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Políticas afirmativas são um mal necessário?

Em agosto de 2022, a vigência da Lei 12.711/2012, que instituiu um sistema de reserva de 50% das vagas em concurso seletivo para ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio, a estudantes que tenham cursado integralmente, o ensino médio em escolas públicas e, posteriormente, que 50% dos 50% sejam reservadas a famílias, que possuam renda igual ou inferior a 1,5 salário mínimo per capita (algo em torno de R$ 1.815,00, em 2022), completará dez anos.

No entanto, o estudante deve se declarar preto, pardo, indígena ou com deficiência,  em proporção no mínimo igual à proporção respectiva desses grupos no Estado em que a instituição de ensino está localizada, a partir do censo mais atualizado do IBGE. Caso as vagas não sejam preenchidas por auto declaração, abrem-se as vagas remanescentes aos que tiverem cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.

Assim, abrem-se 4 hipóteses para ingresso nas universidades: a) os que ingressaram na modalidade de estudantes de escola pública com renda menor ou inferior a 1,5 salário mínimo; b) os que ingressaram na modalidade de estudantes de escolas públicas com renda maior que 1,5 salário mínimo; c) os que ingressaram na modalidade de cota para estudantes que fizeram auto declaração com renda menor que 1,5 salário mínimo; e d) os que ingressaram na modalidade de cota com renda superior a 1,5 salário mínimo.

No artigo 7º da citada lei, é previsto uma revisão do Programa de Sistema de Cotas, quando atingir tal prazo. No Congresso, existem alguns projetos para transformar a lei 12.711/2012 em uma política afirmativa permanente. Dentre eles, a aprovação do substitutivo do deputado Fabio Trad  (PSD–MS) ao PL 1788/2021 do deputado Bira de Pindaré (PSB-BA) na Comissão de Defesa de Pessoas com Deficiência da Câmara dos Deputados, que transfere a data para 2032. Segundo o autor, trata-se de um notável avanço de inclusão e acesso à universidade pública no Brasil. Tal projeto segue ainda para as comissões de Direitos Humanos e Minorias, Educação, de Constituição e Justiça e de Cidadania. Anexado ao projeto acima, o PL 1531/19 da deputada Dayane Pimentel (PSL-BA), que acaba com o mecanismo de cotas raciais para ingresso em universidades.

No Senado Federal existe o PL 4656/2020 do senador Paulo Paim (PT-RS), que prevê a revisão a cada 10 anos, mas o senador teme que a política de cotas não seja mais necessária, caso os percentuais de participação de alunos pretos e pardos, indígenas e pessoas com deficiência, alcancem a proporção respectiva dessas categorias na população de cada unidade da federação em que vivam. Isto, para o senador, significaria “um pesado golpe nas camadas mais necessitadas e discriminadas na população”.

Uma pesquisa publicada na Revista REVES, vol. 3, 2020, com o título “Sistema de Cotas e Fraudes em uma Universidade Brasileira”, de autoria de Sales Augusto dos Santos, da UNB e Matheus Silva Freitas, da Universidade Federal de Viçosa, revelou que após a implantação do sistema de cotas na Universidade de Viçosa-UFV, especificamente nos cursos de alto prestígio — Agronomia, Medicina Veterinária, Medicina, Direito, Engenharia Química e Mecânica —  que diversamente das universidades privadas e dos cursos de menor prestígio onde a supremacia é do sexo feminino, independente da opção por cotas, está ocorrendo uma maioria do sexo masculino, com a opção por cotas.

Outro ponto que foi constatado pelo resultado da pesquisa, as cotas étnico-raciais não garantiram o ingresso significativo de mulheres pretas no cursos de alto prestígio, todavia nos cursos de menor prestígio das universidades federais e privadas, o padrão se mantêm.

Mas o ponto crucial do artigo é a necessidade de todas as situações previstas na Lei 12.711/2021 se identificarem com cor/raça pretendida para se tornarem sujeitos de direitos, o que abre espaço para estudantes brancos fraudarem as cotas étnico-raciais na UFV, bem como em outras universidades federais.

Em Brasília aconteceu uma situação anômala, na qual duas irmãs gêmeas prestaram o vestibular para cursar Medicina Veterinária na UNB, no 2º semestre de 2018, no sistema de cotas, sendo que a estudante que obteve melhor resultado no exame, foi reprovada pela Comissão Avaliadora, em face da não apresentação do certificado de conclusão do curso, fato contestado pela família, que levou o caso para a Justiça.

De igual modo, os irmãos gêmeos Alan e Alex Teixeira da Cunha, prestaram vestibular em 2008 para a UNB pelo sistema de cotas raciais, já que não havia à época, o critério socioeconômico ou de origem escolar. Os jovens são filhos de pai preto e mãe branca, no entanto, a Comissão Avaliadora da UNB na submissão do teste de fotografia entendeu que Alan é negro, enquanto Alex, não.

Incrível mesmo foi a ex-miss Acre Hydalina Lins Farias, com 13.000 seguidores no Instagram, que passou, em 2020, na 2ª chamada pelo Sistema de Seleção Unificada-SISU para Medicina, pelo sistema de cotas de pessoas com deficiência, fato que irritou os internautas por ela ter postado várias fotos em viagens de luxo. Ela alega que tem 20 graus de miopia, mas em uma foto, ela aparece utilizando óculos.

O principal argumento contrário à atual legislação é que, como para metade dos cotistas o fator “renda” não é considerado, pessoas negras, indígenas ou com deficiência que figuram em classes econômicas mais altas podem ingressar nas instituições por meio das cotas, deixando de fora pessoas socialmente mais vulneráveis.

Segundo, Peter Fry, doutor em Antropologia Social, avalia que a forma atual da lei não resolve o principal problema da população brasileira pobre no acesso à universidade, que é a má qualidade da educação básica. “Para resolver o problema das desigualdades no Brasil é preciso investir massivamente na educação nos lugares mais pobres do Brasil, e automaticamente passa-se a contemplar as pessoas negras que, por razões históricas, figuram entre os mais pobres.

Concordo, em parte, com o antropólogo, que há a necessidade de investimento pesado na educação básica, mas discordo do passivo que origina estas políticas afirmativas, com base na escravidão, que penalizou os negros, ou quiçá, na deficiência do ensino público do passado.

Entendo que na própria universidade, os que ingressam pelo sistema de cotas, vão sofrer uma carga maior para o aprendizado em detrimento de outros que foram penalizados por serem barrados no ingresso pelo sistema de cotas. Sem falar na possibilidade de gerar pessoas desqualificadas para o mercado de trabalho.

Concluindo, manifesto-me contrariamente às políticas afirmativas de sistema de cotas, principalmente pela discricionariedade que pode haver pela Comissão Avaliadora, bem como nas fraudes que se multiplicam na burla do sistema de cotas.

 

 

Luiz Antônio Santa Ritta, para Vida Destra, 29/12/2021.
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4 COMMENTS

  1. Se não fosse a cota por estudar em escola pública, meus filhos não teriam entrado no CEFET e UFRJ/Unicarioca com bolsa de 100% teriam feito esse segundo grau meia boca Estadual.
    Já cota por cor de pele, já que somos todos humanos sou contra.
    Obs. Mesmo com a cota, o aluno tem que estudar muito para conseguir a vaga, não é fácil como pensam, não basta ser pobre e negro.

    • Entendo a situação RJ_em_Alerta, mas se o ensino na escola pública tivesse o mesmo padrão que o de escolas particulares, aposto que muitos dos pais tirariam seus filhos destas escolas. Além disso, O Estado cria um problema e o resolve de forma errada.

  2. Quando se constrói uma casa o alicerce tem que estar adequado o suficiente para que não haja instabilidade. Na educação temos o mesmo fundamento, caso contrário teremos uma legião de frustrados com diploma universitário. O sistema de cotas raciais sem agregar sem critério da condição financeira é injusto. Por que as universidades não preparam o cotista pobre para lhe dar base? Parabéns pelo artigo!

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Economista, advogado e bancário (aposentado)