Imaginemos Londres na Segunda Guerra Mundial. De repente, soa o alarme e todos correm e se trancam em suas casas ou abrigos. Passado o susto ou o bombardeio, saem meio atordoados e retomam suas atividades, seja voltando ao balcão da loja, seja revirando escombros à procura de tudo – de lembranças a corpos. É preciso agir rapidamente porque o toque de recolher soará implacavelmente ao anoitecer. Na noite mal iluminada, todas as cortinas grossas e escuras estão fechadas. Nenhum fio de luz pode passar pela janela. É proibido. E é para a segurança de cada cidadão. Não obedecer pode significar prisão ou coisa pior. Nas ruas, perambulam policiais e soldados atentos ao menor ruído, e se encontram algum distraído que resolveu burlar o toque de recolher ou estava tão bêbado que sequer se deu conta do horário, uma cela o espera. Nem todos os lugares estão acessíveis; para entrar em uns e outros, é preciso ter os papéis certos e atualizados. Também não é tudo o que se pode comprar, ao menos não tudo o que o cidadão gostaria, mas somente o que o governo considerou essencial – obviamente, sempre pensando na segurança e na saúde de seus cidadãos. Afinal, são tempos sombrios.
Retire o cenário de guerra e mantenha as medidas de segurança. Isso lembra alguma coisa recente? (Por favor, mantenha também o senso de proporção e não contra-argumente com as cortinas.)
Outro cenário. Desta vez, um país em turbulência social. Sempre pensando no bem de seus cidadãos, o governo decide tomar medidas duras para pacificar o país polarizado. Convoca o exército e envia soldados e tanques para as portas das assembleias legislativas, especialmente o congresso nacional. Sem se preocupar com obras de arte ou objetos de valor, a força armada entra truculentamente, prende todos os que encontra pela frente e lacra as portas dos edifícios. Ato contínuo, saem em busca dos jornais e rádios desobedientes, que incitam a discórdia. É essencial pará-los.
Não retire o cenário e se questione: é assim que você acha que um congresso é fechado?
Estas cenas já foram eventos da vida real, e a chave de leitura está no tempo verbal: foram! Passado. Sendo passado, são memórias. E memórias sedimentam o nosso imaginário. Então, quando no presente as coisas não acontecem exatamente como a nossa memória nos diz que deveriam acontecer para se chegar a um determinado resultado, não enxergamos a deflagração de uma guerra nem o fechamento de um congresso legislativo. Porque não há bombardeios, não há invasão de soldados e tanques, nenhuma porta foi lacrada.
No entanto, fomos trancafiados em nossas casas, proibidos de ir e vir, de trabalhar, de transitar sem focinheira, de comprar o que queríamos porque só podíamos adquirir os itens que o governador escolhera para nossas compras. Fomos obrigados a apresentar papéis para poder entrar em lugares e frequentar outros. Fomos algemados porque estávamos na praça ou na praia. NEM UM ÚNICO TIRO, e tudo isso aconteceu. NEM UM ÚNICO TIRO, e persiste a ameaça de acontecer de novo.
Assim como as armas de fogo substituíram as espadas e os sabres no fazer a guerra, os vírus substituíram as balas e as bombas. E a guerra foi deflagrada. E você sequer percebeu. Sequer percebeu, inclusive, que a arma mais poderosa não estava nas mãos dos senhores da guerra e, sim, em você mesmo. Seu MEDO é o tiro que você não ouviu, é o bombardeio que deixou você em meio aos escombros de uma vida sem contato com familiares e amigos, sem emprego, sem ESCOLHA, sem voz.
Sempre seguindo a trilha da dominação, os senhores da guerra apontaram seus novos canhões para os pilares da democracia – nem de longe o melhor regime político, mas, com certeza, o menos pior. O Congresso brasileiro já foi fechado. Parece que não porque, afinal, ninguém foi preso, nenhum jornal foi fechado, nenhum político foi cassado, portas não foram lacradas, as leis estão vigentes. Não, espere! HÁ PRESOS POLÍTICOS: um deputado federal, um presidente de partido, vários jornalistas, um ex-ministro, um militar da ativa, um índio diabético, um humorista, milhares de afegãos médios – todos ilegalmente ou inconstitucionalmente, quando não, os dois. JORNAIS FORAM FECHADOS E JORNALISTAS, CALADOS: Terça Livre – do Allan dos Santos, que está exilado sem crime nem condenação; canal Te Atualizei – da Bárbara, cujos vídeos foram banidos das redes sociais e cuja remuneração foi confiscada; TV Piauí, que foi sumariamente retirada do ar; Paulo Figueiredo, Fiuza, Rodrigo Constantino e… carregando…!!!
SEM UM ÚNICO SOLDADO, sem tanques nem armas, sem qualquer ato institucional. Somente canetas. A máxima dos tiranos é sempre a mesma, seja na Roma Antiga, seja no Brasil de 2023: você pode falar, desde que você fale o que eu quero ou gosto. Ouse falar fora desse script e eu calarei você com inquéritos, com prisão, com cassação, com busca e apreensão na sua casa e na casa da sua mãe e na casa da sua irmã, com o confisco de seus bens e propriedades, com multas estratosféricas, com o que a minha caneta quiser. Vá ao Congresso como você sempre foi, finja que está trabalhando pelo país, proponha nomes de ruas ou museus, fique atento às minhas ordens, e tudo ficará bem para você. Sua vida será um céu de brigadeiro. Faça diferente e o inferno se levantará.
Isso é Congresso aberto e funcional? Não, não é. Isso é um Congresso fechado. Isso é um povo amordaçado porque seus representantes eleitos (será???) estão silenciados. Isso é um país à deriva porque suas leis existem, mas não vigem.
Ainda há uma saída de emergência, mas, para vê-la, há que se tirar a venda dos olhos. O mundo está em guerra e a arma deles somos nós e o nosso medo. O Congresso brasileiro foi fechado, e se nada fizermos, o que inclui principalmente os políticos que ainda lá estão, não haverá saída de emergência. As escolhas fazem do homem um Homem… ou um rato. Escolhas.
Telma Regina Matheus, para Vida Destra, 19/05/2023. Sigam-me no Twitter, vamos debater o meu artigo! @TRMatheus
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Excelente! É um alívio ler um texto tão bem construído, inteligente, objetivo, direto. Felizmente ainda temos alguns jornalistas honrados. Parabéns, Telma! Subscrevo cada uma das suas palavras.
Excelente artigo! Quando foi instalada a constituinte em 1987 a minha maior preocupação era a criação de arapucas jurídicas baseadas em leis humanitárias e foi uma farsa bem montada. Somos hoje o único país do mundo a ter tribunais em todas as especialidades do direito que culminou no poder absoluto à suprema corte que investiga, legisla e julga com sofisticação de detalhes, todavia a margem da constituição “cidadã”, um eufemismo bem próprio do pensamento socialista. Deus Salve o Brasil!