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Comigo Ninguém Pode!

“Homens fortes criam tempos fáceis; tempos fáceis geram homens fracos; homens fracos criam tempos difíceis e tempos difíceis geram homens fortes”.

Provérbio Oriental

 

Dieffenbachia Seguine, ou mais conhecida como “Comigo Ninguém Pode”. É uma planta da família das Araceae, porém aqui, este nome nos dá boas e criativas metáforas para dizer o que se é necessário nestas poucas linhas.

Talvez nunca na humanidade tenhamos vivenciado uma geração tão vitimizada e acoitada em seus mais diversos queixumes, tristezas ora plausíveis ora com a profundidade de uma poça de água, mas que de igual forma são tão melindradas que qualquer motivo se justifica para começar uma causa apoteótica levantando direitos e bandeiras.

Mimimi, frescura, imaturidade, direito, reparação histórica, identitarismo… enfim… chame do que quiser, fato é que nossa sociedade se transformou num infindável lamento sociológico.

E aqui lá vamos nós com o título que nomeia este arquivo: Comigo ninguém pode! O tal do empoderamento deu uma força incompatível com a maioria das pessoas que articulam suas defesas nas ilhotas de seus descontentamentos personalizados.

Assim, grupos com pouca abordagem histórica, construção acadêmica questionável (vide as monografias apresentadas nas finalizações de curso), além de uma clara lavagem cerebral cruelmente massificada nos jovens estudantes, cimentando nos calabouços da história qualquer possibilidade do contraditório, dão assim, aparente credibilidade na figura de “filósofos”, “sociólogos”, “cientistas políticos”, e todo tipo de selo que justifique a superioridade de seus argumentos raivosos e belicosos. Estes grupos, como já apresentado, irresponsáveis com a força que carregam, conseguem arregimentar milhares de pessoas nas redes sociais. Nunca a estupidez ganhou caixas de som tão potentes.

Até aqui ficamos no blablablá das críticas, porém, carece velejar um pouco pela história do mundo e perceber que direitos justamente conquistados infelizmente viraram palco para um drama de dar inveja a qualquer tragédia do teatro helênico.

Então, dentre os tantos grupos descontentes e infelizes com o “péssimo mundo” por eles herdados, vamos escolher um e falar um pouco de escravidão?

Desde quando este lamentável verbete virou exclusividade de um povo ou de uma raça? Ora, voltemos na história das primeiras civilizações da mesopotâmia. Após as cidades sumérias, a Acádia, na figura do grande Sargão, criou o primeiro império da humanidade. As terras acadianas se estendiam do rio Eufrates até o rio Tigre na cordilheira de Zagros (onde hoje se localiza o Irã), e adivinhem: A Acádia escravizou o povo elanita e o povo amorita, além das cidades estados de Assur e Nínive, dentre outros povos nômades.

Logo depois com a ascensão do primeiro império Babilônico (paleobabilônico) e na sequência o império Assírio, tomaram cada qual ao seu tempo, toda a região já citada além da cordilheira de Taurus a oeste, descendo até as encostas da Síria, Líbano (antiga Fenícia) e Israel, chegando mesmo a conquistar o Egito. Estes povos também usavam a mão de obra escrava que era contada como ferramenta de desenvolvimento dessas civilizações.

– Mas isso tem mais de 5 mil anos, cara pálida. Não conta!

Tudo bem, então vamos seguir pela república romana e depois o império romano, já no ano de 27 a.c. até sua queda no ano de 476 d.c., e adivinhem: O império romano com sua política expansionista fez escravos ibéricos, celtas, cartagineses, eslavos, germânicos, trácios, de Antióquia, da Anatólia…

E não dá para dizer que o chicote romano era mais suave. De fato, era um estilo de vergasta que em uma de suas extremidades tinha preso um metal em forma de garra com três pontas bem afiadas que dilaceravam as costas dos escravos. Era costume também levar os condenados às galeras (navios com remos enormes que utilizavam da força humana para deslocar o imenso barco). Dizia-se na época que ao enviar um escravo para as galeras isso significava condená-lo a morte.

– Mas isso tem mais de 2 mil anos, cara pálida! Não conta!

Vamos subir na escada do tempo e chegar à menina dos olhos de muitos revolucionários de Iphone: a Rússia.

Não à toa a revolução bolchevique começou ali. Existem fatores históricos mais do que plausíveis para apresentar a Rússia como espaço ideal na formação de um espírito revolucionário. Um desses é a escravidão que, no caso do povo eslavo, era um tipo de servidão dolorosa que perdurou em praticamente toda a história dessa nação. Mas vamos nos ater à dinastia Romanov e, na sequência, à mão de ferro do regime comunista. A começar com o segundo imperador russo, Aleixo I (1645 – 1676), que instituiu a Servidão Humana colocando 80% da população russa numa condição análoga à escravidão. Outro Romanov que abusou de seu vasto poder foi Pedro I, O Grande, (1682 – 1725). O famoso Czar fundou a cidade de São Petersburgo (1703) e determinou que os charcos da região pantanosa seriam soterrados com as próprias mãos de seus servos (população russa) sem uso de ferramentas, num frio de mais de 20 graus Celsius negativos, e assim, mostrando a força de seu império. 25 mil ao mês foi o número de pessoas que pereceram na construção da cidade por conta das ações peculiares de seu monarca.

– Pois é! Está vendo? A revolução resolveu isso!

– Pois é… só que não.

Trotsky era conhecido como “O Carniceiro”. Ele recebera de Lenin a incumbência de montar o exército vermelho para confrontar o exército branco na guerra civil que se desenrolava nos anos 20 pós revolução. O mal preparado exército vermelho logo teve suas primeiras derrotas. Então, Trotsky ordenou o alistamento compulsório e se o servo não concordasse seria fuzilado. 9 milhões de russos serviram como escudo de contenção para deter o exército branco. Este foi o número de mortos que fez com que Liev Trotsky ganhasse a alcunha de “O Carniceiro”.

Lênin dizia que “Medo de assassinato era um fetiche burguês” já que era preciso fazer de tudo para concretizar a revolução. E, de fato, nesta toada, a revolução conseguiu um feito ao matar mais de 40 milhões de pessoas (em números bem conservadores) ao longo de todo o regime stalinista.

E se referimos a Stalin, ora… a escravidão ganhou contornos assustadoramente superlativos.

Nos gulags, milhões… repito: milhões de pessoas trabalhavam gratuitamente sob a égide de campos de trabalhos forçados para corrigir comportamentos equivocados. Quando Stalin fechou a fronteira da Ucrânia e obrigou os fazendeiros a cotas inconcebíveis (35% de aumento da produção, depois 65%, depois 92%, depois 170%) a população começou a passar fome. Justamente porque além de entregar toda a produção (100%) ainda ficavam devendo 70% para o estado soviético. Quando o proprietário não entregava a cota exigida, os grãos eram tomados em caráter de expropriação para o bem da revolução. No ano de 1933, o Holodomor foi o genocídio por fome de 8 milhões de ucranianos em regime de escravidão não oficial. Esse número assustador representava 83% da população do país. Para ocultar a quantidade de corpos, o governo russo (através do plano Proverca) negociava os mortos em troca de comida. Os cadáveres eram queimados e não registrados para diminuir o senso.

Curiosamente, o ano de 1933 foi um dos mais produtivos da década para o governo comunista russo quando 1 milhão e 800 mil toneladas de grãos foram “exportadas” da Ucrânia para a Rússia. Naturalmente, o leitor compreendeu que não houve excedente para negociação dos grãos produzidos pois fora literalmente confiscado, nem houve custo na remuneração dos trabalhadores, pois estes sequer comiam o que produziam.

Nos mais de 400 gulags (centros administrativos de campos de trabalho correcional) os chamados prisioneiros políticos, étnicos ou econômicos, também trabalhavam de graça para sustentar a propaganda soviética que alardeava o grande milagre revolucionário conseguindo “melhorar” os números da economia soviética.

Precisamos falar dos seis milhões de judeus mortos em trabalho escravo nos campos de concentração nazistas?

Precisamos falar dos outros 5 milhões de judeus resgatados pelo regime stalinista e que simplesmente foram realocados em gulags pós segunda grande guerra?

Precisamos falar dos milhares de negros escravizados cruelmente por séculos?

Precisamos falar dos escravos indígenas na América Espanhola?

Precisamos falar do povo Uigur na Ásia Central (China) e que até hoje trabalha em regime de escravidão nos campos de reeducação?

Ora, senhoras e senhores, a escravidão é algo participante do processo civilizatório. E de nenhuma forma… repito em caixa alta: NÃO HÁ COMO COMPACTUAR COM QUALQUER MÉTODO QUE LEVE ALGUÉM A ESCRAVIZAR OUTRO SER HUMANO. Entretanto, é necessário observar o passado com os olhos de uma humanidade forjada no peso da espada. Num passado em que trocar florzinhas por armas te condenaria à morte, ou muito menos mostrar os seios ou defecar na porta do senhor feudal levaria a algum resultado efetivo. Era conquistar ou ser conquistado.

E de fato, ainda somos assim, mas as espadas foram guardadas e as narrativas ficaram tão ou mais afiadas do que qualquer lâmina. Agora, o conquistador continua com o gosto do sangue do inimigo na boca, porém, com a arma de um calibre poderoso chamado narrativa, o agressor solfeja doces palavras no grande salão das redes sociais, mas limpa os dentes com a própria língua comprazendo-se com o sangue do inimigo derrotado por um engajado “cancelamento”.

Por fim, vivemos um período extremamente pequeno sem o conceito da escravidão. Para se ter uma ideia o último país a adotar oficialmente a abolição foi a Mauritânia, no Saara Ocidental, no dia 9 de novembro de 1981.

A humanidade ainda está aprendendo a conviver entre relações justas e proveitosas. É um caminho difícil, contudo possível e necessário. Precisamos entender que o passado ficou no passado e que reparações históricas são tão impossíveis quanto inviáveis para uma espécie que precisa se perdoar para seguir adiante.

Se seguirmos esta lógica, da mesma forma que devemos sistematicamente condenar os métodos revolucionários de comunistas, nazistas e fascistas, também torna-se questionável os financiamentos dos Estados Unidos para guerras que se perpetuaram no Vietnã, no Afeganistão e outros movimentos revolucionários planeta afora, contudo, guerras incentivadas e também financiadas pela “Teoria da Soberania Limitada” de Nikita Kruschev (ex-mandatário da extinta URSS). Ora, ainda assim, continua sendo história, com seus absurdos e seus acertos.

Se continuarmos nesse rancor sem medida, quantas outras culturas poderão pedir ressarcimento dos antepassados? Ao passo que, condenar homens e mulheres que sequer usavam latrina, nem escovavam os dentes ou usavam absorventes e levavam dias para cruzar apenas 50 quilômetros, sem comida e matando animais que encontrassem pelo caminho, mas que, segundo o revisionismo atual, deveriam guardar a compreensão necessária para uma relação justa e harmoniosa.

“Comigo Ninguém Pode” deveria ser apenas uma planta venenosa, mas se transformou em uma seiva perigosa que alastra rancor e sofrimento com um desejo primário de vingança, porém carregado de todas as belas palavras que fazem os novos “seres bons” dessa geração ébria bradar: igualdade e justiça.

Ninguém pode com uma sociedade com ódio. Ninguém pode seguir com tanto rancor e, ao mesmo tempo, olhar para frente querendo construir algo que realmente valha de nobre ou correto.

O ser humano, mesmo com todos os seus equívocos, carrega um desejo profundo de perpetuar-se, e para tal, quanto menos bagagem na mochila melhor e mais leve será a caminhada. Por isso, na medida das boas metáforas sugiro reconstruir este “Comigo ninguém pode”, pois a real tolerância, respeito por TODOS e o genuíno sentimento de construir é que dará à humanidade essa sensação forte de que nada poderá detê-la.

Crianças choram e esperneiam… adultos enxugam discretamente a lágrima no canto do olho, respiram fundo e seguem adiante. Como dito no começo deste artigo: “Homens fortes criam tempos fáceis; tempos fáceis geram homens fracos; homens fracos criam tempos difíceis e tempos difíceis geram homens fortes”.

 

 

Adriano Gilberti, para Vida Destra, 23/06/2021.                                                              Sigam-me no Twitter, vamos debater o meu artigo! @adrianogilberti

 

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1 COMMENTS

  1. Perfeito! Excelente análise!
    Escravidão não é “privilégio” de nenhum povo e de nenhuma raça, faz parte da (infeliz) história da nossa civilização. Foi um processo que já superamos, graças a Deus! Contudo, como bem pontuado acima por Adriano Gilberti, estamos sob o jugo de uma narrativa ideológica que nos escravida igualmente. Nesse sentido, hoje em dia, cada um, movido pela bandeira do “comigo ninguém pode” (metáfora brilhante do autor), quer reivindicar o “privilégio” do vitimismo e “cobrar” da sociedade a reparação do irreparável, ao invés de ir à luta e resgatar a dignidade civilizatória que nos faz ser quem conseguimos ser no mundo contemporâneo em que vivemos.
    Mais um texto primoroso deste colunista! Parabéns, Gilberti!

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Adriano Gilberti – C.O da Startup Transcender Studios. Comunicólogo, Relações Públicas, Cineasta, escritor e roteirista com diversos trabalhos no cinema e teatro. Autor dos livros “Cartas para Palavra” e “Necas de Pitibiriba”. Indicado como melhor ator longa metragem 2010 com o filme "Bem Próximo do Mal" pelo prêmio Sesc/Sated. Sua dramaturgia Belatriz recebeu três indicações no prêmio Usiminas/Sinparq.