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PAIXÃO, FAKE NEWS, REPÚBLICA E O FIM DE UM IMPÉRIO II

Após ter destruído o Império, destronando o Imperador, o Marechal Deodoro da Fonseca autorizou que fosse concedida a D. Pedro II uma soma de 5.000 contos de reis. Era uma quantia astronômica de dinheiro. Pelo câmbio de 15 de novembro de 1889, isso equivalia a, aproximadamente, 4,5 toneladas de ouro. Considerando o valor atual do grama do ouro em, aproximadamente, 200 reais, a quantia oferecida a D. Pedro II seria algo como 900 milhões de reais. Uma fortuna imensa, a título de indenização, e subsídio para o sustento na Europa, pela expropriação dos bens e propriedades da família imperial, incluindo palácios, terras e joias, que foram todos confiscados pelo governo republicano provisório. Esse confisco foi uma grande violência cometida contra a família imperial, que se viu privada de todos os seus recursos e propriedades. Já sem trono, aguardando a partida a bordo do navio que o levaria à Europa,  D. Pedro II, recebeu o comunicado da indenização, das mãos de um oficial enviado pelos golpistas republicanos, mas não o leu no momento. Só quando estava já de viagem, foi que tomou conhecimento do teor do documento. Recusou a oferta, pois aquilo era deliberação pessoal de Deodoro. A indenização não foi votada pelo  Parlamento, que estava de recesso naquele momento. Ao chegar a Lisboa, D. Pedro enviou uma comunicação, publicada em jornais no Brasil, rejeitando a oferta. Deodoro ficou muito irritado com isso.  Como ato de vingança, fez publicar o decreto de banimento da família imperial, algo inédito no Brasil, pois jamais uma pena  semelhante havia sido adotada antes no país. E para manchar a reputação do imperador, o decreto continha fake news, dizendo que D. Pedro II tinha aceitado a indenização milionária e depois voltou atrás, o que era um ato difamatório contra o monarca deposto. D. Pedro jamais aceitou tal oferta, pois a mesma tinha origem ilegítima, sem aprovação parlamentar, baseada apenas em um prêmio de consolação dado por vontade pessoal de Deodoro da Fonseca.

Rui Barbosa, Ministro da Fazenda do governo provisório, também deu sua cota de fake news para o fim do Império. Antes do golpe, era monarquista. Mas quando seus projetos de reformas para o Império, que previam a concessão de maior autonomia para as províncias, com base em um modelo federativo, não foram aceitas pelo gabinete ministerial do Visconde de Ouro Preto, em julho de 1889, Rui ficou furioso e passou para o lado dos republicanos. Foi convidado por Ouro Preto a integrar o ministério, mas recusou. Em seu jornal, Diário de Notícias, Rui passou a publicar constantes ataques ao governo Imperial. E também fake news, como a de que o Imperador estava cogitando acabar com o Exército, o que não condizia com os fatos. Evidentemente, mentiras deste tipo tiveram o seu peso em jogar o Exército contra a monarquia, acelerando o fim desta. Rui Barbosa, tendo participado ativamente da conspirata que liquidou o Império, vendo, tempos mais tarde, que a república causou grandes males ao Brasil, se arrependeu pelo que fez. Disse, posteriormente, que a monarquia era o melhor regime para o país e que o presidencialismo brasileiro foi um erro, pois este tinha vocação para a ditadura. Mas aí já era tarde, pois a monarquia já estava morta.

Com o golpe republicano o Brasil entrou, definitivamente, em um regime marcado por instabilidade, graves crises políticas e institucionais. A república presidencialista só deu certo nos Estados Unidos, porque este país reúne, historicamente, um conjunto de condições culturais e institucionais únicas e específicas. Quando esse “produto”, isto é, a república presidencialista, foi “exportado” para os outros países, notadamente os da América Latina, que quiseram copiar o sistema americano, sofreu deterioração, não vingou e produziu muitos desastres. Isso pode ser constatado pelo fato de que, desde a implantação da república em de 15 de novembro de 1889, o Brasil passou por diversos golpes de estado, períodos de ditadura, inúmeras intervenções, vários estados de sítio decretados, muitos presidentes depostos, hiperinflações crônicas, várias trocas de moeda e seis constituições. Enquanto o Império ficou conhecido pela sua estabilidade econômica e institucional, com uma única moeda, o mil réis, e uma única constituição, que durou de 1824 a 1889, isto é, 65 anos. A mais longeva, portanto, da história brasileira. Definitivamente, está comprovado que república presidencialista, no Brasil, é o regime da crise política e institucional recorrente.

Como agravante do golpe republicano, como sua grande nódoa e pecado original, deve se destacar que, no modo como foi conduzido o processo de destituição da monarquia, não houve o devido respeito,  consideração,  gratidão, dignidade nem honra alguma da parte dos golpistas no tratamento que deram à família imperial, principalmente a D. Pedro II. Este era já um senhor idoso, doente, alquebrado pela vida e desgastado pela pesada responsabilidade de dirigir uma nação problemática como o Brasil durante quase cinquenta anos. Cabe lembrar que D. Pedro assumiu o trono com quinze anos de idade.  Depois de toda a sua dedicação, de todo o seu esforço, de sua ilibada reputação, de sua inatacável conduta, de todo o seu empenho, de todo o seu labor em favor da melhoria constante dos padrões de vida dos brasileiros, o que recebeu em troca, já no final da vida,  foi a humilhação de ser enxotado do lugar onde nasceu.  Foi embarcado, contra a sua vontade, junto com sua família, para uma terra distante do Brasil que ele tanto amava. D. Pedro II, mesmo deposto, queria permanecer em solo pátrio, mas isso lhe foi negado de forma cruel e desumana. Não tiveram respeito algum pelos cabelos e barbas brancas daquele que era conhecido como “O Magnânimo”, epíteto dado pelo fato de sempre ter tratado a todos muito bem, ao longo de sua intensa vida, e de ter um coração muito generoso. Sempre perdoava seus desafetos políticos. Não guardava mágoas de ninguém.

Pedro II estava à frente de seu tempo. Trouxe para o Brasil uma série de novidades, como o telefone e o cabo submarino, que fez ligação de telégrafo com a Europa. Implantou em nosso país um dos maiores sistemas ferroviários do mundo, a luz elétrica, incentivou a indústria e o comércio. Era amigo de escritores, filósofos e cientistas de renome mundial, como Victor Hugo, Friedrich Nietszche e Louis Pasteur. O próprio imperador era um erudito, estudioso dedicado e aplicado. Foi preparado, desde criança, para ser um grande administrador e sábio governante desta nação. Recebeu, desde infante, dos melhores e mais preparados tutores e professores do país, uma educação primorosa, entre eles José Bonifácio de Andrada e Silva, conhecido como o Patriarca da Independência. D. Pedro falava várias línguas. Com seu salário, ajudou muitos artistas brasileiros a se formar na Europa, como Carlos Gomes e Pedro Américo. Do seu próprio bolso ajudava, financeiramente, aos mais pobres com muita liberalidade. Metade dos seus vencimentos, como imperador, eram doados a instituições de caridade e à educação de ciências e de artes. Detalhe: ao longo de quase meio século como governante, jamais aceitou que sua dotação, isto é, seu salário, fosse reajustado, embora o Parlamento tenha feito várias tentativas nesse sentido¹. Jamais teve um escravo, ao contrário dos padrões da época, em que pessoas ricas e importantes tinham muitos cativos ao seu dispor. Os negros que serviam ao monarca, e ao restante da família imperial, eram alforriados e assalariados. Aliás, um dos melhores e fiéis amigos de D. Pedro era um negro, chamado Rafael², fiel escudeiro do imperador.

Diante de tantas humilhações e injustiças infligidas, no momento do golpe republicano, à família imperial, principalmente a D. Pedro II, o melhor governante que o Brasil já teve,  o grande patriota brasileiro que amava profundamente seu país, cabe um pedido de perdão do Brasil à memória de tão nobres e dignas pessoas injustiçadas. Ao desembarcar em Portugal com sua família, o Magnânimo rejeitou a oferta de seu sobrinho neto, Rei de Portugal, de receber uma pensão paga pelo governo português e de um palácio para fixar sua residência. A justificativa: como não estava a serviço do povo português, como monarca, não poderia aceitar que este lhe custeasse as despesas com o dinheiro dos impostos. Este era o modo de agir de D. Pedro II: sempre tratando os dinheiros públicos, do Brasil ou alhures, como se fosse algo sagrado, no uso do qual ele se empenhava ao máximo de prestar contas com muito zelo, responsabilidade, transparência, escrúpulo e elevada consciência³. O Magnânimo teve a providencial ajuda, no final da vida, de vários amigos, que lhe davam suporte e auxílio financeiro.  Morreu em um simples quarto de um modesto hotel em Paris. Encontraram, debaixo de seu travesseiro, um saquinho com um bilhete que informava que o seu conteúdo era terra do Brasil, sua pátria, sua grande paixão. Nação que tanto amou, defendeu e protegeu, mas da qual foi expulso e banido, de modo traiçoeiro, covarde, desumano e ignominioso, sendo já um ancião enfermo, de 64 anos de idade, que havia dedicado sua vida ao país. Escreveu estas palavras, pouco antes de ir embora do Brasil, contra a sua vontade, para, infelizmente, nunca mais voltar:

-Até hoje de manhã esperava poder me conservar em paz no país que tanto amo. Infelizmente, desde poucas horas, acho-me sob o peso da profunda mágoa de ver-me privado da liberdade, que nunca neguei a nenhum brasileiro….

Antes de partir para o exílio, o velho monarca, apesar de todo o agravo e ingratidão recebidos dos seus patrícios, desejou paz e prosperidade ao Brasil. Em meio a tanta infâmia e desumanidade, o mínimo que se poderia fazer, a título de reparação à memória histórica e pessoal dos que sofreram tamanha injustiça, principalmente D. Pedro II, o Magnânimo, seria um pedido oficial de perdão à família imperial. Essa dívida com seu passado histórico o Brasil precisa resgatar.


 

¹ Quanta diferença dos dias de hoje, quando políticos, sempre que há oportunidade, aumentam seus vencimentos e mordomias de forma descolada da realidade, e totalmente desproporcional ao padrão de vida da esmagadora maioria dos brasileiros! E muitas vezes na calada da noite!

² A propósito, isso me lembra de um paralelo atual: O presidente da República, Jair Bolsonaro, tem no deputado Hélio “Negão” um de seus melhores amigos.

³ Chega a dar uma tristeza quando se compara esse comportamento irretocável de D. Pedro ao dos políticos atuais desta corrupta república. Quem não se lembra do Mensalão ou do Petrolão? Ou do Fundão Eleitoral, com verbas de bilhões de reais, votado a toque de caixa pelos parlamentares, contra a vontade do povo, para, entre outras coisas, construir sedes de partidos e pagar advogados dos políticos que cometem crimes eleitorais?

3 COMMENTS

  1. Lívio , você escreveu com sua alma , fiquei tão emocionada que chorei! Que alma linda você tem para transmitir sua emoção á todos , que conhece a grandeza de D PEDRO II . Obrigada e parabéns por tocar á todos que porventura tiverem a oportunidade de ler tão maravilhoso texto!!

  2. Célia, fico muito honrado e também muito feliz por suas palavras. Busquei a alteridade, isto é, me colocar no lugar do outro, neste caso, D. Pedro II, ao escrever este texto. Torço para que um dia esta injustiça histórica seja devidamente reparada. Grande abraço minha amiga e que o Eterno lhe abençoe!

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Lívio Luiz Soares de Oliveira. Economista, analista pesquisador, articulista do Vida Destra