Ia eu preparar meu almoço… Aqui, um parênteses: sim, sou eu que faço minhas tarefas domésticas. Não é machismo ou feminismo. É porque sou somente eu, então, se eu não faço, não há como essas tarefas se fazerem sozinhas. Portanto, quando estava iniciando essa atividade culinária, percebi que o meu feijão havia acabado. É, faltou organização. Mas, pelo menos, não posso levar bronca de mim mesmo. Daí, fui ao supermercado mais próximo para resolver esse problema. Mal sabia que estávamos diante de uma catástrofe.
Ao entrar no estabelecimento, tive um choque de irrealidade: o lugar estava lotado! Pessoas com três carrinhos cheios de compras, uns acoplados aos outros, parecendo uns trenzinhos. Pensei: que raio de liquidação é esta? Será que esse supermercado vai fechar? Que chato! Tão pertinho de casa, preços bons, mas é a vida.
Fui à prateleira para pegar o feijão, e a coitada estava devastada. Da marca de que gosto, nem sinal. Fui verificar um pacote solitário de uma marca desconhecida, único que havia sobrado, com pequenos arranhões, mas vivo. E, enquanto examinava se valia a pena levar, um tapinha leve bateu em meu ombro: “Oi, Verinha!” Que surpresa boa!”. Ela é minha amiga da roda de leitura.
Fui abraçá-la, e ela reagiu com força: “Não!” “O que houve, Vera?” “Não viu o protocolo? Por causa do corona? Cumprimentos, só de longe” “Ah! Ok!”
Nesse momento, vi que ela carregava, pendurado na bolsa, um frasco de álcool gel. Entendi a situação: o protocolo foi todo decorado pela minha amiga. Aproveitei para perguntar se ela conhecia aquele feijão. Ela disse: “Não compre esse, não, está todo quebrado. Homem é triste, mesmo!” “Olha o preconceito!” Respondi. “Eu compro de tal marca, mas, veja! Nem sinal” Ela foi até um dos dois carrinhos que estavam próximos e tirou, de uma pilha de uns 15 pacotes, um pacote da minha querida marca e me deu. Novinho, todos os grãos inteiros, parecia um milagre. “Leve este! Eu tenho muitos”.
A solidariedade é uma coisa muito legal! Perguntei, na minha ingenuidade: “por que tantos só pra você e sua filha?” Ela ficou surpresa: “meu Deus! Como você é desatento! Olhe em volta, todo mundo está sendo precavido contra as consequências do coronavírus!” E agora, o que fazer? Responder como eu realmente penso sobre isso ou ficar quieto para não entrar em uma discussão de difícil negociação?
Comecei: “Verinha, isso está muito exagerado, não podemos cair na lábia da mídia. Já sabemos que ela não informa mais, há muito. Tudo que ela passa está de acordo com algum interesse dela própria, de grupos, de terceiros, nunca é de interesse do povo.” E ela já impaciente: “lá vem! No campo político, pode até ser, mas no caso de saúde pública, desculpe, mas você está sendo neurótico.” “Neurótico, eu? Sou eu que estou carregando o supermercado pra casa e provocando, quem sabe, até uma hiperinflação?” Ela riu.
Recomecei: “Verinha, veja bem, não há necessidade disso. Podemos levar nossas vidas normalmente. Amanhã teremos a roda, podemos conversar, distrair. Naná (livro de Émile Zola) vai dar pano pra manga, vamos fechar aquele café. Os garçons terão que nos expulsar, pra variar.” Ela me olha com desânimo: “Você não viu no grupo? Foi adiado por tempo indeterminado.”
Compreendi naquele momento que eu havia subestimado o poder de que dispõe a podre mídia. Quando se trata de saúde e alguns outros assuntos sensíveis, o povo ainda a leva a sério. Uma lástima! Todos os assuntos, para a grande mídia do mundo todo, são direcionados para a política. Precisamos entender isso de vez. Se ela noticiar que o bombeiro salvou um gatinho preso na árvore, ela vai direcionar para exaltar a instituição Corpo de Bombeiros, ou para desacreditá-la, vai depender do governador daquele estado, se é queridinho do editor ou do dono daquele veículo de imprensa, ou não.
Bom, não vou desistir. Continuarei discutindo sobre esses assuntos que nos dizem respeito. Levo bordoada, ganho elogios, mas nada disso importa. O que tenho dito? O que importa é vivermos em um mundo melhor. Sempre estou com a razão? Não! Erro, volto atrás, repenso, leio mais, pesquiso mais e converso mais. Se for preciso usar máscara para conversar com alguns, que seja, mas jogar a toalha, jamais!
Gogol, para Vida Destra, 14/3/2.020.
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O pânico e a desinformação sapecada com política corrupta faz faltar feijão e papel higiênico. Bom texto, Gogol.