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NÃO PERGUNTE AO AFOGADO…

“Por que devo salvá-lo?”

Imagine um rapaz num barco e outro no mar. O primeiro segura uma corda e uma boia; o segundo, se debate tentando não se afogar. E eis que o rapaz no barco, balançando a corda e a boia nas mãos, grita… “me diga, por que devo salvá-lo?”

Diante da pergunta, surpresa foi o primeiro sentimento. Depois, vieram o desgosto e uma certa angústia pela suspeita de que não fora dessa vez.

Entretanto, não parou por aí. Sobreveio um restinho de esperança quando, à suspeita de negativa, seguiu-se a pergunta… “o que você pode fazer por nós, onde você acha que se encaixaria para contribuir conosco?” Durou meio segundo, a esperança. Eu teria respondido que faria qualquer coisa que minha expertise permitisse, mas congelei. Responder o quê? Qual seria a resposta certa? O que abriria a porta de oportunidade? Nada; eu sabia que o não definitivo já havia sido dado. Por fim, a espiral de sentimentos e sensações atingiu seu ápice na impotência e indignação.

Esta é a cena.

A variação do tema “não pergunte o que posso fazer por você, mas diga o que você pode fazer por mim”, quando aplicada ao mercado de trabalho, é de um regressismo (como Ives Gandra, me recuso a usar o termo progressismo onde só o atraso sobrevém) sem tamanho.

Não me indignei com o recrutador. Além de muito jovem (certamente tem idade para ser meu neto), ele realmente acredita que está fazendo o certo para sua empresa. Eu mesma já usei tática semelhante em tempos idos. Hoje, enxergo a crueldade da situação. Principalmente hoje, nesta época de cárcere privado, derretimento de empregos, extinção de oportunidades e focinheira obrigatória.

Tenho +60 anos. Estou no chamado “grupo de risco”, mesmo não me sentindo uma “idosa”, mas lá estou, no grupo que deve ser isolado e “protegido”. Ao final e ao cabo dessa pandemia farsesca, o objetivo macabro terá sido atingido: idosos eliminados com sucesso.

Com o cancelamento de vários projetos e a debandada de clientes, o que já estava difícil ficou muito, mas muito pior. Condenada a sobreviver apenas com uma aposentadoria de salário mínimo, enterrei orgulho e dignidade e enviei dezenas de e-mails e currículos. Quem sabe, disse para mim mesma, quem sabe alguém se interessa pela minha expertise? Quem sabe a mão do meu Anjo da Guarda desvele minha mensagem entre as milhares que, tenho certeza, estão sendo enviadas?

Para você, que está do outro lado da mesa recrutando profissionais para si mesmo ou para sua empresa, uma súplica. Não pergunte a quem está buscando a sobrevivência, qualquer sobrevivência, o que ela ou ele poderia fazer por você. Analise o currículo, converse, sinta a pessoa, e então decida. Mas não pergunte a um náufrago por que você deve salvá-lo.

Tia do Zap, para Vida Destra, 17/7/2020.

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Sander Souza
4 anos atrás

Parabéns pelo excelente artigo!
Sei bem como são estes sentimentos. Nos últimos três meses minha vida mudou de tal forma, que hoje ainda estou à procura do meu lugar no mundo!

EDUARDO patriota
EDUARDO patriota
4 anos atrás

A política brasileira sempre foi assim e sempre será…. Vota em um, depois boa em outro…e nunca muda. Sempre existiu a famosa articulação Política… Então é aceitar o sempre foi assim….

Davidson José de Sousa Oliveira
4 anos atrás

Parabéns! Reflexo do que sente o povo brasileiro

Nunes
Admin
4 anos atrás

Tia do Zap, que essa situação melhore logo.

Telma Regina Matheus Jornalista. Redatora, revisora, copydesk, ghost writer & tradutora. Sem falsa modéstia, conquistei grau de excelência no que faço. Meus valores e princípios são inegociáveis. Amplas, gerais e irrestritas têm que ser as nossas liberdades individuais, que incluem liberdade de expressão e fala. Todo relativismo é autoritarismo fantasiado de “boas intenções”. E de bem-intencionados, o inferno está cheio. Faça uma cotação e contrate meus trabalhos através do e-mail: mtelmaregina@gmail.com ou Twitter @TRMatheus