Neste artigo pretendo trazer à baila a discussão sobre a quebra de patentes das vacinas em plena pandemia, ou se não está se relativizando os direitos à propriedade industrial com o mote do perigo iminente à saúde pública com a COVID-19.
A princípio, é necessário trazer a proteção constitucional estabelecida no inciso XXIX do artigo 5 da Carta:
“A lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para a sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País”. (grifo meu).
Agora faz-se necessário também trazer a Lei 9.279/97, que regulamenta a propriedade industrial no país, e dizer que estes direitos são concedidos e assegurados pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), bem como introduzir o conceito de patente: direito atribuído pelo Estado que garante a utilização exclusiva de uma invenção — obra criada — ou de um modelo de utilidade — aperfeiçoamento das invenções.
Quanto ao privilégio temporário realçado no inciso citado acima, temos que trazer o prazo de vigência que é de 20 anos para a patente de invenção e 15 anos para o modelo de utilidade, contados da data do depósito.
No dia 06.05.2021, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional a extensão automática das patentes previsto no parágrafo único do art. 40 da Lei 9.279/97, transcrito abaixo, com base em pedido do PGR na ADI 5529, por considerar desleal a entrada de novos players no mercado, mantendo preços altos e prejudicando consumidores, especialmente no campo da saúde, fruto da análise demorada do INPI para a concessão por pendência judicial ou força maior.
“O prazo de vigência não será inferior a 10 (dez) anos para a patente de invenção e a 7 anos para a patente de modelo de utilidade, a contar da data da concessão, ressalvada a hipótese de o INPI estar impedido de proceder ao exame de mérito do pedido, por pendência judicial comprovada ou por motivo de força maior.”
Antes que ingressemos no aspecto da quebra de patentes de imunizantes contra a covid-19 no Brasil, é interessante registrar que o Presidente americano Joe Biden apoia a suspensão dos direitos de propriedade intelectual sobre as vacinas contra a Covid-19, com base em uma ideia proposta por países com Índia e África do Sul em outubro/2020 na Organização Mundial do Comércio (OMC), conforme reportagem da Gazeta do Povo de 05.05.2020. No entanto, em março/2021, a OMC não chegou a um acordo sobre a suspensão das patentes, bem como o Brasil manifestou-se contrariamente a Índia e a África do Sul, junto à OMC.
É hilária a posição do presidente norte-americano, por seu país ser a sede de grandes farmacêuticas, como Moderna e Johnson & Johnson, as quais, historicamente, se opõem à discussão sobre a quebra de patentes de vacinas. Aliás, o diretor da Federação Internacional de Produtores e Associações Farmacêuticas (IFPMA), Thomas Cueni, disse à Deutsche Welle que: “os pedidos pela quebra de patentes de vacinas não aumentariam o fornecimento em uma única dose no curto prazo, porque ignoram a complexidade da produção de vacinas e a extensão com a qual produtores, empresas farmacêuticas e nações em desenvolvimento já estão cooperando para aumentar a capacidade de vacinação”.
O argumento do setor privado é o de que o fim das proteções à propriedade intelectual não resolverá os gargalos de produção e, portanto, não resultará imediatamente na maior oferta de vacinas.
No tocante aos Tratados Internacionais, o Brasil é signatário do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (TRIPS), no âmbito da OMC, Anexo 1C do Tratado de Marrakesh, ratificado pelo Brasil através do Decreto 1.355/64, que incorporou a Ata Final da Rodada Uruguai das Negociações Comerciais Multilaterais do GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio). Tal Tratado tem status de Emenda Constitucional.
Em 2000 já houve um imbróglio internacional entre Brasil/EUA sobre a produção e comercialização de medicamentos para tratamento do HIV no âmbito da OMC, em relação aos artigos 27 e 28 do TRIPS — material patenteável — frente aos artigos 68 e 71 da Lei 9.279/96, que trata da licença compulsória nos casos de emergência nacional e de interesse público, a qual foi permitida a concessão, de ofício, através do Decreto no 3.201/99, conforme artigo do Âmbito Jurídico com título “Acordo TRIPS: Os direitos de propriedade intelectual, o comércio e o quadro normativo brasileiro”, de 01.12.2009, de Eliane M. Octaviano Martins. Esclarecendo que, emergência nacional entende-se por iminente perigo público.
Com a concessão da licença compulsória, o laboratório farmacêutico receberia a título de royalties um quantum considerado justo pelo Brasil, o que vem sendo denominado de “quebra de patente” pelos laboratórios internacionais. Enfim, em junho/2001, os EUA retiraram a queixa relativa ao artigo 68 da Lei supracitada, em contrapartida, o Brasil se comprometeu a comunicar com antecedência qualquer intenção de “quebra de patente” ou de concessão de licença compulsória.
Em abril/2021 foi formada uma Comissão Geral na Câmara dos Deputados para decidir sobre a quebra de patentes das vacinas da COVID-19, com base na proposta da Índia e África do Sul. A Comissão, formada na maioria por parlamentares de oposição, resolveu convidar representantes da OPAS, dos Médicos Sem Fronteira, BAHIAFARMA, Fiocruz, etc. Apenas o representante da Organização Mundial da Propriedade Industrial no Brasil, José Graça Aranha e o secretário do Ministério das Relações Exteriores, Sarquis José, se manifestaram contrariamente, sendo que o Secretario disse que a quebra de patentes não tem efeitos de curto prazo e traz riscos ao país.
Atualmente, a Fundação Rockfeller está instalada em pleno parque de pesquisas da Fundação Oswaldo Cruz, que recebe os IFA para produção da vacina Oxford/AstraZeneca, em que há transferência de tecnologia, conforme artigo da articulista Renata Araújo, que você pode consultar aqui. Será que a que a quebra da patente de vacinas já ocorreu e ninguém viu?
Existem vários Projetos de Lei em trâmitação na Câmara, mas o mais preocupante é PL 1320/2020, da deputada Jandira Feghali, que pretende introduzir o termo “titular do pedido” no artigo 71 da Lei 9279/96, que trata da licença compulsória em casos de emergência nacional. Tal projeto causa certa insegurança quanto aos direitos de propriedade intelectual e fere o princípio constitucional da livre concorrência ao incluir pedidos de patentes no rol das licenças compulsórias, ao ampliar irrestritamente processos e produtos objetos dessas licenças e ao limitar a taxa de remuneração do titular, segundo o artigo “O direito à saúde e à vida em confronto com o direito à propriedade intelectual dos laboratórios, no âmbito da pandemia da COVID 19: a possível quebra de patentes”, publicado na Revista Jurídica, vol. 5, n o 62, 2020.
Conforme notícia do Migalhas Quentes, de 30.04.2021, o Senado Federal autoriza o governo a decretar a licença compulsória de patentes de vacinas, testes de diagnósticos (PL 12/21) e licença-compulsória, temporária e não exclusiva do Remdesivir (PL 1171/21). Tais projetos vão para a Câmara dos Deputados para deliberação. O relator Nelsinho Trad lembrou que não é possível, através de uma lei ordinária, suspender um tratado internacional ratificado pelo Brasil, contudo ele entende que o acordo TRIPS contém as salvaguardas necessárias para modificação na Lei 9.279/96, que regula direitos e obrigações relativos à lei de propriedade industrial, como ocorreu com a licença compulsória do Efavirenz no tratamento para AIDS.
Transcrevo o artigo 71 da Lei 9.279/96:
“Nos casos de emergência nacional ou interesse público, declarados em ato do Poder Executivo Federal, desde que titular da patente ou se licenciado não atenda a essa necessidade, poderá ser concedida, de ofício, licença compulsória, temporária e não exclusiva, para a exploração da patente, sem prejuízo dos direitos do respectivo titular.”
Em entrevista ao Programa Opinião Ar da REDETV, no dia 07.05.2021, disponível no YouTube, o líder do Governo na Câmara, deputado Ricardo Barros, disse que o Executivo é contra a quebra de patentes das vacinas da COVID-19 através da alteração da Lei 9.279/96 no Congresso, em razão de já estarem previstas em acordos internacionais próprios e excepcionais.
Concluo dizendo que não tenho conhecimento de nenhuma quebra mundial de patentes de vacinas, tipo BCG, Hepatite B, febre amarela, influenza ou outro tipo, e o que há é escarcéu da esquerda tripudiando sobre o Acordo Internacional TRIPS, que o Brasil ratificou para licenciar compulsoriamente vacinas para COVID que não tem nem o caráter definitivo. O que é importante, é pensar na licença compulsória quando o REMÉDIO é muito caro para introduzi-lo no SUS.
Luiz Antônio Santa Ritta, para Vida Destra, 12/05/2021.
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Simples tem 6 laboratórios que estão vendendo vacina contra Covid-19, e tem mais 250 pesquisando novas vacinas, veja o caso do Butantan com a Butanvac. O grandes já fecharam contrato com o mundo todo para vender bilhões de doses. Caso ocorra quebra das patentes para a Covid simplesmente os 250 laboratórios que estão pesquisando vão jogar no lixo toda a pesquisa, afinal despois de entrarem com a patente esta seria quebra e não ganhariam nada com a pesquisa desenvolvida. É um tiro no pé.
Justamente Mauri! A quebra de patentes desestimula a pesquisa, bem como invade o direito de propriedade intelectual.
A esquerda trabalhando para acabar com o capitalismo.
Justamente Paggiaro!