Prezados leitores:
Seguimos com o nosso compromisso de trazer até vocês, todos os sábados, artigos sobre temas relevantes, publicados pela imprensa internacional, e traduzidos pela nossa colaboradora, a jornalista e tradutora profissional Telma Regina Matheus. Apreciem!
Italianos infligiram outro golpe no establishment
Giorgia Meloni não é uma ameaça à democracia italiana – a União Europeia, sim.
Fonte: Spiked Online
Título original: Italians have dealt another blow to the establishment
Link para a matéria original: aqui!
Publicado em 26 de setembro de 2022
Autor: Tom Slatter
E eu que pensei que a insurreição populista tinha acabado. Afinal, as elites neoliberais disseram que acabara. Elas decretam a morte do populismo a cada seis meses, mais ou menos – aparentemente convencidas de que o resultado de uma eleição ou de um evento externo finalmente extirpou o populismo para sempre. A Covid devia supostamente matar o populismo e, para isso, lembrou as pessoas supostamente ignorantes da importância dos especialistas. Depois, a invasão da Ucrânia por Putin devia supostamente matar o populismo e, para isso, lembrou os eleitores ‘nativistas’ da importância da cooperação internacional e da estupidez dos valentões autoritários – pelos quais seriam supostamente apaixonados. E, no entanto, esses eleitores irritantes continuam elegendo os governantes “errados”. Não bastasse o simbolismo do triunfo dos Democratas suecos na supostamente sensível Suécia, no início deste mês, a Itália acaba de transformar os Irmãos da Itália no maior partido de direita, anti-imigração, pavimentando o caminho para o que a mídia incansavelmente chama de ‘o maior governo de direita desde Mussolini’.
Após as eleições de ontem [25 de setembro de 2022], projeta-se que o partido de Meloni vencerá com 26% dos votos. A coalizão de direita que ela lidera – juntamente com A Liga, de Matteo Salvini, e o Força Itália, de Silvio Berlusconi – parece preparada para assumir o controle do Senado e da Câmara dos Deputados, com cerca de 44% dos votos. A coalizão de centro-esquerda, liderada pelo Partido Democrata ligado ao establishment, de Enrico Letta, conquistou um distante segundo lugar. O surto de apoio ao partido de Meloni foi especificamente impressionante, assegurando sua posição como a escolha anti-establishment. Na eleição de 2018, os Irmãos da Itália obtiveram apenas 4% dos votos. Nesse ínterim, o Movimento das 5 Estrelas (M5E), que assumira o primeiro lugar nas últimas eleições, teve seu apoio reduzido à metade, desta vez. E mesmo assim, esse foi um resultado melhor do que o esperado. A Liga – parceira da coalizão de direita de Meloni e que, após a eleição de 2018, formou um governo com o M5E – recebeu uma votação superior aos 30% há poucos anos, mas obteve menos de 9% na votação de ontem.
A ascensão supostamente impensável de Meloni não é, de fato, tão difícil de entender. E não, isso não tem nada a ver com um fascismo ressurgente entre o eleitorado italiano. Os Irmãos da Itália traçam, sim, suas raízes até Mussolini, mas essas raízes vão muito além deste ponto – trata-se do sucessor do sucessor de um partido pós-fascista, e está devidamente consciente ao definir-se como conservador, em vez de radical. Meloni, de sua parte, criticou duramente a ‘nostalgia imbecil’ dos apoiadores dos Irmãos da Itália que apareceram fazendo saudações fascistas nas manifestações. Ela cita Roger Scruton e JRR Tolkien como seus guias intelectuais. Você não precisa ser fã de sua perspectiva anti-imigração e de sua linha de ação nas políticas de identidade conservadoras e cristãs – nós, na Spiked, certamente não somos – para ver que o que está acontecendo aqui não é uma nova Marcha sobre Roma.
Meloni se beneficiou de duas coisas. A fúria contínua direcionada a um establishment antidemocrático e pró-União Europeia – que impõe os ditames punitivos de Bruxelas aos italianos insubmissos – e o fracasso abjeto dos pernósticos populistas para desafiar seriamente o decadente status quo. Após a desintegração da coalizão populista de 2018, o Movimento das 5 Estrelas juntou-se ao Partido Democrata. Posteriormente, uniu-se ao ‘governo da unidade nacional’, liderado pelo tecnocrata não eleito, Mario Draghi. O mesmo fez A Liga. À medida que Draghi implementava reformas exigidas por Bruxelas, em troca dos recursos financeiros da EU para o enfrentamento à Covid, o partido Irmãos da Itália foi o único partido relevante a manter as mãos limpas. E, assim, Meloni se tornará agora a primeira mulher a ser eleita primeira-ministra da Itália em 14 anos – prova da disfunção antidemocrática em que a Itália está atolada desde que a UE engendrou a deposição de Berlusconi em 2011.
Enquanto o Movimento das 5 Estrelas e A Liga ameaçavam momentaneamente agitar a gaiola de Bruxelas – tentando e fracassando na nomeação de um ministro das finanças eurocético, e tentando e fracassando na aprovação de um orçamento que desafiava ligeiramente as previsões de déficit da UE – Meloni parecia ainda mais complacente. Ela se distanciou de seus comentários anti-euro anteriores. E mais, o programa conjunto, que fôra acordado pela coalizão de direita antes das eleições, a compromissou com uma ‘total adesão ao processo de integração europeu’, ao mesmo tempo em que buscava algumas reformas. Ao ponto de ameaçar a ortodoxia de Bruxelas sobre imigração – ela convocou um bloqueio naval no Mediterrâneo – e sobre questões culturais – ela é contra o casamento entre homossexuais e o aborto, e opõe-se veementemente ao “lobby LGBT”. Mas parece que a UE, agora, tolerará um pouco de dissenção nessas matérias, assim como tolerará na área da política financeira. Antes das eleições, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, fez uma ameaça velada, recordando a Itália de que a UE tem as ‘ferramentas’ para lidar com estados-membros teimosos.
Meloni não é a salvadora populista que a Itália espera há tempos. Ela não está sinalizando que iniciará uma briga feroz com a Zona do Euro. Em termos econômicos, com certeza, ela é uma criatura da corrente europeia dominante de centro-direita. No domingo, o comparecimento às urnas baixou nove pontos em relação às últimas eleições, sugerindo que Meloni se beneficiou com o colapso de outros partidos, e não com a mobilização das pessoas em toda a sociedade italiana. Mas seu triunfo certamente mostra que os eleitores populistas, desesperados para desferir um golpe contra Bruxelas e seus traidores em Roma, estão bem presentes. Enquanto isso, a resposta de Bruxelas mostra que a UE, tendo derrotado o governo populista de 2018, via submissão, está se tornando ainda mais intolerante com dissidentes. Giorgia Meloni não representa nenhuma ameaça à democracia italiana, mas a UE, com certeza, sim. Quanto mais Bruxelas negar a soberania dos povos da Europa, mais os povos da Europa continuarão a desobedecê-la. A revolta populista ainda não se extinguiu. E isto também é bom.
*Tom Slater é editor na Spiked.
Traduzido por Telma Regina Matheus, para Vida Destra, 01/10/2022. Faça uma cotação e contrate meus trabalhos através do e-mail mtelmaregina@gmail.com ou Twitter @TRMatheus
Receba de forma ágil todo o nosso conteúdo através do nosso canal no Telegram!
As informações e opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade de seu(s) respectivo(s) autor(es), e não expressam necessariamente a opinião do Vida Destra. Para entrar em contato, envie um e-mail ao contato@vidadestra.org
- A entrevista de Tucker com o acusador de Obama segue o padrão da mídia na cobertura de escândalos sexuais - 23 de setembro de 2023
- Pessoas que participaram do J6 são tratadas como terroristas domésticos pelo sistema judiciário de ‘dois pesos, duas medidas’, enquanto os terroristas do “Verão do Amor” foram punidos com um tapinha na mão - 11 de setembro de 2023
- Tucker Carlson: Agências corruptas de inteligência e o unipartidarismo de D.C. estão provocando o verdadeiro “fim da democracia” - 2 de setembro de 2023