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Querem implantar a linguagem neutra à força no Brasil

Língua, religião e alta cultura são os únicos componentes de uma nação que podem sobreviver quando ela chega ao término da sua duração histórica. São valores universais, que, por servirem a toda a humanidade e não somente ao povo em que se originaram, justificam que ele seja lembrado e admirado por outros povos…”

Trecho do artigo “Orgulho do Fracasso” de Olavo de Carvalho, publicado no jornal O Globo em 2003.

 

Como o negócio da moda é implantar a linguagem neutra ou linguagem não binaria a todo custo no Brasil —linguagem representativa de membros da comunidade LGBTQIA+, que erguem a bandeira da adaptação da Língua Portuguesa oficial ao uso de expressões neutras, as quais seriam representativas de pessoas não-binárias, ou seja, daqueles que não se identificam com os gêneros feminino ou masculino —, temos como ator principal o Judiciário, especificamente o STF, que é fruto deste progressismo de pautas de políticos, da militância da ideologia de gênero e de empresas que patrocinam estas causas.

Entre as ações impetradas, temos duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI), a primeira a de no   6.925, de 05.07.2021, que apresenta como autor o Partido dos Trabalhadores contra o Decreto do Governo de Santa Catarina, que veda o uso de novas formas de flexão de gênero e de número das palavras da Língua Portuguesa em documentos escolares oficiais e editais, expedidos por instituições de ensino e por bancas examinadoras de seleção e concursos da Administração Pública Estadual. Nesta ação a relatoria ficou com o ministro Nunes Marques.

Já a segunda ADI de no 7.019, de 04.11.2021, da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimento de Ensino (Contee), requer a suspensão de lei do Estado de Rondônia que proíbe a denominada linguagem neutra na grade curricular e no material didático de instituições locais de ensino, públicas ou privadas, e em editais de concursos públicos. Para o meu espanto, esta ação foi distribuída ao ministro Fachin.

Previamente, é necessário dizer que o ministro Luiz Fux recebeu o processo da ADI 6.925-SC em pleno recesso judicial, entendendo, em despacho, que se tratava de uma série de questões complexas, as quais seriam objeto de análise pelo eminente relator Nunes Marques, juiz da causa, e verificou que não se tratava de caso urgente. (grifo meu)

Diante do despacho exarado por Fux, lógico deduzir que a ADI 7.019-RO teria que ter sido distribuída para o ministro Nunes Marques, já que se tornou o juiz prevento para todas as causas de linguagem neutra no STF, como determina o artigo 66 do Regimento Interno do STF: que se fará a distribuição dos processos por sorteio ou por prevenção. O que não foi feito.

Com prudência, Nunes Marques não verificando urgência, mas identificando a existência de uma medida cautelar, solicitou informações ao Governo do Estado de Santa Catarina, ao MEC e a intimação do AGU e do PGR para se manifestarem no prazo de 5 dias, e após, poderia submeter diretamente ao Plenário, em face da relevância da matéria e do especial significado para a ordem social e segurança jurídica, conforme o art. 12 da Lei 9.868/99 (Processo e Julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o STF).

Diferentemente, o ministro Fachin concedeu a liminar em 16.11.2021, suspendendo a Lei do Estado de Rondônia, “inaudita altera pars” — sem ouvir a outra parte, no caso o Governo Estadual —, ofendendo, paralelamente, o despacho de Fux na ADI 6.925-SC, que não verificou urgência, bem como o artigo 10 da Lei 9.868/99, no tocante a maioria absoluta dos membros do Tribunal para implementação de medida cautelar, por vislumbrar que a norma impugnada entrando em vigor, incide imediatamente sobre conteúdos didáticos que estão sendo ministrados. Como doutos professores rondonienses podem aplicar nos bancos escolares algo alienígena à norma culta da Língua Portuguesa em vigor?

Dentre os argumentos elencados pelo ministro Fachin do STF, está a usurpação da competência privativa da União em legislar sobre a Lei de Diretrizes Básicas da Educação – LDB e a prerrogativa do ministro da Educação editar os Parâmetros Curriculares Nacionais, que estabelecem como objetivo para o ensino da Língua Portuguesa o conhecimento e valorização das diferentes variedades de português,  a fim de combater o preconceito linguístico. Para tanto,  ao proibir determinado uso da linguagem, o Governo do Estado de Rondônia atenta contra normas editadas pela União.

Assim, para Fachin, a lei rondoniense estaria afrontando a liberdade de expressão, considerada uma censura prévia ao direito à linguagem inclusiva como o “direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade e a expressão de gênero”, e que “a identidade de gênero é a manifestação da própria personalidade da pessoa humana e, como tal, cabe ao Estado apenas o papel de reconhecê-la, nunca de constituí-la”. Por isso, proibir que a pessoa possa se expressar livremente atinge sua dignidade e, portanto, deve ser coibida pelo Estado,  conforme jurisprudência da Corte Internacional de Direitos Humanos da OEA.

Difícil falar sobre censura prévia se no inquérito das Fake News, o STF pratica sem dó nem piedade a censura prévia. Além do que, Fachin é considerado no direito internacional, um “monista”, aquele que considera a primazia do direito internacional sobre o direito interno, principalmente uma igualdade material de uma minoria, que provoca a desigualdade formal da maioria.

A Lei do Estado de Rondônia 5.123, dispõe em seu artigo 1o:

“Fica garantido aos estudantes do Estado de Rondônia o direito de aprendizado da língua portuguesa de acordo com a norma culta (grifo meu) e orientações legais de ensino estabelecidas com base nas orientações legais do ensino estabelecidas com base nas orientações nacionais de Educação, pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VolP) e da gramática elaborada nos termos da reforma ortográfica ratificada pela Comunidade dos Países da Língua Portuguesa – CPLP”.

Esquece o ministro Fachin que o artigo 13 da Constituição Federal dispõe que a língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil e o Decreto 6.583/2008, promulgou o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, o qual foi depositado como o instrumento do ratificação junto ao Ministério dos Negócios Estrangeiros da República Portuguesa, estabelecendo um padrão de língua entre os governos da Republica de Angola, da República Federativa do Brasil, da República de Cabo Verde, da República de Guiné-Bissau, da República de Moçambique, da República Portuguesa e da República Democrática de São Tomé de Príncipe.

Acrescente-se que o § 2o do artigo 24 diz que a competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados, fato que fez a deputada estadual-SC, Ana Campagnolo, protocolar o PL 0357.5/2020, em 24.11.2020, na ALESC, estabelecendo medidas protetivas ao direito dos estudantes de Santa Catarina ao aprendizado da Língua Portuguesa de acordo com a norma culta. Tal projeto foi apensado ao PL 0356.4/2020 com a mesma finalidade e encontra-se, em 01.06.2021, no gabinete do deputado Fabiano da Luz – PT. Difícil os parlamentares do atraso do Brasil desengavetarem este projeto.

Com idêntico desiderato, o vereador Nikolas Ferreira apresentou o PL 54/2021 na Câmara Municipal de Belo Horizonte e, para surpresa geral, na Audiência Pública ninguém soube manifestar-se contrariamente ao projeto adotando a linguagem neutra.

No âmbito nacional, a deputada federal Geovania de Sá (PSDB-SC) apresentou o PL 2650/21, que proíbe a linguagem neutra em escolas públicas e privadas, através de inclusão de artigo na LDB vedando a linguagem neutra em materiais didáticos e documentos oficiais. Mas não é apenas ela, o deputado Guilherme Derrite (PP-SP), busca impedir o uso da linguagem não-binária no PL 5248/2020 com base no aprendizado da norma culta. E, ainda a deputada Chris Tonietto (PSL-RJ) veda o dialeto não-binário nas grades curriculares, no PL 211/2021.

Ainda na competência suplementar, entendo que se a LDB é omissa em relação à norma culta, não impede ao Estado de Rondônia legislar sobre o que não seja pertencente à norma culta da língua portuguesa.

A justificativa técnica da professora de língua portuguesa Cíntia Chagas, que embasou o PL catarinense, é que a linguagem neutra não tem ancoragem linguística, já que o gênero masculino na língua portuguesa já é neutro, valendo para pessoas do gênero “masculino” e do gênero “feminino” e para indivíduos que não se identificam com nenhum dos gêneros.  Isto se dá pelo seguinte fato: no latim, havia três gêneros, o masculino (terminado, em -o), o feminino (terminado em –a) e o neutro (terminado em –u). Na passagem do latim para o português, devido a semelhança da terminação masculina com a terminação neutra, adotou-se o masculino para designar o próprio masculino e também o neutro.

É por isso que, em um exemplo dado pelo renomado pesquisador e professor da Unicamp, Sírio Posseti, “dizemos que o circo tem dez leões, mesmo que tenha cinco leões e cinco leoas, mas não dizemos no mesmo caso, que tem dez leoas. Também, é por isso que se pode dizer que todos nascem iguais em direitos, o que se inclui as mulheres, mas não se incluiriam os homens se a forma fosse “todas nascem iguais em direitos”.

Trata-se uma briga entre linguistas e gramáticos, onde os primeiros defendem a linguagem neutra ou dialeto não-binário como uma tentativa de não exclusão do não-binário em face daquela pessoa não se identificar com o gênero masculino nem com o gênero feminino.

Mas na verdade, qual é o percentual dos não-binários na população brasileira? Isto porque segundo a professora Cíntia Chagas, tal inclusão provoca severas dificuldades na linguagem, principalmente nos cegos — que fazem a leitura pelo método braile —, dos surdos — que fazem a leitura através da linguagem labial — dos disléxicos e dos autistas. A gramática é o único meio de ascensão social.

Em entrevista para Leda Nagle no YouTube, Cíntia Chagas afirmou que a linguagem neutra já foi implantada no colégio Liceu Franco Brasileiro em novembro de 2020, no Rio de Janeiro, em contrariedade a Base Nacional Comum Curricular, que preza a adequação à norma culta da Língua Portuguesa. Segundo ela, é um perigo para interpretação de textos pelos alunos, bem como pela escrita. Imagine na formação da criança e do adolescente, com a previsão de uma novela com a linguagem neutra.

Assevera ainda a professora, que na França já houve a proibição da linguagem não-binaria porque foi considerada uma aberração linguística e a língua francesa corria perigo mortal.

Voltando à ADI 7.019, aguardando o parecer do PGR, o Governo do Estado de Santa Catarina explica que o decreto tem apenas natureza regulamentar, vedando a utilização da linguagem neutra em documentos oficiais, a fim de concretizar o princípio da impessoalidade e seguir o padrão culto da língua portuguesa.

Já o Ministério da Educação, por intermédio da Secretaria de Alfabetização, pontua que “a categoria gramatical “gênero”, que surgiu por mérito de desenvolvimento natural da língua, inclui todos os substantivos do idioma — até aqueles que sequer têm qualquer relação com seres do sexo masculino ou do sexo feminino. Uma “parede” não tem em si nada de mais feminino do que teria um “muro”, nem o “planeta” seria mais masculino que uma “bola”. O que ocorre é que todos os nomes da língua, pelo funcionamento da gramática, estão numa das categorias de gênero gramatical existentes”.

O Advogado-geral da União, diante do raciocínio argumentativo do PT de que a partir de conceitos e parâmetros provenientes da igualdade, formalizadas no âmbito da ONU, e que as transformações provenientes da evolução social e cultural dos cidadãos, adaptando-se a um novo formato que fosse representativo do anseio das minorias societárias discriminadas, possibilitando assim, o uso de um sistema linguístico neutro, e como o artigo masculino seria o pronome neutro no plural e, por esta questão essencialmente de gênero, não efetivaria o princípio da igualdade democrática, o AGU se manifestou contrariamente.

Com efeito, o chamado gênero gramatical invocado pelo PT não se confunde com o gênero biológico. Isto porque as categorias gramaticais estão diretamente associadas à concordância formal e funcional que se estabelece entre palavras, de modo a facilitar o processamento linguístico. Ou seja, as propriedades gramaticais tradicionalmente designadas por gênero e número constituem mecanismos participativos de um procedimento estrutural e estritamente formal do processamento linguístico. Em verdade, as categorias “gênero masculino” e “gênero feminino” não se vinculam à descrição de seres do sexo biológico masculino ou feminino, porquanto as palavras da língua portuguesas pertencentes ao gênero gramatical feminino podem designar seres do sexo masculino e vice-versa.

Acrescenta o AGU que, a Secretaria Especial de Cultura editou a Portaria no  604, de 27.10.2021, que veda o uso da linguagem neutra em projetos financiados pela Lei 8.313/91. O fundamento da referida portaria associa-se à proteção da cultura linguística brasileira.

Como surpresa geral, o ministro do STF Nunes Marques pediu destaque na ADI 7019-RO, deixando o julgamento de ser virtual e passando a análise para o Plenário físico, fato que possibilitaria a participação do novo ministro do STF André Mendonça, dando uma rasteira em Fachin. Contudo, não vejo com bons olhos o final, mesmo diante de tamanha participação de nossos parlamentares por todo Brasil, o STF caminha com seu ativismo judicial de forma a implementar a linguagem neutra.

Finalmente, reparem que a linguagem neutra adveio de uma militância pela ideologia de gênero e de políticos progressistas, mas que este reconhecimento provoca desigualdade. E a deputada estadual Ana Campagnolo diz que a formação de um país se dá pelo território, pelo povo, pela religião e pela língua, e destruir a língua de um povo é destruir a identidade natural desse povo (grifo meu).

Penso que trazermos este fundamentalismo identitário provocaria mudanças absurdas na literatura nacional e internacional, fazendo até Luís de Camões, autor de Os Lusíadas, revolver no túmulo com o introito de seu poema na linguagem neutra: “Is armes e is baroxis assinalades. Que de Ocidental Praie Lusitane. Por mares nunca de antes navegades …”.

 

 

Luiz Antônio Santa Ritta, para Vida Destra, 15/12/2021.
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Economista, advogado e bancário (aposentado)