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História infantil: As aventuras de Nando The Cat – Parte I

Em maio passado a parceria entre a revista digital Vida Destra e a jornalista, escritora e ativista dos direitos das pessoas com deficiência Lia Crespo completou um ano. Em comemoração ao primeiro aniversário desta honrosa parceria, estaremos publicando a partir de hoje o livro infantil “As aventuras de Nando the Cat”, de autoria da Lia.

O conteúdo será dividido em três partes e publicado nas tardes de sábado, e será a primeira publicação da revista Vida Destra voltada ao público infantil.

Agradecemos imensamente à Lia Crespo pela parceria que muitos nos honra e por disponibilizar o seu livro ao nosso público! 

Apreciem!

A inspiração para escrever “As aventuras de Nando The Cat, o gatinho amarelo com um rabo curto”

 

Em maio, fez um ano que, a cada 15 dias, venho escrevendo, nesta revista virtual, um artigo sobre o tema da deficiência, condição que marca minha vida pessoal, acadêmica, profissional e artística. Tem sido um prazer, mas, também, por vezes, um desafio estressante. Por isso, resolvi fazer uma pausa nesse compromisso quinzenal e escrever esporadicamente, quando algum assunto pular sobre mim.

Para comemorar o aniversário da nossa parceria, a Vida Destra e eu decidimos dar um presente diferente a vocês, nossos queridos leitores. Vamos oferecer, a partir de hoje, em três partes (para fazer um pouco de suspense), o conteúdo de meu livro infantil “As aventuras de Nando The Cat, o gatinho amarelo de rabo curto”.[1]

Vocês, leitores da Vida Destra, conhecem o Nando e sabem que ele é um gatinho muito carismático. Ele tem um perfil no Twitter e até já ganhou um abraço virtual de Guilherme Fiuza (@GFiuza_Oficial), do programa “Os Pingos Nos Is”.[2]

Mas — vocês devem estar se perguntando — por que escrever uma história inspirada num gato?

Tudo começou quando me interessei em adotar um irmãozinho para minha gatinha Mismônia Yelena Bolt, mais conhecida — tanto por vizinhos, como por técnicos da NET e veterinários em geral — como “Mimi, aquela jaguatirica”. (Mimi merece uma história só dela, mas, isso vai ter de ficar para outra vez.)

Esta é Mimizinha, minha jaguatirica Esta é a primeira foto do Nando.

 

A moça da organização Adote Um Gatinho me disse que tinha resgatado o gatinho perfeito. Era Nando, o gatinho amarelo-alaranjado que estava se recuperando de uma cirurgia porque tinha sido atacado por um cachorro, na escola onde vivia. Ela me disse que, se havia algum gatinho que conseguiria conviver com minha jaguatirica mirim, esse era o Nando. Apesar de ter passado por maus bocados, ele continuava sendo adorável, dengoso e alegre. Ela me perguntou se eu me importava pelo fato de Nando ter um rabinho curto. É claro que eu disse que não me importava!

Quando Mimi olhou para ele, ainda dentro da caixa de transporte, deu um berro horrorizado. Foi quando percebemos que toda sua agressividade era apenas medo. Fizemos de tudo para que Mimizinha o aceitasse, mas, tudo o que conseguimos é que ela apenas o tolere.

Ele, ao contrário, a adora. Vive tentado brincar e gosta de arreliar com ela. Às vezes, ele só se senta diante dela e fica olhando. Se Mimi se sente encurralada, começa a grunhir, latir e riscar fósforo. Nando só continua olhando. Nessas ocasiões, temos de ir lá e tirá-lo de perto.

Ele adora pegar a Mimi de surpresa. Esconde-se atrás de uma porta, faz a pose típica de tocaia e ataque, com as patas da frente abaixadas e a bundinha levantada. Dá aquela reboladinha charmosa e pula na frente dela. Quando Mimi revida, ele corre fazendo de conta que está com medo, para, em seguida, aprontar de novo. Acaba sempre levando uma patada, mas nunca desiste.

Sei que Nando só finge ter medo da Mimi, porque ele não teme nada (bem, exceto, vassouras, pois, talvez, tenha sido perseguido por uma, lá na escola onde morava). Por exemplo, Nando jamais fugiu do Gatão, que morou conosco algum tempo e tinha o dobro do tamanho dele. Quando não estava trancado no quarto, Nando estava apanhando do Gatão, mas nunca fugiu do valentão! (Na verdade, o Gatão era um amor, mas, tal como Mimi, era um daqueles gatos que não aceitam dividir o espaço e têm de ser filhos únicos.)

Nando gosta de conversar e cantar. Seu talento especial é fazer um miado bem alto e bem comprido, engrossando a voz. Prefere fazer isso bem de manhãzinha, para nosso deleite. #SQN

 

Nando adora programa político, curte tênis e é trekker fanático

Assiste a TV comigo e me faz companhia. De manhã, quando percebe que estou acordada, mas, ainda de olhos fechados, ele coloca a cabeça debaixo da minha mão, em busca de um cafuné. À noite, vem para minha cama bem de mansinho, se enrola, e fica bem juntinho de mim.

Ao contrário do senso comum, especialistas dizem que os gatos reconhecem, sim, quando são chamados por seus nomes, mas, só atendem quando querem. Nando não só sabe seu nome, como também é atencioso o suficiente para vir ver o que eu quero, quando o chamo.

Está sempre me chamando para brincar e oferecendo sua barriguinha gostosa para que eu lhe faça cócegas. Quando acha que estou há muito tempo no computador, ele se deita no teclado. Frequentemente disputa comigo a posse da cadeira de rodas. Está sempre a meu lado ou sobre mim. Mas, sua especialidade é invadir lives.

Reina sobre mim

Nando é muito inteligente, divertido, brincalhão, charmoso, corajoso e excelente anfitrião. Ao contrário da Mimi e do Gatão, Nando curte outros gatos e ama a companhia de pessoas. Ele adora dar boas-vindas para as visitas, recebendo-as à porta, pulando no colo  delas e concedendo-lhes a oportunidade de acariciar seu pelo sedoso.

Então, agora vocês sabem que, na vida real, Nando The Cat é um gato muito charmoso. Mas, também decidi escrever uma história inspirada nele porque, sempre que sou convidada a conversar com alunos, cujas professoras adotaram meu outro livro infantil, o “Júlia e seus amigos”, as crianças frequentemente me perguntam qual a próxima história que vou contar.

Lia Crespo e a personagem Júlia com alunos e professores de Igaraçu do Tietê, SP.

Quando dizia a elas que tenho um gatinho chamado Nando e que pensava em escrever sobre ele, as crianças adoravam essa ideia.  Portanto, há algum tempo vinha pensando nisso.

Mas, a história não vinha. Faltava uma fagulha. Uma inspiração.

Até que um dia, assistindo à aula do publicitário e humorista José Luiz Martins (@zeluizmartins) sobre as 12 etapas da Jornada do Herói, conforme propõe Joseph Campbell, o mote da história me veio. Afinal, considerando sua personalidade única, é claro que Nando é um herói clássico!

A partir daí foi só deixar a imaginação voar. Eis aqui o resultado. Acho que é uma história que pode ser apreciada por crianças dos 8 aos 80 anos. Espero que gostem.

 

As aventuras de Nando The Cat, o gatinho amarelo com um rabo curto – Parte 1

 

Nando The Cat é um gatinho amarelo com um rabinho curto. Ele mora numa escola infantil e sua função é caçar ratos. Todos os dias, a merendeira da escola lhe dá um pouco da comida que prepara para os alunos e sempre coloca água fresca ou  leite numa latinha para ele. Às vezes, ganha até pedacinhos de carne.

Além disso, ele sempre fica muito alerta na hora do recreio, quando consegue pequenos bocados de salsicha e outras guloseimas que as crianças deixam cair no chão. Para fazer jus à comida e ao abrigo, de vez em quando, Nando finge caçar um ratinho, o Mickey, de quem, na verdade, é amigo.

As professoras permitem que ele assista a todas as aulas que quiser. O gato pode ficar na sua própria carteira, na primeira fila, ou no colo de uma das crianças. Sua favorita é Júlia, que usa cadeira de rodas, porque, no colo dela, ele pode ficar sossegado, mesmo quando ela vai apontar um lápis na lixeira ou resolver um problema de matemática na lousa.  No colo de Júlia, Nando assiste às aulas e passeia de carona pelo pátio na hora do recreio.

Quando não está dormindo, o felino presta muita atenção aos ensinamentos da professora, por isso, aprendeu a ler e virou um frequentador assíduo da biblioteca da escola, onde a bibliotecária preparou uma caminha para ele. É só uma caixa de papelão com  uma almofada dentro, mas é macia e quentinha.

Durante a noite, quando a escola está vazia, ele acende o pequeno abajur que fica em cima da mesa da bibliotecária e escolhe um livro para ler.

Foi nos livros que Nando ficou sabendo (e achou que era muito natural) que os egípcios adorassem os gatos como se fossem deuses e que, quando morriam, os felinos eram mumificados com o mesmo cuidado dedicado ao corpo de um faraó. Desde que descobriu isso, Nando é fascinado pela história do Antigo Egito e lê tudo o que pode sobre o assunto.

Nando também leu tudo sobre Nelson, o gato responsável por diminuir o estresse do primeiro-ministro da Inglaterra, Winston Churchill, durante a Segunda Guerra Mundial, que aconteceu no século passado, entre os anos de 1939 e 1945. Nelson foi um bom companheiro e confortou Churchill, nos piores momentos da guerra. “Só mesmo um gato para assumir essa tarefa tão importante!”, pensava Nando The Cat.

Nando também descobriu que, hoje, o “caçador de ratos oficial” do governo britânico é Larry, o gato que mora no número 10 da rua Downing, em Londres, a residência oficial do atual primeiro-ministro inglês, um tal de Boris Johnson, de quem Larry vive roubando as cenas. Nando The Cat (@nando_bolt) segue Larry The Cat (@Number10cat) no Twitter. (Surpreso? Não deveria. É claro que Nando tem acesso ao computador da biblioteca.)

Além de assistir às aulas, ler e “perseguir” Mickey, grande parte do tempo de Nando é dedicada a fugir de crianças chatas que interrompem seu repouso. Por isso, seu sonho é ser adotado, ter uma família só para ele e poder dormir em paz as 16 horas diárias de sono a que todo gato tem direito.

Uma vez, quase aconteceu. Um garotinho se apaixonou por ele, lá na feira de adoção. Mas, a mãe do menino, quando viu o rabinho curto, disse: “Esse não. Ele tem o rabinho defeituoso.” Foi nesse dia que Nando entendeu por que os outros gatinhos eram escolhidos e ele sempre era colocado de volta na gaiola. O gato concluiu que nunca seria adotado e, então, decidiu fugir na primeira oportunidade que aparecesse. E foi assim que ele acabou naquela escola.

Considerando os desconfortos e perigos que os gatos de rua enfrentam, Nando  acha que sua vida é bem satisfatória. Todo mundo sabe que os gatos adoram controlar o ambiente e manter inalterada sua rotina.  Nando está tranquilo porque novidades nunca acontecem e ele sabe como reagir em todas as ocasiões porque seus dias são todos iguais.

Bem, pelo menos, era assim que Nando se sentia até aquela fatídica noite em que dormia em sua caixinha na biblioteca, quando, por volta das 10 horas da noite, o silêncio da escola vazia foi interrompido pelo barulho de vidro quebrando. Crash! Nando levantou a cabeça, rodou as orelhas e identificou exatamente de onde vinha o ruído: da sala da Diretora, onde havia uma janela bem grande.

De repente, o barulho aumentou e se espalhou por toda a parte. Coisas eram atiradas ao chão e móveis eram arrastados. Homens riam e conversavam, enquanto iam quebrando tudo. Nando se escondeu atrás de uma estante de livros e ficou ali, bem quieto e encolhidinho, até que tudo acabou. O que poderia fazer? “Sou só um gatinho”, pensou ele.

Pela manhã, Nando viu o estrago: levaram os computadores e a televisão, quebraram carteiras e espalharam material escolar e mantimentos pelo chão.

A Diretora, a merendeira, a bibliotecária e as professoras choravam, enquanto recolhiam as coisas e varriam o chão.

A escola tinha acolhido as famílias que moravam na vizinhança durante as situações mais difíceis. Então, ninguém entendia a maldade dessa invasão destrutiva. Que coisa mais triste! “Por que fizeram isso?”, perguntavam a todo momento.

A Diretora estava muito irritada:

— Isso não pode acontecer de novo! Vou contratar uma empresa que aluga cães de guarda. (Você não sabia? Existe isso, sim!) Vou pedir um cachorro bem grande e feroz! Ele vai botar esses vagabundos para correr, se tentarem entrar aqui de novo!, esbravejou a mulher.

Dito e feito. No dia seguinte, os homens começaram a construir o canil no estacionamento onde os professores guardavam seus carros.

Nando acompanhou todo o trabalho. O canil media nove metros quadrados e ocupava um canto do terreno, de modo a aproveitar como paredes dois dos muros altos que, em ângulo reto, separavam a escola da favela, onde moravam muitos dos alunos. As outras duas “paredes” eram feitas de treliça de aço galvanizado, isto é, pareciam frágeis, mas, eram bem fortes! A porta,  também de treliça, era trancada com um enorme cadeado.

Quando colocaram dentro do canil uma casinha de cachorro de tamanho avantajado, Nando soube que aquilo só podia representar problemas. Na hora em que pregaram uma plaquinha de metal com os dizeres: “Nome: Basker Villes. Raça:  Pastor Alemão. Habilidades:  treinado em obediência, guarda e proteção”, Nando falou para si mesmo:

— Isso não vai dar certo…

No dia seguinte a fera chegou. Basker era majestoso, elegante, olhar astuto. Era enorme! Nando, que mal podia olhar para ele sem tremer, se encolheu, saiu de fininho e se escondeu em sua caixinha na biblioteca. A Diretora tinha explicado a todo mundo que, durante o dia, o cão ficaria bem longe das crianças, bem-guardado no canil trancado a cadeado. Seria solto somente à noite, quando a escola estivesse vazia.

“Enquanto eu estiver dentro da escola fechada, tudo bem. Mas, e se precisar sair para usar a areia?

Isso vai complicar muito minha vida”, pensou Nando. “Talvez esteja na hora de me mudar”, concluiu.

Uma semana se passou sem nenhum incidente. Tudo correu tão bem que Nando parou de se preocupar com Basker. Até o dia em que, no colo de Júlia, onde dormia sossegado, ele acordou e se viu cara a cara com o monstro latindo, babando e se atirando contra a porta da sua jaula. Nando ficou paralisado de pavor e se perguntou: “Como e por que Júlia tinha ido até lá, tão longe do pátio do recreio? Como ninguém a impediu?!” Felizmente, no minuto seguinte, surgiu uma professora desesperada que, imediatamente, agarrou a cadeira de rodas de Júlia e a levou para bem longe dali.

Mais tarde, ele ficou sabendo por que Julia tinha ido até o canil. As crianças tinham tirado no palitinho para saber quem iria ver como era o famoso cão de guarda da escola de quem todos falavam, mas ninguém tinha visto. Júlia tinha sido a sorteada e aceitado o desafio. Os colegas duvidaram que tivesse coragem. Mas, isso só fez com que ela ficasse mais determinada. E deu no que deu.

Nando também ficou sabendo por Mickey que Basker tinha ficado fascinado por Júlia ou, mais precisamente, pela cadeira de rodas dela. O rato, que Nando fingia perseguir, para deleite da Diretora, explicou que —  na cabeça de Basker – aquela coisa com rodas parecia ser muito ameaçadora e, por isso, a fera tinha decido  destruí-la com próprios dentes.

Júlia estava em perigo!

 

Continua…

[1] Versão digital do livro As aventuras de Nando the Cat  disponível na Amazon.

[2] No perfil de @liacrespo no Twitter

 

 

Lia Crespo, para Vida Destra, 18/06/2022.                                                              Sigam-me no Twitter, vamos debater o meu artigo! @liacrespo

 

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Lia Crespo é militante jurássica do movimento das pessoas deficientes, jornalista, com doutorado em História Social, com a tese "Da invisibilidade à construção da própria cidadania. Os obstáculos, as estratégias e as conquistas do movimento social das pessoas com deficiência no Brasil, através das histórias de vida de seus líderes" (FFLCH/USP), e mestrado em Ciências da Comunicação, com a dissertação “Informação e Deformação: A imagem das pessoas com deficiência na mídia impressa” (ECA/USP). Autora dos livros infantis “Júlia e seus amigos” e “Uma nova amiga”, que tratam de deficiência e da importância da amizade para uma sociedade inclusiva.