É possível a qualquer pessoa recorrer às Cortes Internacionais por violações de Direitos Humanos?
Em 19/07/2021, o advogado Ricardo Vasconcellos, procurador do jornalista Oswaldo Eustáquio, postou no Twitter que a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA), recebeu o pedido de indiciamento do ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal (STF).
Igualmente, o “corajoso” advogado, o Dr. Paulo Faria, ex-representante do Deputado Federal Daniel Silveira, ingressou, em 10.07.2021, com uma representação criminal perante à CIDH, com pedido de prisão em flagrante por crime inafiançável de tortura do ministro do STF, Alexandre de Moraes. Tal representação também foi endereçada à Procuradoria Geral da República.
Também, em 2020, foi endereçada à CIDH, bem como ao Tribunal Internacional de Haia, aquela que foi autodenominada “A maior Ação do Mundo”, coordenada pelo advogado Emerson Grigollette, um dos representantes do Movimento de Advogados do Brasil, que consiste no envio de denúncias e relatos aos órgãos internacionais contra violações dos direitos fundamentais humanos e ofensas aos direitos dos advogados, em específico ao direito de ampla defesa e contraditório no Inquérito das Fake News, inventado pelo STF.
Para efeito da análise, se tais denúncias serão recebidas por organismos internacionais e terão força jurídica e vinculante de cumprimento obrigatório, torna-se necessário, a priori, explicar o Sistema Regional de Proteção de Direitos Humanos, especificamente ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos, sabendo que existe o Sistema Global de Direitos Humanos, o qual abarca o Tribunal Penal Internacional de Haia, em que foram arquivadas todas as denúncias por supostos crimes contra a humanidade por parte do presidente Bolsonaro.
Segundo o livro Direitos Humanos e Direito Constitucional Internacional, de autoria de Flavia Piovesan — membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA —, da editora Saraiva, 18a. Edição, o Sistema Interamericano tem como principal instrumento a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, que estabelece a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
A Convenção Interamericana de Direitos Humanos, nada mais é que o Pacto de São José da Costa Rica, que trata da proteção dos direitos humanos e, quando em colisão com normas infraconstitucionais teve seu status definido como norma supralegal — na Pirâmide de Kelsen, ficaria abaixo da Constituição Federal e acima das Leis —, ficando o Brasil obrigado ao seu cumprimento com o depósito da carta de adesão na OEA, em 25.09.1992, conforme Decreto no 678, de 6.11.1992.
Quando confrontados o sistema global e o sistema regional para proteção dos direitos humanos, não são necessariamente incompatíveis, são úteis e complementares. Nesse sentido, leciona Antonio Augusto Cançado Trindade, o critério da primazia da norma mais favorável às pessoas protegidas, cabendo ao indivíduo a escolha do sistema de proteção dos seus direitos. A título de exemplo, o direito a não ser submetido à tortura é, concomitantemente, enunciado pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 7o), pela Convenção Americana (art. 5o) ou pela Convenção Interamericana para Prevenir a Tortura.
De acordo com os artigos 1o e 2o da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, diante do rol de direitos assegurados, cabe ao Estado-parte a obrigação de respeitar e assegurar o livre e pleno exercício desses direitos e liberdades, sem qualquer discriminação. Devendo, ainda, adotar todas as medidas legislativas e outras de natureza que sejam necessárias para conferir a efetividade aos direitos e liberdades enunciados.
A Convenção Americana estabelece um aparato de monitoramento e implementação de direitos que enuncia. Este aparato é integrado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos e pela Corte Interamericana.
Conforme o artigo 44 da Convenção Americana, compete à Comissão Interamericana receber petições de qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade não governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados-Membros da Organização (grifo meu), que contenham denúncias ou queixas de violação desta Convenção por um Estado-Parte. Fica logicamente excluído de qualquer direito à petição, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), por ausência de legitimidade.
A Comissão Interamericana prevê várias fases até o envio à Corte Interamericana, quais sejam: a) o recebimento da denúncia; b) análise preliminar; c) solução amistosa; e d) conclusões e recomendações.
Na primeira fase, a Comissão analisará os requisitos de admissibilidade da petição, que se encontram previstos no artigo 46 da Convenção: o esgotamento de recursos internos, salvo no caso de injustificada demora processual, ou no caso da legislação doméstica não prover o devido processo legal; e a inexistência de litispendência internacional — existência da mesma demanda em outra instância internacional.
Quanto ao primeiro requisito, o esgotamento de recursos internos, verifica-se de pronto, que há um inquérito ilegal (FAKE NEWS ou ATOS ANTIDEMOCRÁTICOS) em que os advogados não tem acesso aos autos, situação que oportunizaria o recebimento pela Comissão da denúncia ao Estado-parte por não ter permitido ao presumido prejudicado acesso aos seus direitos, ou seja, o devido processo legal.
Assevera Cançado Trindade quanto ao esgotamento dos recursos internos: “Como se sabe, estamos diante de uma regra do Direito Internacional em virtude da qual se deve dar ao Estado a oportunidade de reparar um suposto dano no âmbito de seu próprio ordenamento jurídico interno, antes de que se possa invocar sua responsabilidade internacional”.
Reconhecendo a admissibilidade da petição, serão solicitadas informações ao Estado-parte para observância do contraditório. Recebidas as informações do Governo, ou transcorrido o prazo, a Comissão verifica se existem ou subsistem os motivos da petição. Na hipótese de não existirem ou não subsistirem, a Comissão manda arquivar o expediente.
Contudo, se persistirem os fatos, a Comissão realizará uma investigação dos fatos, buscando uma solução amistosa entre as partes — denunciante e Estado. Se alcançada a solução amistosa, a Comissão elaborará um informe que será transmitido ao peticionário, sendo comunicado posteriormente à Secretaria da OEA para publicação.
Caso contrário, a Comissão redigirá um relatório com a decisão aprovada pela maioria absoluta de seus membros, apresentando os fatos e as conclusões pertinentes e, as recomendações ao Estado-parte. Importante registrar que, esta terceira fase do procedimento é mandatório e deve conter as conclusões da Comissão indicando se o Estado-parte violou ou não a Convenção Americana.
Afim de obter o cumprimento da terceira fase, a Comissão disponibiliza um prazo de 3 (três) meses para conferir o cumprimento das recomendações da Comissão pelo Estado-parte. Durante esse período de três meses, o caso pode ser solucionado pelas partes ou encaminhado à CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS.
Se vencido esse prazo sem cumprimento das recomendações pelo Estado-parte, contados da data da remessa do relatório ao denunciado, o caso será encaminhado à apreciação da Corte Interamericana, que é órgão jurisdicional desse sistema regional de proteção de direitos humanos. Apenas a Comissão Interamericana e os Estados-partes podem submeter um caso à Corte Interamericana, não estando prevista a legitimação do indivíduo, nos termos do artigo 61 da Convenção. (grifo meu).
Desta forma, fica descartado qualquer hipótese de um advogado ou um grupo de pessoas submeter uma denúncia à Corte, ainda mais que existe uma fase burocrática na Comissão Interamericana que pode entender que não preencheu os requisitos de admissibilidade da petição.
Não sei se a a Dra. Mayara Pinheiro, Secretária de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde, que teve os seus dados vazados pela CPI da COVID, em total descumprimento da decisão quanto ao sigilo determinada pelo STF, terá seu recurso recebido pela Comissão Interamericana. Vejam que a Doutora peticionou corretamente, mas não sei se será atendida.
Por fim, se nem o Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos amparou o Deputado Daniel Silveira e o jornalista Oswaldo Eustáquio no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, nem possivelmente uma Corte Internacional, com muita reza, os protegerão!
Luiz Antônio Santa Ritta, para Vida Destra, 28/07/2021.
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