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Parcelamento de Precatórios, uma válvula de escape para o governo

Entre as medidas contempladas no acordo entre Executivo, Legislativo e Judiciário, logo após as manifestações de 7 de setembro, tínhamos a negociação de como seriam pagos os R$ 90 bilhões de precatórios — espécie de dívida que a Fazenda Pública (municipal, estadual ou federal) é obrigada a pagar a uma Pessoa Física ou Jurídica após condenação judicial definitiva — previstos no Orçamento de 2022.

No entanto, o que caminha a passos largos na Câmara dos Deputados é uma proposta do próprio Executivo, a PEC 23/2021, sob a relatoria do deputado Hugo Mota (Republicanos-PB), que permite o parcelamento de dívidas do setor público reconhecidas pela Justiça, que deve ser votada pela Comissão Especial em 19/10/2021.

A título de esclarecimento, o ministro da Economia registra na exposição de motivos que, em 2021, serão gastos R$ 54,4 bilhões em condenações de sentenças judiciais, o que equivale a 46% de toda a despesa discricionária — são aquelas sobre cujo montante o Governo tem algum grau de decisão —, enquanto para o próximo exercício de 2022, os R$ 90 bi equivaleriam a 2/3 de todo o orçamento para este tipo de despesa, estrangulando sobremaneira o Governo Federal.

A forma de pagamento dos precatórios tem uma ordem cronológica prevista no artigo 100 da Constituição Federal e os seus parágrafos que ora transcrevo, a qual será objeto alteração pela PEC:

Art. 100 Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica e apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

  • 1º Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado, e serão pagos com preferencia de todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo.
  • 2º Os débitos de natureza alimentícia cujos titulares, originários ou por sucessão hereditária, tenham 60 (sessenta) anos de idade, ou sejam portadores de doença grave, ou pessoas com deficiência, assim definidos na forma da lei, serão pagos com preferencia sobre todos os demais débitos, até o valor equivalente ao triplo fixado em lei para os fins do disposto no § 3º deste artigo, admitido o fracionamento para esta finalidade, sendo que o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório.
  • 3º O disposto no caput deste artigo relativamente à expedição de precatórios não se aplica aos pagamento de obrigações definidas em leis como de pequeno valor que as Fazendas referidas devam fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado.

 

Diante do fato que o Governo de SP obteve a suspensão, através de uma medida cautelar na ADI 6.556 do § 3o do artigo 9 da Resolução CNJ 303/2019, do pagamento integral da parcela suprareferencial (§2 do art. 100 CF), o ministro da Economia propõe na PEC o pagamento parcial desta parcela suprareferencial dos precatórios no mesmo exercício em que sejam requisitados, desde que contemplados em verbas necessárias ao pagamento de seus débitos no orçamento da entidade de direito público.

Outras medidas são os parcelamentos temporário e permanente. No primeiro caso, cuja vigência terminaria em 2029, há previsão de parcelamento de dívidas cuja soma total for superior a 2,6% da receita corrente líquida (RCL) dos 12 meses anteriores, o que implicaria numa economia de R$ 33,5 bilhões. A PEC prevê o pagamento inicial de 15% do valor e o parcelamento em nove anos, conforme notícia da Gazeta do Povo de 13.09.2021.

Quanto ao parcelamento permanente, ele contempla a integralidade do precatório, de valor superior ao patamar de sessenta salários mínimos, portanto superior a R$ 66 milhões, o que acarretaria num impacto positivo de R$ 22,5 bilhões, no espaço fiscal de 2022, considerando a mesma forma de pagamento do parcelamento temporário. Já as Requisições de Pequeno Valor (RPV), de até R$ 66 mil, serão pagas na totalidade, sem parcelamento.

Também seria considerado um novo indexador a ser utilizado no pagamento dos precatórios, atualizando as dívidas pela taxa básica de juros (SELIC), ao invés do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), mais 6% ao ano.

É facultado ao credor, conforme estabelecido em lei da entidade federativa devedora, a entrega de créditos em precatórios para aquisição da participação societária do respectivo ente federado.

Na PEC é instituído um Fundo de Liquidação de Passivos da União, suas autarquias e fundações, destinado a bancar os precatórios parcelados, as dívidas ativas fora do teto de gastos. Tal fundo será objeto de controle da administração pública, com mecanismo de encontro de contas, que possibilite quitar ou negociar passivos entre a União e os Estados.

Uma das propostas do parecer substitutivo do relator foi o parcelamento das contribuições previdenciárias dos Municípios com os respectivos regimes próprios de previdência social, com vencimento até 31 de dezembro de 2020, em até 240 prestações mensais.

O que me causa espécie é  o conceito de parcelamento tributário, como sendo uma modalidade de pagamento do crédito tributário não vencido ou vencido, em determinado número de parcelas ou prestações, associado à vedação contida no capítulo Orçamento da Constituição, abaixo transcrito:

Art. 167. São vedados

XI – a utilização de recursos provenientes das contribuições sociais de que trata o art. 195, I, a e II, para a realização de despesas distintas do pagamento de benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201.

 

Entendo que o parcelamento proposto por Paulo Guedes dará um fôlego no Orçamento de 2022, mas se existe uma perspectiva de recebimento de uma contribuição previdenciária, que é fonte do financiamento da Seguridade Social, o parcelamento previsto das dívidas tributárias relativas às contribuição sociais dos Municípios vão dar margem a despesas em outras finalidades, o que estaria proibido pela Constituição.

Enfim, não podemos nos esquecer que desde 2019, os demais Poderes tem também teto a cumprir, conforme Emenda Complementar 95/2016. E o Ministério Público e o Judiciário estouraram o teto, fazendo com que a União desembolsasse R$ 2,47 bilhões para cobrir o rombo. Fato que inexiste na Legislação.

Agora, que o Judiciário não tome uma decisão tresloucada, ao ponto dos precatórios crescerem num nível inaceitável, fazendo o Executivo ficar à mercê apenas das despesas obrigatórias, geralmente impostas por emendas impositivas do Legislativo, deixando de fazer o que é necessário em termos de Investimentos.

 

 

Luiz Antônio Santa Ritta, para Vida Destra, 13/10/2021.
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Economista, advogado e bancário (aposentado)