do artigo 11 da Lei 9.649/98.
Também o Conselho da República reunir-se-á por convocação do Presidente da República, que obedecendo o princípio da publicidade, deverá ter seu registro no Diário Oficial da União, com antecedência. Entendo que, se o motivo for Estado de Defesa em que a ordem pública ou paz social estejam ameaçadas, tal burocracia deveria ser dispensada.
A primeira convocação efetiva do Conselho da República ocorreu em fevereiro/2018, durante o mandato do ex-presidente Michel Temer-MBD. A reunião foi realizada em sessão conjunta com o Conselho de Defesa Nacional para consulta a posteriori sobre a intervenção federal na segurança pública do estado do Rio de Janeiro. Esta intervenção foi atípica, uma vez que não afetou propriamente a autonomia do RJ e nem afastou o Governador do Estado do Rio de Janeiro, conforme disciplina os artigos 34 e 36 da CF, mas apenas a nomeação de interventor para a Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro.
Vejam que, houve o decreto de intervenção, o Conselho de República foi consultado, mas conforme o inciso IV do artigo 49 da Constituição Federal, cabe ao Congresso Nacional aprovar o estado de defesa e a intervenção federal, autorizar o estado de sítio, ou suspender qualquer uma destas medidas.
O Conselho esteve perto de ser convocado em outras duas situações. A primeira delas foi em 2004, quando a OAB pediu formalmente à Presidência, então ocupada pelo ex-presidente Lula, que convocasse o Conselho para lidar com a crise política gerada pelo chamado Escândalo do Mensalão, em face da crise que ameaçava as instituições democráticas, situação prevista constitucionalmente. Vislumbro que tal hipótese nunca aconteceria, porque seria o mesmo que entregar a ratoeira para o rato prender um dos seus.
A segunda vez foi em 2010, quando o então governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, foi preso acusado de obstruir as investigações da Polícia Federal no chamado Escândalo do Mensalão do DF, que investigava casos de corrupção no DF, situação que motivou o PGR a solicitar a intervenção federal no DF.
Enfim, Bolsonaro foi demovido da convocação ou pelo staff militar ou por ouvir o ex-presidente Michel Temer, que veio domar a sua fera com a Carta à Nação, ou talvez convencido pela equipe econômica de Paulo Guedes, que a paralisação dos caminhoneiros teria um efeito devastador na economia, com a alta do dólar e queda da Bolsa. Só sei que eu autorizei Bolsonaro de mostrar a foto ao Conselho da República e fiquei a lamber sabão.
Luiz Antônio Santa Ritta, para Vida Destra, 15/09/2021.
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