O Senado Federal fez alteração no PL 2303/2015, por isso renumerado como PL 4401/2022, que trata da prestação de serviços de ativos virtuais. Agora, a Câmara dos Deputados tem que ratificar as mudanças efetuadas, de modo que o Presidente Bolsonaro sancione, ainda neste ano, a regulamentação dos criptoativos.
Primeiramente, temos que conceituar o que sejam ativos virtuais (criptomoedas ou criptoativos). Para isto, utilizarei uma publicação acadêmica de Mariana Dionísio de Andrade, com o título: “Tratamento jurídico das criptomoedas: a dinâmica dos bitcoins e o crime de lavagem de dinheiro”, publicado na Revista Brasileira de Políticas Públicas, UNICEUB, em 2017.
Segundo Mariana Dionísio: “Uma moeda eletrônica funciona como uma cadeia de assinaturas digitais, carteiras de moedas virtuais que possibilitam a operação em um mercado eletrônico de largo alcance. Cada proprietário transfere a moeda para o próximo indivíduo, assinando digitalmente um hash — unidade que determina o poder computacional de mineração. Cada número representa uma informação específica, o que gera uma codificação em fórmula (descrita em números de 0 a 9 ou por letras de A a F), com o objetivo de proteger as transações realizadas. O valor máximo do hash é determinado por bitcoin (da transação anterior) e uma chave pública do próximo proprietário. Para que não se gaste a moeda duas vezes, é introduzida uma autoridade central confiável ou mint, que verifica todas as transações para gastos duplos”.
Diante do poder de mineração computacional, uma das análises envolvidas é que o custo energético de emissão de criptomoedas é alto, fazendo-se necessário rever este tipo de acordo com a política ambiental do país, conforme notícia da Gazeta do Povo, de 05 de agosto de 2022, com o título “Blockchain, NFTs — token não fungível — e a economia digital”.
Continua Mariana Dionísio: “Há várias espécies de criptomoedas mais utilizadas como medida comum de valor, [sendo] Bitcoins, Ethereum, Cardano, as mais populares e mais ativas na dinâmica internacional de mercado. Os bitcoins tiveram origem em 2008, como mecanismo de pagamento independente, sem fiscalização por meio de um Banco Central que controle seu valor ou sua oferta, assim como as demais moedas. Para que algo possa ser considerado como moeda deve ter algumas características, como escassez, durabilidade, portabilidade, divisibilidade, fácil de armazenar, fungível, dificuldade de falsificação de uso externo, o que exige das criptomoedas algumas características como possibilidade de uso como meio de troca, reserva de valor e denominador comum monetário (grifo meu)”.
Conforme notícia do blog Infomoney, de 16 de outubro de 2022, as negociações dos ativos virtuais, atualmente, são realizadas por “Exchanges”, que são plataformas digitais onde é possível comprar, vender, trocar e guardar criptomoedas. A Receita Federal define uma corretora da seguinte forma:
“Pessoa jurídica, ainda que não financeira, que oferece serviços referentes a operações realizadas com criptoativos, inclusive intermediação, negociação ou custódia, e que aceita quaisquer meios de pagamento, inclusive outros critptoativos”.
Independentemente de ainda não haver fiscalização por parte do BACEN, esta autarquia já vem desenhando normas para o mercado, principalmente dentro de seu escopo regulatório, ou seja, das instituições de pagamentos, fintechs e bancos, exigindo que os bancos, como o Capitual, que prestam serviços para exchanges de criptoativos, principalmente internacionais, façam um trabalho de individualização das contas de pagamentos, com o intuito de identificar os clientes de exchanges internacionais, conforme notícia da revista Exame de 12 de outubro de 2022.
Tal normatização pelo BACEN afetou empresas como Binance, Huobi e KuCoin, resultando em problemas nos saques em reais na Binance e ruptura do contrato da Exchange com o Capitual.
De acordo com Mariana Dionísio: “A tecnologia que envolve as criptomoedas cata os dados de segurança e criptografa os caracteres para protegê-los e, especificamente no caso dos bitcoins, para manter as transações financeiras em sigilo. Por um lado, essa codificação tende a gerar segurança no uso dos dados; entretanto, pode inviabilizar o controle e a regulamentação sobre as transações (grifo meu)”.
O bitcoin (BTC) foi a primeira rede descentralizada de pagamentos a ser atendida por seus usuários sem os órgãos ou agentes centrais do governo. Do ponto de vista dos usuários, o bitcoin tem similaridade com o dinheiro, mas apenas para o ambiente virtual. O anonimato das operações é peculiar ao bitcoin, como resultado da descentralização do sistema. Bitcoins são colocados em uma determinada carteira e outras operações feitas em cadeia de blocos – Blockchains (o registro de pagamentos online unificado da rede bitcoin) também pode ser anonimizadas, o que exclui a oportunidade de rastrear os verdadeiros proprietários das carteiras”, acrescenta Mariana Dionísio.
Realçando, criptoativos são ativos virtuais que rodam em blockchains, nome do grande livro-razão que nasceu junto com o BTC há mais de uma década. Os derivados dos criptoativos podem ser: (1) criptoficha referenciada a ativos; (2) critptoficha de moeda eletrônica; e (3) criptoficha de consumo.
Já na definição da Comissão Especial da Câmara dos Deputados: “A mineração de criptoativos consiste no ato de validação de transações ou manutenção de tecnologia de registro distribuído, ou outra tecnologia de registro distribuído, outra tecnologia semelhante, cuja remuneração resulte da criação automática de criptoativos como recompensa, ou por tarifa cobrada pela mencionada atividade desempenhada”.
Adiciona Mariana Dionísio: “Como principais vantagens, o uso dos bitcoins não sofre a incidência de taxas de transação, tampouco a influência de questões políticas que, no mundo real, afetam diretamente o destino e a cotação das moedas. Entretanto, o valor do bitcoin pode ser muito instável, gerando insegurança especialmente nos usuários que ainda não possuem prática no procedimento e que podem ser facilmente manipulados pelos mineradores”.
O Ehereum (ETH), por sua vez, consiste em uma criptomoeda de uso mais recente, lançada em meados de 2014 e com características semelhantes, mas com uma cotação mais considerável no mercado digital. Ethereum é uma plataforma descentralizada que executa contratos inteligentes: aplicativos que funcionam exatamente como programados, sem qualquer possibilidade de tempo de inatividade, censura, fraude ou interferência de terceiros. Estes aplicativos são executados em um bloco, por meio de uma infraestrutura global compartilhada. Isto permite aos desenvolvedores criar mercados, armazenar registros de dívidas ou promessas de pagamento, mover fundos de acordo com as instruções dadas em operações anteriores.
Já a Cardano (ADA), uma plataforma de Blockchain de código aberto, assim como o Bitcoin, foi criada em 2015 e é chamada de “Ethereum Japonês”, por ter tido 90% dos seus investidores no Japão e em países asiáticos. A arquitetura da Cardano foi desenvolvida em camadas distintas, que separam as funções de leitura dos contratos inteligentes e a parte em ocorrem as transações de criptomoedas, ou seja, as negociações do seu token ADA, conforme notícia da Coinext, disponível na Internet com título “O que é Cardano (ADA)”.
Existem outros inúmeros criptoativos e blockchains de NFTs, como do produtor shoyu no Japão, que rastreia toda a vida do grão de soja, desde o seu plantio no Mato Grosso do Sul até suas fábricas. A certificação digital por meio do blockchain permite garantir esta rastreabilidade por todos os elos da cadeia logística.
Começando a análise do PL 4401/2022, o Projeto de lei estabelece que a prestação de serviços de ativos virtuais somente poderá ser efetuada mediante autorização de órgão ou entidade da Administração Pública Federal. O que nos faz refletir que pode ser exercido por um grupo de três entidades da Administração Pública Federal, como BACEN, CVM e CADE.
No entanto, no parágrafo único do artigo 1 do PL 4401/2022 existe a exclusão de ativos representativos de valores mobiliários, conforme artigo 2 da Lei no 6.385/76, ratificando que tal medida não afeta a competência da CVM. Tal entendimento demonstra uma completa antinomia jurídica, como será possível a CVM fiscalizar estas operações com ativos virtuais.
Talvez por isto a CVM tenha focado que a obrigatoriedade de licença para os prestadores de serviços de ativos virtuais por um órgão competente deva ser feito por meio do Sandbox Regulatório, para implementação de projetos de tokenização de ativos com tecnologia blockchain.
Já o artigo 3 do PL 4401 trata da definição do que é considerado ativo virtual: a representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósito de investimento, não incluídos os seguintes itens:
I – moeda nacional e moedas estrangeiras;
II – moeda eletrônica, nos termos da Lei 12.865/2013 (dispõe sobre os arranjos de pagamentos e as instituições de pagamento que integram o Sistema de Pagamentos Brasileiro – SPB);
III – instrumentos que forneçam ao seu titular acesso a produtos ou serviços especificados ou a benefício proveniente desses produtos ou serviços;
IV – representação de ativos cuja emissão, escrituração, negociação ou liquidação esteja prevista em lei ou em regulamento.
A partir do momento em que há exclusão das instituições de pagamentos integrantes do Sistema de Pagamentos Brasileiro, uma das análises de riscos do relatório especial do Banco Central Europeu, atualizado em 2015, entende que os criptoativos são sistemas de pagamentos e devem ser monitorados, com responsabilidade recaindo sobre o BACEN. Diante disto, entendo ter encontrado outra antinomia jurídica.
De acordo com o artigo 4 do PL 4401/2022, a prestadora de serviços de ativos virtuais deve observar diretrizes da entidade da Administração Pública Federal, quanto a(o): I – livre iniciativa e livre concorrência; II – controle e manutenção de forma segregada dos recursos aportados pelos clientes; III – boas práticas de governança, transparência nas operações e abordagem baseada em riscos; IV – segurança da informação e proteção de dados pessoais; V – proteção e defesa de consumidores e usuários; VI – proteção à poupança popular; VII – solidez e eficiência das operações; e VIII – prevenção à lavagem de dinheiro e à ocultação de bens, direitos e valores, e combate à atuação de organizações criminosas ao financiamento do terrorismo e ao financiamento da proliferação de armas de destruição em massa, em alinhamento com os padrões internacionais.
Com relação à lavagem de dinheiro, no dia 22 de setembro de 2022, a Polícia Federal deflagrou operação em várias cidades do país para investigar crimes de evasão de divisas, lavagem de dinheiro e associação criminosa envolvendo a negociação de criptoativos, conforme notícia da Gazeta do Povo, na mesma data.
Dentre as empresas investigadas estão 6 exchanges, 4 instituições financeiras autorizadas pelo BACEN a operar no mercado de câmbio e 3 escritórios de contabilidade, que tiveram o bloqueio de bens, no valor aproximado de R$ 1,2 bilhão, bem como o sequestro de ativos virtuais titularizados pelos investigados.
O grupo dos arbitradores era responsável pela aquisição de grandes quantidades de ativos virtuais no exterior, em países como Estados Unidos, Cingapura e Hong Kong, e a sua venda no Brasil. Para tanto, foram realizadas remessas de valores para o exterior na ordem de mais de R$ 18 bilhões, conforme a PF.
Conforme o artigo 5 do PL 4401/2022, deve ser considerada prestadora de serviços de ativos virtuais a pessoa jurídica que executa, em nome de terceiros, pelo menos um dos serviços de ativos virtuais, entendidos como:
I – troca de ativos virtuais e moeda nacional ou moeda estrangeira;
II – troca em um ou mais ativos virtuais;
III – transferência de ativos virtuais;
IV – custódia ou administração de ativos virtuais ou de instrumentos que possibilitem controle sobre ativos virtuais; ou,
V – participação em serviços financeiros e prestação de serviços relacionados à oferta por um emissor ou venda de ativos virtuais.
Conforme artigo 8 do PL 4401/2022, as instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil poderão prestar exclusivamente o serviço de ativos virtuais ou cumulá-lo com outras atividades, na forma da regulamentação a ser editada por órgão ou entidade da Administração Pública Federal indicada em ato do Poder Executivo federal.
É adicionado o artigo 171-A no Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/1940):
Fraude em Prestação de serviços de ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros
Art. 171-A – Organizar, gerir, ofertar carteiras ou intermediar operações envolvendo ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos virtuais, valores mobiliários ou quais ativos financeiros com o fim de obter vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento.
Pena – reclusão de 2 a 6 anos e multa
Igualmente, equipara-se à instituição financeira a pessoa jurídica que prestte serviços referentes a operações com ativos virtuais, inclusive intermediação, negociação ou custódia, para efeito da Lei 7.492/1986 (Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional).
Como também altera a qualificadora de aumento de pena (de 1/3 para 2/3) da Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/1988), se os crimes forem cometidos de forma reiterada, por intermédio de organização criminosa ou por meio da utilização de ativo virtual.
De acordo com Mariana Dionísio, a prática de crimes como a lavagem de dinheiro no ambiente virtual pode ser verificada, por exemplo, pelo grande número de contas bancárias pertencentes a uma administradora da moeda virtual ou da empresa que se envolve em uma troca de moedas virtuais que, provavelmente, são utilizadas como contas suspensas (denominada “estratificação” – a segunda etapa do branqueamento de capitais).
Como estabelecido entre as diretrizes a serem observadas pelas empresas prestadoras de serviços virtuais, aplicam-se as disposições do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), de modo a haver a segregação patrimonial dos recursos financeiros, ativos virtuais e respectivos lastros de titularidade própria daqueles detidos por conta e ordem de terceiros. Isto se verifica da necessidade do processo civil, de aplicar o incidente da desconsideração da personalidade jurídica.
De acordo com o artigo 15 do PL 4401/2022, estabelece-se o zeramento, até dezembro de 2029, das alíquotas do PIS/PASEP, FINSOCIAL, Imposto de Importação (II) e dos Impostos sobre Produtos Industrializados (IPI) para as máquinas e ferramentas computacionais utilizadas nas atividades de processamento, mineração e preservação de ativos virtuais, destinadas a empreendimentos que utilizarem em suas atividades 100% de sua necessidade de energia elétrica de fontes renováveis e os que neutralizem 100% das emissões de gases de efeito estufa.
Por último, a Lei entra em vigor após decorridos 180 dias, após a publicação oficial, ou seja, “vacatio legis”.
Futuramente, também teremos a construção de novas realidades e migração de algumas empresas para o Web 3.0, baseadas na realidade virtual 3D, no Metaverso, nas criptomoedas e em tecnologias, como o ‘blockchain”, conforme notícia da Gazeta do Povo, de 2 de agosto de 2022.
Não pretendo esgotar o assunto, porque o tema de criptoativos não é para crianças, podendo inclusive o desavisado ingressar em um esquema de pirâmide, inclusive maculando a imagem do BACEN por não ter regulado corretamente os ativos virtuais.
Por fim, é necessário utilizar empresas startups para incentivar o mercado de ativos virtuais, bem como aprimorar os semicondutores para redução da carga na mineração. Porém, não é fácil a regulamentação dos ativos virtuais pelo BACEN, nem o acompanhamento pela CVM e pelo CADE na análise das prestadoras de serviços virtuais. Entendo ainda que os crimes de lavagem de dinheiro deveriam ter maior aumento de pena.
PS: Agora, aqui, não tem bitcóio e creptomoedas, conforme fala do senador Renan Calheiros.
Luiz Antônio Santa Ritta, para Vida Destra, 19/10/2022.
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