O golpe cívico-militar de 15 de novembro de 1889, para a sua consecução, teve a ajuda inestimável e oportunista do uso de boatos e de mentiras. E também de uma disputa pelo amor de uma mulher entre dois homens. Se você, leitor ou leitora, pensa que as “Fake News” são algo recente, é preciso rever seus conceitos. Essa é uma prática corriqueira que acompanha a humanidade há milênios. Ela foi e é usada, exaustivamente, de forma metódica, sem peso algum na consciência, por pessoas ambiciosas, sem escrúpulos, com sede desmedida e incomensurável de poder, que empregam esse procedimento para alcançar seus objetivos, mesmo os mais sórdidos e destrutivos. E entre os golpistas da república, havia gente muito tarimbada nesse ofício de espalhar boatos. Entre eles, talvez o mais conhecido tenha sido o Major do Exército Frederico Sólon de Sampaio Ribeiro, que foi um dos conspiradores mais ativos do movimento republicano.
O Marechal Manuel Deodoro da Fonseca, que se tornou o comandante inconteste do golpe, era acometido, frequentemente, por crises de dispneia, isto é, falta de ar, causada pela arteriosclerose. O velho militar era amigo de D. Pedro II, do qual recebeu muitos favores e a ele era grato por isso. Os republicanos tinham Deodoro como líder máximo, pois era herói da Guerra do Paraguai (1864-1870) e altamente prestigiado no Exército. Sabiam que sem ele, não haveria a menor possibilidade do golpe dar certo. Depois do falecimento de outros grandes generais que lideraram o conflito contra os paraguaios, como Caxias e Osório, Deodoro foi o maior expoente que restou da antiga mística guerreira do Exército, chamada de “tarimbeiros”. Isto é, aqueles que ascenderam aos mais altos postos militares apenas por experiência e bravura, sem precisar passar por concurso. Mesmo com todas as pressões recebidas pelos republicanos, Deodoro não queria saber de derrubar a monarquia, pelo menos enquanto D. Pedro II fosse vivo, devido à sua amizade pessoal com o imperador. Uma prova disso é o que escreveu, no dia 13 de setembro de 1889, isto é, apenas dois meses antes do golpe republicano, ao seu sobrinho Clodoaldo da Fonseca:
“República no Brasil é coisa impossível porque será uma verdadeira desgraça. Os brasileiros estão e estarão muito mal-educados para serem verdadeiros republicanos. O único sustentáculo do Brasil é a monarquia; se mal com ela, pior sem ela”.
Em outra correspondência, Deodoro escreveu o seguinte ao mesmo sobrinho:
“Não te metas em questões republicanas, porquanto República do Brasil e desgraça completa é a mesma coisa; os brasileiros nunca se prepararão para isso, porque sempre lhes faltará educação e respeito”.
Percebe-se, portanto, que Deodoro nutria antipatia explícita pela república, até pouco antes do golpe republicano. O que ele não tolerava era ver o Exército desrespeitado. Isso ele não poderia admitir de modo algum. Afinal, ele era um grande soldado, que havia lutado bravamente pelo seu país, e tudo que conquistou foi devido à sua carreira militar. A par de tudo isso, o Major Sólon Ribeiro, citado no primeiro parágrafo, resolveu forçar a barra e tirar o Marechal da cama, onde estava doente, com suas crises de falta de ar, mexendo nos seus brios militares, a fim de causar uma ruptura entre Deodoro e D. Pedro II. O Major vestiu-se como civil, e foi ao local que era tido como o ponto nevrálgico do Brasil da época: a Rua do Ouvidor, na cidade do Rio de Janeiro, capital do Império. Lá era onde se reuniam a nata da intelectualidade do país, dos negócios e da política, as pessoas mais influentes em geral, em cafés e restaurantes. Ribeiro começou a percorrer a Rua do Ouvidor, afirmando que o governo, na pessoa do Presidente do Conselho de Ministros, Afonso Celso de Assis Figueiredo, o Visconde de Ouro Preto, iria mandar prender Deodoro da Fonseca e Benjamim Constant, que era o principal mentor intelectual do movimento republicano nos meios militares. Deodoro havia se envolvido em recentes críticas públicas ao governo. Ocorre que não havia nenhuma determinação expressa do governo imperial, ou ordem, no sentido de prender Deodoro, nem Constant. Além dessa mentira, Sólon Ribeiro afirmou que o governo também iria dissolver o Exército e que a Guarda Nacional, juntamente com a polícia, iria atacar os quartéis. Nada disto era verdade. Era tudo armação de Sólon Ribeiro e dos demais republicanos.
Essas fake news causaram muita agitação e comoção nos meios civis e, principalmente, no Exército, chegando aos ouvidos de Deodoro, que, mesmo doente, se levantou, colocou sua farda e rumou para o quartel general, localizado no Campo de Santana, com sua tropa, considerando tudo aquilo um desrespeito pessoal contra ele e uma afronta grave contra o Exército. O Marechal e seus apoiadores entraram no quartel sem encontrar resistência alguma. Isso ocorreu porque o Marechal Floriano Peixoto, ajudante-general de ordens do Exército, que deveria defender o local, também estava conspirando, secretamente, em favor dos rebeldes. Quando OurovPreto ordenou a Floriano que os revoltosos fossem parados, mesmo que à força, este respondeu que todos ali eram brasileiros e ele não iria ordenar que se atirasse contra irmãos. Ouro Preto compreendeu então que ele estava perdido, pois Floriano também participava da conspiração. Deodoro adentrou o recinto, fez um discurso enumerando as afrontas que o Exército havia sofrido, diante de todo o ministério ali reunido. Destituiu todos os ministros. E ordenou que Ouro Preto fosse preso. Mas, para desespero dos republicanos, não proclamou, naquele momento, a república. Pelo contrário, disse que, deposto o ministério, iria levar pessoalmente ao Imperador uma lista com novos nomes, para um novo gabinete ministerial. Isso mostra que, até aquele instante, Deodoro estava apoiando a Monarquia. Antes de sair, teria ainda gritado, dentro do quartel – “Viva o Imperador!” E foi embora para casa curtir suas crises de dispneia, deixando seus apoiadores decepcionados.
Não tendo essas fake news funcionado do modo que esperavam, para forçar Deodoro a derrubar a monarquia, os republicanos foram ajudados por um golpe de sorte. Desta vez, uma questão emocional e pessoal mal resolvida, envolvendo Deodoro e um adversário, o recém-eleito senador gaúcho Gaspar da Silveira Martins, precipitou a queda da monarquia. Visconde de Ouro Preto, demitido do cargo pelos golpistas, assim que foi liberado da prisão, foi se encontrar com o Imperador e indicou, para ser seu substituto, como Presidente do Conselho de Ministro, a Silveira Martins, desafeto de Deodoro. Talvez Ouro Preto fez isso como vingança por ter sido derrubado do ministério pelo Marechal. Quando Deodoro era governador do Rio Grande do Sul, ele e Silveira Martins disputaram o amor de uma rica dama viúva, Ana Carolina Fonseca Jaques, a baronesa de Triunfo, que era conhecida por sua grande beleza. Deodoro havia perdido a disputa para o rival e nunca lhe perdoou por isso. Além disso, Silveira Martins, da tribuna do Senado, dirigia ataques à honra de Deodoro, insinuando que este havia cometido irregularidades na gestão de fundos públicos e que não era eficiente como militar. Isso contribuiu para aumentar ainda mais a animosidade entre aqueles dois homens. Quando o Marechal soube, por terceiros, que o seu inimigo havia sido indicado para o cargo de Presidente do Conselho de Ministros, isso lhe soou como grande provocação, uma afronta imperdoável, um gesto de deslealdade, por parte do Imperador, em relação à sua pessoa, ainda que o monarca não soubesse da rusga pessoal entre Deodoro e Silveira Martins. Na verdade, D. Pedro desistiu de nomear Silveira Martins, porque foi aconselhado pelo Conselho de Estado a indicar o Conselheiro Antônio Saraiva. Além disso, Silveira Martins estava de viagem e só chegaria ao Rio de Janeiro dentro de dois dias.
Embora o Imperador tenha desistido de nomear Silveira Martins, o estrago já estava feito. Deodoro já tinha tomado a decisão de acabar com a monarquia. Ele teria dito, ao saber da indicação do seu rival: – qualquer um, menos este! Deixou sua crise de falta de ar e sua amizade com o Imperador de lado e decretou o fim do Império, assinando os primeiros decretos da república, entre os quais o que ordenava a expulsão e exílio da família imperial para a Europa.
(Continua no próximo artigo)