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Salvem-se quem puder, os maníacos estarão às soltas!

Começará, a partir de 15.08.2023, a proibição de internação em Hospitais de Custódia e Tratamentos Psiquiátricos (HCTP), denominados de manicômios judiciários, que servem para atendimento de pessoas com transtorno mental que sofreram sanção penal de “Medida de Segurança”, ou seja, internação em instituições asilares, por serem consideradas inimputáveis. Também ficou determinado que, até maio/2024, estas instituições sejam desativadas, com base na Resolução nº 487/2023, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, que estabeleceu a nova Política Antimanicomial do Poder Judiciário, conforme notícias do Migalhas Quentes, de 21.07.2023.

Daí, o que fazer com novos “Chicos Picadinhos”, “Maníacos do Parque”, “Bandidos da Luz Vermelha” e “Pedrinhos Matadores”, que são considerados para Justiça, como inimputáveis penais, quer dizer, segundo o Direito a situação em que há a exclusão da culpabilidade penal, conforme artigo 26 do Código Penal, descrito abaixo. Colocar na rua ou em presídios comuns, juntos com os patriotas, inclusive um autista?

Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

De antemão é necessário dizer que a Resolução CNJ 487, de 15.02.2023, foi um normativo derivado da falta de regulamentação pelo Poder Legislativo da Lei nº 10.216/2001, que estabeleceu a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redirecionou o modelo assistencial em saúde mental, principalmente vedando a internação em HTCP, como se depreende do inciso VIII do art. 1 e dos § 2º e § 3º do art. 2º.

VIII – ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis;

  • 2º O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros.
  • 3º É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em instituições com características asilares.

Daí a Resolução CNJ, que estabeleceu a nova Política Antimanicomial do Poder Judiciário, muito em razão do Brasil ter sido condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA, no caso Ximenes Lopes vs Brasil, a qual determinou a necessidade do Estado brasileiro desenvolver um programa de formação e capacitação para o pessoal de psiquiatria e enfermagem, no trato de pessoas com deficiência mental.

Inicialmente o CNJ define no artigo 2º, o que seja pessoa com transtorno mental e Rede de Atenção Psicossocial (RAPS):

I – pessoa com transtorno mental: aquela com algum comprometimento, impedimento ou dificuldade psíquica, intelectual ou mental que, confrontada por barreiras atitudinais ou institucionais, tenha inviabilizada a plena manutenção da organização da vida ou lhe cause sofrimento psíquico e que apresente necessidade de cuidado em saúde mental em qualquer fase do ciclo penal, independentemente de exame médico-legal ou medida de segurança em curso;

II – RAPS: rede composta por serviços e equipamentos variados de atenção à saúde mental, tais como os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), os Centros de Convivência e Cultura, as Unidades de Acolhimento (UAs) e os leitos de atenção integral (em Hospitais Gerais), presentes na Atenção Básica de Saúde, na Atenção Psicossocial Estratégica, nas urgências, na Atenção Hospitalar Geral, na estratégia de desinstitucionalização, como as Residências Terapêuticas, o Programa de Volta para Casa (PVC) e estratégias de reabilitação psicossocial;

Importante trazer o conceito de pessoa com deficiência estabelecido no art. 2º da Lei 13.146/2015, que estabeleceu o Estatuto de Pessoa com Deficiência, inclusive trazendo no seu artigo 2º, a conceituação, fato que não poderia ser confrontado por uma Resolução.

Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

Já o artigo 4º da Resolução CNJ determina que, quando apresentada em audiência de custódia pessoa com indícios de transtorno mental identificados por equipe multidisciplinar qualificada, ouvidos o MP e a Defesa, caberá ao Juiz o encaminhamento para atendimento voluntário nas RAPs.

Continua o artigo 13 estabelecendo que: “a medida de segurança de internação ou internação provisória ocorrerá em hipóteses absolutamente excepcionais, quando não cabíveis ou suficientes outras medidas cautelares diversas da prisão ou quando compreendidos como recurso terapêutico momentaneamente adequado no âmbito dos Projetos Terapêuticos Singulares – PTS, enquanto necessárias ao reestabelecimento da pessoa, desde que prescritas por equipe de saúde da Raps”.

Situação completamente anômala do disciplinado no art. 96 do CP, que estabelece que as medidas de segurança sejam cumpridas em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico ou à falta, em outro estabelecimento adequado, fato corroborado pelo art. 99 da Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/84).

De forma alvissareira foram protocolados dois PDLs – Projetos de Decreto Legislativo, PDL 152/2023, no Senado e PDL 81/2023, na Câmara de Deputados, de autoria do Senador Styvenson Valentim e do Deputado Federal Kim Kataguiri, respectivamente, de forma a suspender a eficácia da Resolução do CNJ.

Segundo o PDL 81/2023, o CNJ exorbitou no poder de regulamentar, conforme inciso V do art. 49 da CF, ao criar procedimento especial não previsto na legislação de referência, inovando em matéria de política pública de segurança ao arrepio da manifestação do Congresso Nacional.

Também a Resolução do CNJ extrapolou o poder regulamentar previsto na Lei de Execuções Criminais, que prevê o tratamento em HTCP, uma vez que ocorrendo um conflito de normas penais, aplica-se o Princípio de Norma Específica: “Lex Specialis Derogat Legi Generali” (norma especial sobrepõe as de caráter geral).

Acrescentou que, tanto o Conselho Federal de Medicinal (CFM) e as Associação Brasileira de Psiquiatria (APB), Associação Médica Brasileira, Federação Nacional de Médicos (Fenam) e Federação Médica Brasileira (FMB) se posicionaram frontalmente contra o mérito da Resolução.

No tocante ao PDL 81/2023, esclarece que o CNJ é uma instituição pública que visa o aperfeiçoamento do trabalho do judiciário brasileiro, principalmente, no que diz respeito ao controle e à transparência administrativa e processual, conforme § 4º do Art. 103-B da CF, situação que não atraí a competência para elaborar políticas públicas para o Poder Judiciário, tampouco estabelecer procedimentos e diretrizes para implementar a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência.

Esclarece ainda que o constitucionalista José Afonso da Silva tece brilhantes considerações sobre as Resoluções emanadas de autoridade administrativa, quando exorbitam na função do poder de regulamentar.

O poder regulamentar não é poder legislativo, por conseguinte não pode criar normatividade que inove a ordem jurídica. Seus limites naturais situam-se no âmbito da competência executiva e administrativa, onde se insere. Ultrapassar esses limites importa abuso de poder, usurpação de competências, tornando irrito o regulamento dele proveniente, e sujeito a sustação pelo Congresso Nacional (art. 49, V). O regulamento é uma norma jurídica secundária e de categoria inferior a lei, tem limites decorrentes do direito positivo. Deve respeitar os textos constitucionais, a lei regulamentada e a legislação, em geral, e as fontes subsidiárias a que ela se reporta. Assim, não cria, nem modifica e sequer extingue direitos e obrigações, senão nos termos da lei, isso porque o inovar originariamente na ordem jurídica consiste em matéria reservada a lei. Não cabe aos regulamentos, por iniciativa própria e sem texto legal, prescrever penas, seja qual for a espécie; estabelecer restrições à igualdade, à liberdade e à propriedade.” (Comentário Contextual à Constituição, 4ª edição, São Paulo: Ed. Malheiros, 2007, p.484/485).

Conforme abaixo-assinado que conta com apoio de 32 entidades, dentre elas o CFM, Associação Brasileira de Psiquiatria, Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais, etc., lamenta-se que a Resolução não tenha sido discutida com profissionais envolvidos na questão; que pode levar os pacientes para as ruas ou presídios comuns, colocando em risco suas vidas, inclusive da população em geral; que a rede básica de saúde não está preparada para oferecer atendimento diferenciado a transtornos mentais; e que a decisão ignora a visão médica sobre perícia, internação e acompanhamento e avaliação desses pacientes, conforme notícia da Gazeta do Povo, de 18.05.2023.

Por outro lado, se manifestaram a favor da Resolução: o Conselho Federal de Psicologia e o IBCCrim — Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Desde quando psicólogo pode soltar maluco?

Segundo o CFM, em nota de 08.05.2023, registrou que: “faltam 7 dias (grifo meu) para 5.800* criminosos (matadores em série, assassinos, pedófilos, latrocidas, dentre outros) sentenciados que cumprem penas em HPCT, sejam soltos, conforme a Resolução CNJ.”

Muitos se equivocaram com relação aos prazos de proibição de internação, revisão dos processos de medidas de segurança e de extinção dos HTCPs constantes da Resolução, porque o normativo tem um Vacatio Legis — período entre a data da publicação de uma lei e a sua entrada em vigência — de 90 dias, conforme artigo 24 da Resolução CNJ, o que culmina em 15.05.2023.

Conforme o artigo 18 da Resolução, a primeira data é 15.08.2023 — 6 meses, após 15.02.2023, data da publicação — em que autoridade judiciária determina a interdição parcial dosHCTPs, jogando os pacientes para o SUS e para rede privada. Já o fechamento dos HCTPs ficará para 15.05.2024 — 12 meses, da entrada em vigor, que foi 15.05.2023.

Art. 18. No prazo de 6 (seis) meses contados da publicação desta Resolução, a autoridade judicial competente determinará a interdição parcial de estabelecimentos, alas ou instituições congêneres de custódia e tratamento psiquiátrico no Brasil, com proibição de novas internações em suas dependências e, em até 12 (doze) meses a partir da entrada em vigor desta Resolução, a interdição total e o fechamento dessas instituições.

Já os prazos de revisão dos processos de medidas de segurança ficaram para 15.11.2023.

Art. 16. No prazo de até 6 (seis) meses, contados a partir da entrada em vigor desta Resolução, a autoridade judicial competente revisará os processos a fim de avaliar a possibilidade de extinção da medida em curso, progressão para tratamento ambulatorial em meio aberto ou transferência para estabelecimento de saúde adequado, nos casos relativos:

I – à execução de medida de segurança que estejam sendo cumpridas em HCTPs, em instituições congêneres ou unidades prisionais;

II – a pessoas que permaneçam nesses estabelecimentos, apesar da extinção da medida ou da existência de ordem de desinternação condicional; e

III – a pessoas com transtorno mental ou deficiência psicossocial que estejam em prisão processual ou cumprimento de pena em unidades prisionais, delegacias de polícia ou estabelecimentos congêneres.

De forma a não me estender mais no assunto em que a Presidente do CNJ, Ministra Rosa Weber, não previu também de onde vem os recursos para tal desiderato, no caso de sobrecarregar o SUS, conforme art. 169 CF, e, colocando-me prontamente contra esta Resolução que coloca uma insegurança para a população, convido os leitores a assistirem a entrevista do Dr. Antonio Geraldo, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, dada ao programa Oeste sem Filtro, que você encontra aqui.

(*) Relatório do Sistema Prisional em Números do Conselho Nacional do Ministério Público de 2021.

 

 

Luiz Antônio Santa Ritta, para Vida Destra, 02/08/2023.
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WELTON REIS DOS SANTOS
1 ano atrás

Essas pessoas acham que vivem em países nórdicos onde existe infraestrutura, porém são países pequenos. O SUS já não atende bem o básico quanto mais o especializado. O sistema prisional brasileiro é de recuperação e não de pena. Recuperar doentes mentais não é tarefa fácil, necessita anos de observação e controle. Essa gente vive no maravilhoso mundo da Alice.

Nunes
Admin
1 ano atrás

Parabéns S.R. pelo artigo.
Horrorizado…

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11 meses atrás

[…] Este número de presos não cresceu mais diante da pandemia e das diversas decisões judiciais que culminaram com a soltura de presos, a exemplo do traficante André do Rap e, agora, mais uma decisão estapafúrdia do CNJ, que coloca malucos na rua, que foi objeto de artigo de minha autoria para o Vida Destra, que você encontra aqui. […]

Economista, advogado e bancário (aposentado)