Não é de hoje que se diz que importa mais a versão do fato do que o fato em si. Será isso verdade? Penso que sim e digo o porquê.
Vários são os métodos pelos quais podemos tomar conhecimento de fatos: através de pessoas envolvidas, comentários de quem ouviu dizer, fofocas fundamentadas ou não, declarações oficiais e pela a imprensa, seja escrita, falada ou televisiva.
A maioria de nós sabe de algum fato através da imprensa, mesmo nesta Era Digital em que vivemos e que funciona como uma espécie de caixa de ressonância de fatos e de suas versões. Mas temos a tendência a confiar mais no que a imprensa divulga, pois fomos condicionados a isso, além de acreditarmos que quem escreve data e assina sobre algo ou alguém, está imbuído do compromisso implícito de restringir-se ao factual e ao verdadeiro, isento de interpretações pessoais. Deveria ser assim, só que nem sempre é.
Até mesmo quando testemunhamos alguma ocorrência, ao relatá-la a alguém, podemos fazê-lo sob o domínio de nossa capacidade de percepção e mesmo de acordo com nossos princípios e valores. Isto é: somos influenciados por diversos fatores intrínsecos e extrínsecos e, até sem darmos conta, podemos conferir “colorido” à nossa narrativa efetuando juízo de valor que nada mais é que “um julgamento feito a partir de percepções individuais, tendo como base fatores culturais, sentimentais, ideologias e pré-conceitos pessoais, normalmente relacionados aos valores morais”. Isso é algo natural, assim como o é assumirmos estrita convicção sobre aquilo que estamos afirmando. Surpreendemos-nos quando outra pessoa, testemunha do mesmo fato, apresenta versão diferente e, não raramente, com interpretação diametralmente oposta à nossa.
Bons jornalistas treinam intensamente a habilidade de restringir-se ao fatual. Evitam a adjetivação de suas exposições e procuram trabalhar a isenção, limitando-se ao verdadeiro e real, preferencialmente verificável. Nos bons profissionais de jornalismo, a narrativa é uma espécie de fotografia do fato. Quando opinam sobre algo, o fazem assinando a matéria, demonstrando que estão interpretando o fato em questão. É legítimo. Contudo, essa – a isenção – é antes uma capacidade compreendida, assimilada e treinada do que algo que se aprenda em profundidade nos cursos de jornalismo, pois é algo que deve estar acima das convicções pessoais e só se verifica na prática. Apesar disso, isenção e estrita narração factual são atributos que consumidores de informações e notícias esperam dos veículos de comunicação, reservando-se o direito à devida interpretação, quando esta couber.
Como se pode supor, bons jornalistas não nascem feitos, mas se constroem ao longo de muitos anos de constantes exercícios de disciplina e profunda dedicação, apesar do individual talento, tal como acontece com “virtuoses” das artes.
A maioria dos profissionais do jornalismo sente íntimo prazer pela possibilidade de poder influenciar pessoas. Isso, por si, não é um mal, mas acaba se tornando quando o profissional manipula a informação de acordo com as próprias convicções e ideologia, travestindo-a, ou melhor, deturpando a verdade dos fatos, gerando as famigeradas “fake news” que tantos males causam. Tal tipo de ação, eivada de intencionalidade, se torna pior quando o profissional de um grande veículo se vale de sua habilidade e conquistada credibilidade, colocando-as a serviço de um patrão inescrupuloso ou, da maneira particular, de alguma instituição, seja ela política, partidária ou privada. Afinal, jornalistas estão sujeitos as imperfeições humanas e são passíveis das tentações da corrupção oficial ou privada. Assédio a esse respeito não falta e é preciso grande apego à Ética para recusá-lo.
Pois é exatamente isso que temos visto acontecer com perturbadora frequência com nossa imprensa de alguns anos para cá: jornalistas a soldo de instituições, recebendo vultosos recursos financeiros, disfarçados sob a forma de palestras, quando não de aportes diretos a blogs ou patrocínios oficiais de colunas, muitos deles trabalhando em favor da desinformação e da tentativa intencional da manipulação da opinião pública. Vimos recentemente, com estupor, o quanto os governos lulopetistas financiaram, com recursos públicos, veículos de comunicação alinhados, articulistas, blogueiros e mesmo jornalistas de alguns veículos de expressão nacional ao longo de muitos anos. Já ocorreu no passado, mas jamais na intensidade dos anos recentes.
Tal prática tanto é imoral e antiética, quanto deveria ser ilegal. Não era coibida pela Lei 5250/67, que foi considerada inconstitucional pelo julgamento ADF 130 do STF, mas deveria ser. E se nova regulamentação surgir a respeito, seria de muito bom tom que se observasse com especial atenção essa questão. Existe um Código de Ética jornalística criado e difundido pela ABI – Associação Brasileira de Imprensa, mas tal código só tem força moral.
Portanto, quando o Presidente Bolsonaro corta verbas publicitárias de veículos, articulistas e blogueiros e denuncia jornalistas pelo recebimento de cachês por palestras, ele não deixa de ter razão. Afinal, desde seu primeiro dia de mandato presidencial, vem sofrendo implacável oposição da chamada extrema-imprensa – numa deplorável tática para fazê-lo abrir novamente os cofres oficias – que transforma cada ato, cada declaração dele em “crise” institucional, criticando permanentemente, sempre dedicando destaque secundário às realizações, quando o faz.
É preciso ressalvar que, felizmente, ainda há no país grandes jornalistas que revelam absoluta integridade no exercício de suas funções. Desses não se espera o apoio incondicional ao atual governo e nem que se eximam das críticas, quando estas couberam. Mas que continuem se valendo da ética jornalística na preciosa tarefa de bem informar a população. Não cabe aqui citar nomes, pois para fazê-lo seria necessário mencionar todos a fim de não cometer injustiças. Basta saber que existem, são notórios e merecem todo nosso respeito e admiração. Esses nos dão a certeza de que, afinal, ainda há esperanças de que a versão conveniente e deturpada dos fatos seja menos importante que os próprios fatos.
Laerte A. Ferraz, para Vida Destra, 12/09/2019.
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