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A sentença contra Lula explicada e desenhada

Quando o ex-juiz Sérgio Moro publicou a sentença que condenou o ex-presidente Lula por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, uma avalanche de críticas advindas do PT e de simpatizantes, a exemplo de Ciro Gomes, vieram à tona contra o, na época, magistrado, tais como “o processo não possui provas capazes de condenar”. O problema de posições como essas, ainda mais advindas de juristas, é que além de darem alfafa ao gado, isto é, dão, ou pelo menos tentam dar argumentos a uma esquerda que não lê para vitimizar um homem que passa a falsa ilusão de que ajudou grupos pobres marginalizados a ascenderem na vida, também sustentam teorias da conspiração, como a de que o Judiciário, o Ministério Público, a Polícia Federal e até o Tribunal de Contas estão obedecendo ordens dos EUA, para “causar uma crise financeira no Brasil a mando das elites banqueiras”, palavras de Jessé de Souza, o intelectual queridinho da esquerda paranoica brasileira em entrevista ao Brasil247. Curiosamente, os bancos obtiveram os maiores lucros de sua história nos governos petistas, tanto é que o dono do Itaú, Roberto Setúbal, na época do Impeachment, defendeu a manutenção de Dilma no poder. E também há a teoria de que “Sérgio Moro é um agente treinado pela CIA e pelo FBI, que criou a Lava jato com o objetivo de entregar o pré-sal para o capital estrangeiro e acabar com a soberania nacional”, nas palavras de Marilena Chauí, professora de filosofia da USP.

Na Itália, durante a operação Mãos Limpas, a “Lava Jato italiana” que ocorreu na década de 90, mudaram os personagens, mas não a história: o Primeiro Ministro na época, o sr. Betino Craxi, que era considerado um “socialista de direita” e que dizia fazer oposição ao partido comunista, o mesmo partido com o qual ele se reunia para dividir as propinas e dinheiros de caixa dois, fazendo, assim, uma falsa oposição (exatamente como PT e PSDB aqui), quando fora condenado pelos juízes italianos, fugiu para a Tunísia e passou a acusá-los, via cartas e entrevistas, de serem comunistas, e que os juízes, os procuradores, a polícia e a mídia estavam em uma espécie de “conluio comunista para destruir a direita italiana, a soberania nacional e seu governo” e toda aquela ladainha que estamos acostumados.

Todas as acusações, como sempre, se baseiam em achismos e não apresentam nenhuma evidência, mas são entendidas pelos canhotos, tanto daqui quanto de lá, como uma verdade absoluta, ou seja, isso é mais uma prova de que o esquerdismo é uma doença mental, como afirmei neste artigo.

Antes entender o porquê de Lula ter sido condenado, é necessário entender os crimes os quais ele e Léo Pinheiro, à época presidente da OAS, também réu neste processo, foram acusados. Primeiro, temos Corrupção Passiva, o qual o ex-presidente foi acusado e que segundo o artigo 317 do Código Penal, consiste em o funcionário público Solicitar ou receber, para si ou para outros, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-lá, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem. A tal vantagem indevida aqui, numa linguagem informal, é a famosa propina. Logo, corrupção passiva é um crime praticado apenas por funcionários públicos, cuja conduta é, em suma, pedir, receber ou aceitar propina e no caso do ex-presidente Lula, que aceitou como propina o tríplex, foi um crime formal, isto é, ele ocorreu a partir do momento da aceitação, não do momento do recebimento do triplex em si, pois se valesse o momento do recebimento, não haveria a condenação por corrupção passiva, pelo fato de que o apartamento nunca ter sido transferido para o nome de Lula.

Para corromper o funcionário público, exceto na conduta em que ele mesmo solicita vantagem indevida, é necessário um terceiro para tal, que é aquele interessado obter vantagem também indevida, no caso, Léo Pinheiro, interessado nos contratos superfaturados entre sua empresa (a construtora OAS) e a Petrobrás. Esse terceiro pratica o delito chamado de corrupção ativa, que segundo o código penal, artigo 333, consiste em “Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício”. Ato de ofício aqui é o ato que o funcionário público pratica em sua função como servidor público, como por exemplo, um juiz sentenciar um processo ou um guarda de trânsito aplicar uma multa quando vê uma infração. Obviamente, não está incluso entre os atos de ofícios aceitar propinas. Há, ainda, também imputado ao ex-presidente Lula, o crime de lavagem de dinheiro, que consiste, segundo a Lei 9613/98 em “Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”, que foi o que houve com o apartamento do ex-presidente. As críticas de que não há provas no processo se baseiam justamente na consumação do crime de lavagem de dinheiro, que é caracterizado, neste caso, pela tentativa de ocultação do tal tríplex, da sua reforma no valor de 926,2 mil reais e do mobiliário no valor de 350,2 mil reais pelo ex-presidente e por Léo Pinheiro, tentando colocar o apartamento em nome da construtora OAS, para que, desta forma, a justiça nunca tivesse conhecimento que o apartamento em questão fora dado a Lula pela OAS como forma de “comprar” a intervenção do ex-presidente, à época Presidente da República e, portanto, chefe final da Petrobrás, ao nomear para a direção da empresa o senhor Paulo Roberto Costa, ex diretor de abastecimento, delator e condenado na Lava Jato, com o objetivo de facilitar as negociações da construtora de Léo Pinheiro com a Petrolífera através de contratos que juntos somavam 2,9 bilhões, sendo 87,6 milhões em propinas pagas diretamente aos diretores da Petrobrás, ao ex-presidente Lula e ao Partido dos Trabalhadores (PT).

A melhor forma de elucidar casos de lavagem de dinheiro e corrupção, delitos que aparecem muitas vezes juntos, dado que após receber dinheiro indevido de corrupção, é necessário “limpá-lo” através da lavagem de dinheiro, isto é, fazer com que ele pareça ter vindo de uma fonte lícita, é, em primeiro lugar, recorrer a história do caso e em segundo, conforme o Ministro da Justiça Sérgio Moro explicou numa palestra para juristas, seguir “o rastro do dinheiro”, pois desta forma, chega-se à sua origem. No caso de Lula, tudo começou em 2005, quando ele e Marisa financiaram um apartamento comum, em 76 vezes, de número 141-A, no condomínio Mar Cantábrico, no Guarujá, junto à Bancoop, Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo, presidida por ninguém mais ninguém menos do que João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT condenado na Lava Jato. Em 2009, a obra ainda estava em andamento, mas a Bancoop estava quase falida, o que a fez passar o empreendimento para a Construtora OAS, de Léo Pinheiro, que já tinha uma certa amizade com Lula por serviços prestados ao governo. A OAS terminou a obra e mudou o nome do condomínio de Mar Cantrábico para Solaris e mudou o apartamento da cobertura de duplex, de número 174-A para triplex, de número 164-A. Assim que a OAS assumiu o empreendimento, ela deu 30 dias para aqueles que já haviam adquiro apartamentos decidir: ou usar o montante já pago à Bancoop como entrada e pagar as demais parcelas em novos valores a serem recalculados ou devolver o apartamento financiado inicialmente com a cooperativa e receber seu dinheiro de volta. Lula e Marisa, em tese, ainda teriam mais ou menos 28 parcelas para pagar desse empreendimento e não fizeram nem um coisa nem outra, apenas pararam de pagar assim que a OAS assumiu. Se não pagaram e continuaram morando no tríplex, obviamente pagaram de outra maneira à OAS e essa outra maneira já havia acontecido, que era a nomeação de Paulo Roberto para a Petrobrás, em 2004. Coincidentemente, assim que Léo Pinheiro foi preso, Marisa Letícia ingressou com uma ação civil para cobrar os valores já pagos.

Em meados de 2004, de acordo com a delação do ex-deputado do PP Pedro Corrêa, condenado na Lava Jato, Lula, José Dirceu e José Eduardo Dutra, ex-presidente da Petrobrás, estavam negociando a nomeação de Paulo Roberto Costa, nome do PP, para a direção de abastecimento. De início, havia resistência do Conselho Administrativo da empresa, órgão independente, com 10 conselheiros, sendo 7 deles nomeados pelo Presidente da República, e com autonomia na Petrolífera. A resistência havia porque, conforme Dutra explicou para Lula, “não é da tradição da empresa e do Conselho trocar de diretores” e como resposta de Lula, Dutra obteve: “escuta aqui, Dutra, se fosse pela tradição, você não seria presidente da Petrobrás e eu não seria presidente da República. Avise ao Conselho que ou eles nomeiam Paulo Roberto Costa ou eu irei demiti-los e nomear um novo Conselho”. 15 dias depois, Paulo Roberto Costa era o novo diretor de abastecimento.
Ainda em 2005, durante a construção da Refinaria Abreu & Lima, feita em partes pela OAS, segundo depoimento de Léo Pinheiro, presidente da OAS na época, João Vaccari Neto, o tesoureiro petista, o procurou para negociar o pagamento de propina de 1% do valor de contrato para o PT, valor este que foi depositado na conta de propinas que havia e que posteriormente foi debitado para abater o valor do triplex e consumar a lavagem de dinheiro do apartamento de Lula. Vaccari disse que esses 1% seria para que a OAS passasse a ser convidada pela Petrobrás para participar das “grandes obras”, o que introduziu a construtora de Léo Pinheiro no mundo das obras superfaturadas da Petrobrás, já que Paulo Roberto da Costa já era diretor da empresa para esses fins.
Alguns anos depois, em 2016, na 24ª fase da Operação Lava Jato, Aletheia, documentos apreendidos na Bancoop, que conseguiu se recuperar da quase falência, e na residência de Lula comprovam que o contrato do apartamento no agora edifício Solaris firmado por Marisa Letícia, ex primeira dama, foi rasurado na numeração do apartamento, sendo que alguém, não se sabe se Lula ou Marisa, mas também não importa, alterou a numeração original de 174-A para 141-A, que era o antigo apartamento padrão, muito menor e mais barato (e que nem Lula nem Marisa estavam ocupando, diga-se de passagem, porque em fevereiro de 2012 ele constava num panfleto como “disponível”, e que foi vendido em 26 de abril de 2014, mais duas provas de que o 141-A não pertencia mais ao casal, que já morava no tríplex). A perícia também identificou outra rasura, tentando camuflar a palavra “triplex”. Essas foram consideradas provas documentais, dado que, se o triplex não pertencia a eles, não haveria a necessidade de rasurar os documentos contratuais e eles não estariam morando lá. Aliás, se o tríplex não pertencia ao casal, nem nos documentos constaria essa palavra, que como dito, foi rasurada. Agora vem o pulo do gato: planilhas apreendidas na sede da Bancoop e na residência de Lula indicavam que os apartamentos do condomínio Solaris ou já haviam sido comercializados ou estavam em estoque, com exceção de um e você ganha uma carteira de trabalho extra para colocar na porta da sua casa para afastar os militantes do MST se adivinhar qual é: justamente o duplex 174-A, transformado pela OAS em tríplex 164-A, que constava na planilha como “reservado”. Essa é outra prova documental que atesta que o apartamento estava destinado a Lula e Marisa, mesmo eles “pagando” por um menor.

Houve, ainda, o testemunho de Ricardo Marques Imabassy, gerente da OAS, e Carmini de Siervi Neto, diretor superintendente da empresa, que relataram ter ciência de que Lula possuía um apartamento no condomínio Solaris e que isso era de conhecimento comum na diretoria da empresa. Agora vem a pergunta para os que acham Lula inocente: se o apartamento de Lula era o 141-A e estava vazio desde 2012 e fora vendido em 2014, por que raios o ex-presidente morava há anos no 164-A, mobiliado pela OAS, que “não costuma mobiliar apartamentos”, o que completa todos os depoimentos contra Lula nas delações, como o de Léo Pinheiro, os depoimentos dos moradores do condomínio que testemunharam que sabiam que Lula morava lá e era o dono do apartamento sob judice e as provas documentais? É possível ir além ainda: se o tríplex não era de Lula, por que raios ele o declarou como propriedade no imposto de renda até 2015, justamente o ano em que a Lava Jato começou a bater na porta da OAS, prendendo Léo Pinheiro e outros executivos da empresa?

Há, ainda, o testemunho de Mariuza Aparecida, uma engenheira contratada pela OAS em 2014 para dar assistência ao cliente, que confirma que acompanhou Marisa e o filho de Lula em visitas ao tríplex diversas vezes para avaliar se as reformas estavam sendo feitas de acordo com o combinado. Detalhe: eles foram os únicos que visitaram o imóvel, nenhum outro “interessado” o visitou.

A maior crítica dos defensores de Lula é de que o tríplex nunca fora transferido para o nome do Lula, ficando sempre em nome da OAS no cartório de imóveis, sendo, então, à luz do código civil, impossível de atribuir a Lula a sua propriedade. Porém, o argumento é considerado frágil, porque se de um lado o Código Civil diz que proprietário é aquele cujo nome consta no cartório de imóveis (e no cartório constava o nome da OAS), do outro, lado a lei de lavagem de dinheiro diz que ocultar propriedade proveniente de infração é uma conduta criminosa e somando todas as provas, já estava claro que o apartamento em si não pertencia mais à OAS. O mais irônico aqui é que se o tríplex tivesse sido transferido para o nome de Lula, não haveria o crime de lavagem de dinheiro, já que a propriedade em si não estaria oculta, haveria apenas apenas o crime de corrupção passiva, por parte de Lula, e corrupção ativa, por parte de Léo Pinheiro e demais funcionários da OAS.
De fato, não há, como disse Lula em um pronunciamento em um sindicato, um documento que diga “eu sou dono do tríplex”, uma vez que, se houvesse, ele não teria sido condenado por lavagem de dinheiro, mas sim por corrupção, somente. Há ainda os juristas de esquerda que, ao tentar justificar as condutas ímprobas do ex-presidente, atacam a delação premiada, dizendo que ela não deveria ser usada como prova, pois não possui presunção alguma de veracidade, sendo incapaz de provar quaisquer crimes. Realmente, delações premiadas não têm presunção de veracidade, elas servem para auxiliar o juiz no processo penal para corroborar e elucidar provas documentais, testemunhais, etc, exatamente como foi feita neste processo e ela não pode ser descaracterizada, porque mentir em delação é crime, então se o delator não consegue provar o que diz ou futuramente o juiz descobre que ele mentiu, ele pode pegar até mais quatro anos de cadeia.

Pode parecer pouco, mas no caso de Léo Pinheiro, por exemplo, que foi inicialmente condenado a 16 anos, se somado à pena mais 4 anos, seriam 20 anos na cadeia e a pergunta é: por que ele passaria 20 anos na cadeia se pode passar nem 25% deste tempo se cooperar com a justiça, mas para cooperar, tem que falar obrigatoriamente a verdade, sob pena de passar os 20 anos? No mais, em casos como esses, em que “não há um documento assinado pelo condenado atestando o crime”, ou se dá atenção e valor às provas que existem (que neste caso foram muito bem elaboradas e esclarecedoras) ou a sociedade é quem pagará pelo crime, com o agente solto para realizar mais condutas desse tipo. Uma vez que não existam provas que contrariem as apresentadas pela acusação, nunca é tarde para relembrar a célebre frase com a qual Sérgio Moro finalizou a sentença que condenou Lula, repetida pelos desembargadores do TRF 4, que diz: “não importa o quão alto você esteja, jamais estará acima da lei”.

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