Nosso país está uma grande bagunça, assim pensava eu enquanto olhava as principais notícias do dia.
Eu esperava pela Gisele para o “encontro intergeracional”, como ela havia nomeado nossas conversas, mas quem chegou foi a Pity, bem ajustada dentro de um shortinho branco, camiseta e sandálias amarelas.
Me cumprimentou estendendo os punhos, o que nesta época de pandemia equivale a um abraço.
—A Gi está quase chegando, eu vim direto de casa.
—OK, respondi.
—Cara, você viu o que o Bolsonaro fez com a Petrobras? — ela perguntou.
—Se você se refere a troca do presidente da empresa, estou acompanhando sim.
—Por que, cara? Por que essa troca agora se o mandato do outro terminaria em menos de um mês?
—Bem, Pity, primeiro essa decisão é uma prerrogativa do chefe do executivo, depois o presidente está preocupado com a política de preços dos combustíveis, e para não interferir diretamente, como já foi feito em governos passados garroteando os preços; ele optou por um gestor talvez com melhor sensibilidade para a formação desses preços mediante redução de custos e redução de vazamentos gigantescos nos lucros da empresa.
—Tá, mas não poderia esperar mais um pouco e evitar essa queda massiva nas bolsas?
—Pity, eu acho que o Bolsonaro está olhando lá na frente e trabalhando para evitar uma greve dos caminhoneiros que se avizinha, e não pode esperar, inclusive porque o modal rodoviário é o principal do nosso país e de forma disparada, infelizmente; e a gente já conhece os efeitos desse tipo de paralisação.
Gisele chegou, vestida exatamente igual à Pity.
—E aí meu, tudo bem? Eu li o seu artigo “No fio da Navalha” no Vida Destra na sexta passada.
—Que legal que você leu. Gostou?
—Não.
—Não?
—Não. Por que? Tinha a obrigação de gostar?
—Claro que não, mas do que não gostou especificamente?
—De tudo, meu, você foi muito morno; não enquadrou os caras e não deixou claro como essa turma do STF erra, e de propósito. Não explicitou que a ditadura da toga está em formação no Brasil, e parece que já na fase de acabamento.
—Caramba, eu até pensei que tivesse feito isso. – Respondi.
—Não fez! Meu, nesse país quando se fala de partidos da esquerda e desse STF a gente não pode dar moleza; tem que rasgar; enfim, achei um artigo muito educadinho, soft.
A Pity interferiu – Não liga, cara, ela anda muito azeda ultimamente.
— Azeda nada, eu ando é revoltada com a corja de mamadores desse país, estão estrebuchando sem mais dinheiro caindo do céu, detonando o cortador de verbas, e o país que se dane, que se lasque.
—Gi conta pra ele do alemão.
—Bem lembrado, a gente tem um amigo na Alemanha e contei para ele que aqui no Brasil o presidente da república está tentando reduzir impostos federais sobre os combustíveis, e que está sendo interpelado pelo Ministério Público —Tribunal de Contas da União sobre o motivo dessa redução, e mais, se tinha previsão de compensação para as eventuais receitas que viessem a ser perdidas.
—Qual a reação dele? – perguntei.
—Ficou pasmo. Ele disse que por lá essa seria uma das atitudes mais valorizadas de um governo, e acho que no mundo todo, menos no país do esperneio criminoso. Ele ainda disse assim: — Inacreditável, um dos maiores problemas do seu país é uma carga tributária pesada; e quando o presidente rascunha uma redução, é questionado. É verdade isso?
—Aqui tem esperneio criminoso! – ela continuou.
—Esperneio criminoso? Essa eu ainda não tinha ouvido. – Pity comentou.
—Pity, quando o Lula foi eleito, quem era de direita esperneou, mas quietinhos, dentro das casas; o sujeito não foi impedido de governar. Ele ganhou e o país aceitou. Claro que oposição ocorreu, como seria de se esperar; mas o sujeito governou como queria.
—É verdade – foi tudo o que consegui dizer.
—Ele ganhou de novo, – ela continuou — aconteceu igual. Veio a tal de Dilma, duas vezes, e também tudo igual. A gente esperneava mesmo sem ter a noção exata do tamanho do saque institucional aos cofres do país. Chega o Bolsonaro, e o cara não alisa, vai logo cortando os desmandos, aí a corja não aguentou; mais do que espernear estão é estrebuchando.
—Gi para de reclamar. Sempre foi assim.
—Não, Pity, nunca foi. Nunca houve por aqui uma campanha tão insidiosa, tão volumosa, agressiva e destruidora; distorcem tudo esses valhacoutos.
—Valhacoutos?
—É, li essa palavra ontem em um livro.
—Na verdade, esse país está uma grande bagunça! – completou Gisele, e fiquei com a impressão de que ela havia lido meus pensamentos de antes de elas chegarem.
Paramos para um lanche, enquanto eu pensava: que bagunça está o nosso país!
Reginaldo Brito, para Vida Destra, 26/02/2021. Sigam-me no Twitter! Vamos debater o assunto! @Reginaldoescri1
Crédito da Imagem: Luiz Augusto @LuizJacoby
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Nesta infindável crônica de Gisele escrita por @Reginaldoescr1 relatando a bagunça que está o País, só posso dizer que lembro-me vagamente de ter utilizado um discurso de Márcio Moreira Alves, que chamou o exército de um “valhacouto de torturadores”, em meu último artigo. Qual o livro que Gisele encontrou esta palavra?
Olá, Luiz Antônio!
Realmente “Crônica da Gisele” tem a pretensão de gerar continuidade contrapondo as ideias da Gisele (conservadora) com as da Pity (esquerdista estudante da USP). Quanto ao termo “valhacouto” veio de um livro de Machado de Assis, salvo engano, de Memórias Póstumas de Brás Cubas.
Obrigado!