Quem me acompanha aqui nesta coluna ou através do meu blog sabe que morei por mais de 24 anos no Japão. Ter vivido tanto tempo em outro país, com uma cultura e sociedade tão distintas das nossas, faz com que as comparações acabem se tornando naturais.
Hoje gostaria de tratar de forma breve da Suprema Corte do Japão, trazendo até vocês algumas informações básicas, que nos permitem algumas comparações com o nosso Supremo Tribunal Federal. Sempre deixo claro a todos que, como não sou da área do Direito, não pretendo tocar em pontos mais específicos ou aprofundados desta área.
A Suprema Corte do Japão, como existe hoje, foi estabelecida pela Constituição promulgada em 1947, e é a mais alta corte de Justiça do Japão, tendo a última palavra em questões cíveis, criminais, administrativas e também em relação às questões envolvendo a constitucionalidade. É formada por quinze membros (um presidente e catorze ministros), sendo estes divididos em três turmas. Semelhante ao que ocorre no Brasil, o presidente da Corte não participa de nenhuma das turmas.
Todos os membros são indicados pelo Gabinete, como é chamado o Executivo japonês, e o presidente precisa ter a sua indicação ratificada pelo imperador. A idade mínima exigida pela lei para ser indicado é de 40 anos, e o cargo é vitalício, com aposentadoria compulsória aos 70 anos. Porém, a média de idade dos indicados à Suprema Corte é de 62 anos. A cada dez anos os membros da Suprema Corte são submetidos à uma avaliação popular, e os eleitores podem, pelo voto, remover do cargo qualquer membro da Suprema Corte. Devido à maioria dos ministros ser indicada com idade superior a 60 anos, e como a aposentadoria compulsória ocorre aos 70 anos, poucos foram os juízes que passaram por tal avaliação, e nenhum foi reprovado até hoje.
Quanto às indicações, o Gabinete procura manter uma proporção de 30% dos membros oriundos das carreiras da magistratura, 30% do Ministério Público e da Advocacia, e o restante das vagas são direcionadas aos professores da área do Direito. Para ser indicado, além da idade mínima de 40 anos, o candidato deve ter comprovado saber jurídico e pelo menos dez anos de atuação em uma das áreas citadas, sendo que no caso da Advocacia serão considerados apenas aqueles que ocuparam cargos de presidentes ou vice-presidentes dos Conselhos de Classe (Ordem dos Advogados). Como o Gabinete já representa a maioria parlamentar, os indicados não passam por nenhuma sabatina ou aprovação do Parlamento. Como mencionei, apenas o presidente da Corte precisa ter a sua indicação aprovada, neste caso pelo imperador.
Diferentemente do que ocorre no Brasil, onde temos Cortes Superiores separadas para determinados assuntos (Superior Tribunal Militar, Tribunal Superior Eleitoral e Tribunal Superior do Trabalho), além do Superior Tribunal de Justiça, a Suprema Corte japonesa congrega em si todas estas responsabilidades. Vale destacar também que lá não há separação entre a justiça comum, a eleitoral e a trabalhista, com estruturas distintas como há aqui no Brasil. Além disso, a justiça japonesa possui apenas três instâncias, sendo a Suprema Corte a última instância de apelação.
Como o Japão possui estrutura judicial única, é de se imaginar que o volume de processos que passam pela Suprema Corte seja astronômico, mas não é o que ocorre. A média de processos analisados pela Suprema Corte japonesa está em torno dos dez mil anuais, muito abaixo do volume médio de processos analisados tanto pelo Supremo Tribunal Federal, como pelo Superior Tribunal de Justiça brasileiros.
Há vários motivos que justificam o baixo volume de ações em curso na justiça japonesa, mas o principal certamente é o fator cultural. Por exemplo, são raros os casos nos quais consumidores tiveram que entrar na justiça para terem os seus direitos respeitados. A relação entre empresas e clientes é simples: o cliente tem sempre razão, e as empresas se esforçam para resolver de forma rápida e com o menor transtorno possível ao cliente qualquer problema que surja, seja com produtos ou serviços. Esta mentalidade também faz com que as empresas ofereçam produtos e serviços de alta qualidade, diminuindo a possibilidade de problemas ou reclamações por parte dos consumidores.
Dois pontos que eu gostaria de destacar são: primeiro, a discrição dos ministros da Suprema Corte japonesa, que vivem e atuam de forma muito discreta. A maioria das pessoas desconhece quem são os ministros da Suprema Corte. O segundo ponto é a distância dos ministros de temas políticos. Segundo a visão japonesa, temas políticos devem ser debatidos e resolvidos na arena política, no caso do Japão, no Parlamento.
Ações de partidos políticos ou entidades da sociedade civil questionando a constitucionalidade de leis ou atos do Poder Legislativo, tão comuns aqui no Brasil, são inexistentes no Japão. O país adota um rígido controle dos textos aprovados pelo Legislativo, que devem ser analisados por uma comissão de assuntos legislativos, que tem a responsabilidade de garantir que as novas leis estejam de acordo com o arcabouço legal vigente e com o texto constitucional, antes de serem promulgadas. Desta forma, qualquer tipo de questionamento posterior quanto à constitucionalidade se torna inválido.
A meu ver, esta deveria ser a responsabilidade das Comissões de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados e do Senado Federal aqui no Brasil. Ao analisar e aprovar a admissibilidade de uma determinada matéria, deveriam acompanham a tramitação da mesma para garantir que o texto final aprovado pelo Congresso Nacional esteja de acordo com as leis e a Constituição, eliminando qualquer possibilidade de questionamento posterior, a não ser pelas próprias vias do Legislativo.
Enfim, amigos, espero que estas informações básicas possam ajudar a dar um vislumbre de como funciona a Suprema Corte japonesa, e que possam nos dar ideias para propor mudanças para o aperfeiçoamento do nosso sistema legal e do nosso Supremo Tribunal Federal, que há muito deixou de cumprir as suas funções básicas!
Não se esqueçam de deixar os seus comentários!
Um abraço a todos e até a próxima atualização!
Sander Souza (Conexão Japão), para Vida Destra, 26/11/2021.
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