“Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto/
Chamei de mal gosto o que vi, de mal gosto, mal gosto/
É que Narciso acha feio o que não é espelho (…)”
(Sampa – Caetano Veloso e Gilberto Gil)
Dizem que a arte imita a vida. Se essa máxima é verdadeira, não saberia dizer, já que há muito tempo não sento diante de uma TV. Mas em se tratando de tempos em que tudo precisa ser regado a cancelamento – e a pão e circo – talvez tenha chegado a hora da arte realmente revelar o que há aqui fora.
Nenhum termo é tão usado hoje, talvez na sua forma mais cruel, como o cancelamento. Os motivos são vários, e até de forma fútil; especialmente em tempos de polarização política. Porém, por conta de um famoso reality show, a turma que sempre se apropriou do termo – em sua maioria esquerdista – resolveu, simplesmente, ignorar a realidade.
Ironicamente, tudo o que eles sempre fizeram questão de propagar – racismo, vitimismo, hipocrisia – está diante de seus olhos como um espetáculo triste e dantesco, que ninguém está gostando de tomar parte. De repente, os heróis que tanto eram exaltados, se tornaram alvo de “apedrejamento” – vide o caso de uma cantora negra, de funk, cujo nome não citarei aqui.
Ela, que sempre foi motivo de orgulho para a inflamada militância por ser empoderada, mãe solteira e de origem humilde – justamente o que a esquerda mais idolatra – se tornou campeã em rejeição por parte de quem mais celebrava como modelo de virtude para a dita “comunidade”. E não só ela, como outros artistas que fazem parte dessa atração.
É como se, num repente, o lado canhoto da juventude se desse conta de que nem tudo é um imenso faz-de-conta; e, principalmente, a bolha que eles achavam intransponível, estoure. O resultado mais imediato disso se vê, todo dia, nas redes sociais – o grande termômetro dessa geração movida a pão e circo – a militância se tornar tão insuportável, que nem eles querem mais olhar pro espelho que está diante deles.
A realidade, nua e crua, é um bicho difícil de se encarar. Especialmente pra quem considera a própria visão de mundo como a única válida, e fala tanto em empatia. Eles mesmos estão provando, a cada dia, que na maioria das vezes tudo isso fica só no discurso.
Resta saber quanto tempo mais essa turminha vai continuar fugindo de encarar de frente os monstros que eles mesmos criaram – e alimentaram – pra satisfazer o próprio ego. Ou se vão definhar diante da própria vaidade, como no mito de Narciso.
Lucia Maroni, para Vida Destra, 09/02/2021. Sigam-me no Twitter, vamos debater o tema! @rosadenovembroo
Crédito da Imagem: Luiz Augusto @LuizJacoby
Parabéns por expor esses fatos. Realmente está insuportável.
Na mesma Grécia antiga, Lúcia, também podemos buscar analogia na Caverna de Platão, onde prisioneiros somente conhecem o mundo pelas sombras e ecos que se prometam e ressonam nas paredes da caverna, da qual não saem e desconhecem a realidade do mundo. Excelente artigo.