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Cidade Velha de Jerusalém e Via Sacra agora são acessíveis

 

A riqueza histórica e cultural da Cidade Velha de Jerusalém agora é acessível para todos.

 

Pela primeira vez na história, neste ano de 2022, durante as celebrações da Páscoa judaica e cristã, bem como do Ramadã, peregrinos e turistas com deficiência e/ou mobilidade reduzida, tais como idosos, doentes, obesos e mulheres gestantes,  puderam visitar, com segurança e conforto, a Cidade Velha de Jerusalém e percorrer a Via Sacra, também chamada de Via Crucis ou Via Dolorosa, que começa no leste de Jerusalém, perto da Porta dos Leões, atravessa grande parte da Cidade Velha e termina no Santo Sepulcro.[1]

Essa façanha só foi possível com a conclusão das obras do Projeto Cidade Velha de Jerusalém Acessível, meticulosamente planejado e executado durante mais de 10 anos, com a cooperação de comerciantes e moradores da área, e que contou com investimentos equivalentes a 32 milhões de reais. Como resultado, quatro quilômetros de ruas nos bairros muçulmano, armênio e cristão foram tornados acessíveis e cerca de dois quilômetros de corrimãos foram instalados ao longo de escadas e  paredes por causa da inclinação das ruas. O pavimento foi renovado, a infraestrutura subterrânea, incluindo o esgoto, foi substituída. As fachadas receberam pintura e novos toldos. Ajustes para a instalação de ar-condicionado e cabeamento foram feitos, as entradas para comércios e residências foram  acessibilizadas e, agora, existem 14 banheiros acessíveis e devidamente sinalizados em toda a Cidade Velha.

Um dos principais desafios desse projeto foi fazer todas as intervenções sem interromper a vida dos moradores locais, nem impedir o acesso de milhões de turistas e devotos que visitam todos os anos essa cidade de mais de três mil anos e seus muros, considerados sagrados pelas três grandes religiões monoteístas: cristianismo, islamismo e judaísmo.

Além disso, o projeto teve de enfrentar outro fator complicador. Essa área retangular amuralhada, com pouco menos de 1 km², conhecida como Cidade Velha ou Cidade Dourada, onde estão locais de importância fundamental – como o Monte do Templo e Muro das Lamentações para os judeus, a Basílica do Santo Sepulcro para os cristãos, e o Domo da Rocha e a Mesquita de Al-Aqsa para os muçulmanos – foi declarada Patrimônio Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

Embora locais e construções tombados e até mesmo aqueles considerados patrimônio histórico da humanidade devam, na medida do possível, ser tornados acessíveis por meio de modificações no espaço físico, naturalmente, nesses casos, os trabalhos só podem ser realizados após minucioso planejamento e sob a observação  meticulosa de profissionais especializados em preservação histórica.

Evidentemente, as soluções para tornar acessíveis esses locais tão especiais devem levar em conta as características únicas e a importância de cada um deles. Mas, grosso modo,  o que se recomenda é que, obviamente, as modificações atendam às necessidades de uma ampla gama de visitantes ou usuários e não prejudiquem, nem descaracterizem o local histórico. É importante que as alterações possam ser removidas sem danos ao patrimônio e ser substituídas quando isso for conveniente, em virtude de avanços tecnológicos. Ao contrário do que se imagina, as medidas adotadas para garantir a acessibilidade não precisam mimetizar a construção histórica original, mas, sim, devem ser percebidas como adições do tempo presente, ainda que em harmonia com o conjunto.[2]

A fase de planejamento do Projeto Cidade Velha de Jerusalém Acessível levou cinco anos e cada etapa envolveu um mapeamento detalhado. O projeto começou no Bairro Muçulmano, no Portão dos Leões, onde a necessidade era mais premente. Pois, além de as condições tornarem praticamente impossível a circulação de idosos e pessoas com deficiência, o local não oferecia condições mínimas até mesmo para o acesso de uma ambulância e, em casos de emergência, os doentes tinham de ser carregados por 50 metros para obter ajuda.

Como o objetivo principal da maioria dos turistas e peregrinos é refazer o trajeto percorrido por Jesus Cristo, o projeto deu atenção especial à Via Sacra, com 600 metros de comprimento e cujo percurso, entre a primeira e a última das 14 estações que retratam a Vida, Paixão e Morte de Jesus Cristo, só pode ser percorrido a pé.

Para que todos possam trilhar a longa e icônica estrada de pedra feita pelos romanos, um caminho acessível foi assentado sobre os milhares de degraus construídos, ao longo de gerações, para vencer a diferença de altitude entre o ponto mais alto e o mais baixo da Cidade Velha, edificada sobre cinco colinas.

Graças ao declínio no número de turistas causado pela política do lockdown, as obras puderam ser concluídas durante os dois anos de pandemia de Covid-19. Ao longo do último trecho da Via Crucis, perto da Quinta Estação (que marca o momento em que Simão ajuda Cristo a carregar a cruz), da Sexta (que simboliza o momento em que Verônica enxuga o rosto  de Jesus) e da Sétima (onde Jesus cai pela segunda vez), o desnível acentuado exigiu a construção de pequenos degraus inclinados nas próprias rampas. Ainda que os aspectos histórico e topográfico do local tenham tornado inevitáveis soluções desse tipo e que, em alguns lugares, manobrar cadeiras de rodas continue a  exigir habilidade e esforço,  95% da cidade está satisfatoriamente acessível.

As últimas quatro estações da Via Dolorosa ficam dentro da Basílica do Santo Sepulcro e representam o momento em que Jesus é despojado de suas roupas, é crucificado, morre, tem seu corpo retirado da cruz e é sepultado. Embora as entradas para a Basílica do Santo Sepulcro, bem como para o Muro das Lamentações e o Monte do Templo/Haram al-Sharif também tenham sido acessibilizadas, os locais em si são propriedade privada e não puderam ser modificados pelo projeto.

Realizado sob a liderança do Ministério do Patrimônio de Jerusalém,  em parceria com o Ministério do Turismo, o Município de Jerusalém, a Autoridade de Antiguidades de Israel, a Autoridade de Desenvolvimento de Jerusalém e a Corporação de Desenvolvimento de Jerusalém Oriental, o projeto Cidade Velha de Jerusalém Acessível também inclui um aplicativo de celular que, em nove idiomas, mapeia as rotas acessíveis dentro da Cidade Velha, tornando mais fácil para indivíduos, famílias e grupos escolherem seu trajeto.

Levando em conta que algumas coisas, como as grandes pedras do antigo pavimento romano, no Bairro Cristão, não puderam ser tocadas pelo projeto, e sem esquecer que a revisão da infraestrutura deve ser um processo contínuo, Nael Bader, cuja joalheria fica na Via Sacra, afirma que o local, “comparado ao que era, está excelente”.

Agora, não só cadeiras de rodas e carrinhos de bebê têm acesso, mas também ambulâncias, carros de bombeiros, caminhões de coleta de lixo e pequenos veículos elétricos, semelhantes a carrinhos de golfe, funcionam como táxis e transportam idosos e pessoas com deficiência a qualquer lugar.

Considerando as enormes dificuldades enfrentadas para que, finalmente, pessoas com deficiência e/ou mobilidade reduzida também pudessem usufruir da riqueza histórica, cultural e espiritual dessa que é uma das mais relevantes e sagradas cidades do mundo,  muitos diriam que o resultado é quase um pequeno milagre, em resposta às suas preces.

 

Notas:

[1] Jerusalem: Old but accessible? https://www.jpost.com/In-Jerusalem/Old-and-accessible-584889 e Via Dolorosa totalmente acessível em fase final de projeto de acessibilidade https://diariopcd.com.br/2022/04/24/via-dolorosa-totalmente-acessivel-em-fase-final-de-projeto-de-acessibilidade/

[2] Para saber mais, acesse este link.

 

 

Lia Crespo, para Vida Destra, 02/05/2022.                                                              Sigam-me no Twitter, vamos debater o meu artigo! @liacrespo

 

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Lia Crespo é militante jurássica do movimento das pessoas deficientes, jornalista, com doutorado em História Social, com a tese "Da invisibilidade à construção da própria cidadania. Os obstáculos, as estratégias e as conquistas do movimento social das pessoas com deficiência no Brasil, através das histórias de vida de seus líderes" (FFLCH/USP), e mestrado em Ciências da Comunicação, com a dissertação “Informação e Deformação: A imagem das pessoas com deficiência na mídia impressa” (ECA/USP). Autora dos livros infantis “Júlia e seus amigos” e “Uma nova amiga”, que tratam de deficiência e da importância da amizade para uma sociedade inclusiva.