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Atores detonam astro de Game of Thrones após crítica a Branca de Neve e os Sete Anões

“Não posso ser o Super-Homem, o Homem-Aranha ou o Capitão América. Posso ser um dos sete anões! Este é um papel feito para mim e para outras pessoas da nossa comunidade. Não faz sentido para mim que a voz de apenas uma pessoa esteja sendo levada em conta, como se representasse toda a comunidade [dos anões]”, disse ao jornal Daily Mail [1] o ator anão  Dylan Postl [2], de 35 anos, revoltado com a possibilidade de os Estúdios Disney cancelarem a contratação de atores anões para a versão live-action da história de Branca de Neve e os Sete Anões [3],  depois das críticas feitas pelo ator Peter Dinklage, de Game of Thrones.

Aparentemente, a Disney decidiu “repensar” os personagens clássicos e substituí-los por “seres mágicos”[4], após o ganhador do prêmio Emmy de melhor ator coadjuvante, em série dramática de 2018, dizer que “não faz sentido” querer ser “progressista” e escolher a atriz latina Rachel Zegler para interpretar a protagonista e, ainda assim, contar essa história “retrógrada” dos “anões que vivem numa caverna”.[5]

Embora considere Peter Dinklage como o mais importante ator anão de todos os tempos, Dylan Postl deixa claro que isso “não o torna o rei dos anões”.  Para ele, o astro de Game of Thrones “pensa estar sendo progressista”, mas, na verdade, “faz o oposto do que acha que está fazendo” e acrescenta:  “Fico mal por pensar que, por causa desse cara, existem sete atores anões que estão perdendo a oportunidade de interpretar papéis que foram feitos para eles. Dinklage, com seus  comentários, está acabando com a chance de sete atores anões realizarem seu sonho de estar em um filme da Disney.”

Jeff Brooks, ator anão de 62 anos, que mora em Dallas, nos Estados Unidos, afirma que, ao longo de sua carreira de 30 anos, “raramente se ofendeu com os papéis que lhe foram oferecidos” e que Branca de Neve e os Sete Anões não é uma história ofensiva. Tal como Postl, ele disse que aceitaria o papel.

Para Katrina Kemp, atriz de 31 anos, de Los Angeles, Dinklage tem “o privilégio de não [interpretar esses personagens, mas] há pessoas que alegremente assumiriam esses papéis”. No entanto, ela não acredita que o ator tenha tido  a intenção de tirar o trabalho das pessoas. Mas, Lauren Brooks não tem tanta certeza. Ela representa atores anões, há 15 anos, por meio de sua agência de talentos B3, com sede no Texas. Na sua opinião, Dinklage “é um cara entre milhões de pessoas com nanismo e todos querem ser ele. Se Peter não quer a competição, então, é muito egoísta da parte dele negar a outras pessoas o direito de trabalhar”.

Porém nem todos discordam do astro de Game of Thrones. Rhonda Cutmore, membro da Restricted Growth Association (Associação de Crescimento Restrito, em tradução livre), do Reino Unido, declarou ao jornal The Telegraph que “compartilhava da decepção e irritação” de Dinklage: “Como uma mulher de 46 anos com crescimento restrito, essa história sempre teve um impacto negativo sobre mim. Os estereótipos de Dunga e Dengoso não ajudaram no playground. Pessoas com crescimento restrito, em sua maioria, têm pais com estatura média e nunca moram em casas de gengibre, não têm caminhas de ursinho, nem vivem todos juntos”, explicou ela.

Há quem considere infantilizado o tratamento que Branca de Neve dá aos anões e que isso, de certa forma, teria reflexo na maneira como as pessoas com nanismo são vistas na vida real. Compreendo o desconforto. Ser tratado como criança não é prerrogativa exclusiva dos anões. Ao contrário, pessoas com deficiência em geral e até idosos também se ressentem de receber tratamento infantil frequentemente. Mas, não creio que o filme Branca Neve e os Sete Anões tenha responsabilidade na propagação desse tipo de preconceito.

Não era assim que me lembrava da história e, ao assistir novamente ao desenho clássico, concluí que esse é um conto de fadas adorável e os anões, sem dúvida, são os personagens principais. Considerando o comportamento de Branca de Neve em relação a eles, quando entra na casa vazia e observa os móveis pequenos, ela acha mesmo que os habitantes devem ser crianças. E, já que o local está sujo e bagunçado, conclui que as crianças são órfãs, não têm uma mãe para cuidar delas e, então, decide limpar a casa, com a ajuda dos animais da floresta. Depois de conhecer os anões e constatar que não são crianças, mas, sim, “homenzinhos”, ela os obriga a se lavarem antes de comerem o jantar que preparou para eles. Talvez, venha daí a interpretação de que Branca de Neve infantiliza os anões.

Mas, creio que ela faria a mesma coisa, mesmo se fossem homens com estatura média ou até avantajada. Afinal, o que fica claro desde o princípio é o poder que Branca, em virtude de sua beleza e feminilidade, tem sobre esses homens inexperientes a respeito do universo das mulheres. Acho que todos eles se apaixonaram por Branca e ela, por sua vez, adorou exercer seu fascínio feminino sobre eles. E, diante desse deslumbramento, muitos diriam que é natural homens se comportarem como meninos.

É verdade que os anões parecem meio desajeitados. Dunga é estabanado, Dengoso é tímido, Atchim sofre com sua alergia, Soneca luta contra seu sono permanente, Mestre troca as palavras porque sua mente é mais rápida do que a língua, Zangado amarga um eterno mau humor, talvez, porque não tenha tido boas experiências com mulheres. E o Feliz? Bem,  ele desfruta alegremente da vida.

Mas, é verdade também que, independentemente das características peculiares de cada um, todos os anões têm múltiplos talentos, tocam diversos instrumentos, cantam e dançam. São trabalhadores (mineram pedras preciosas), generosos, divertidos e cavalheiros, já que cederam seu quarto e suas camas para Branca dormir. Quando ela estava em perigo, decifraram o aviso enigmático, já que feito sem palavras, dos animais que foram alertá-los da ameaça representada pela bruxa, portanto, os anões são inteligentes e intuitivos. Para socorrer Branca, mostraram grande coragem e determinação ao enfrentar a bruxa que, perseguida por eles, acabou morrendo num acidente.

Sendo assim, ainda que se possa acreditar na escritora Steph Robson, quando diz que é preciso “corrigir os estereótipos” que ainda existem em relação a essa deficiência, “especialmente em ambientes artísticos e culturais”, é forçoso reconhecer que esse não é o caso com Branca de Neve. Até porque, como bem assinalou o fisiculturista Choon Tan, do norte de Londres, que atuou em produções de Branca de Neve, os anões “não são menos do que os heróis” nessa história.

Na opinião de Postl, Dinklage estava tentando bancar o  “woke”, ou seja, só queria lacrar e se mostrar “progressista” quando criticou a Disney: “Se você quer ter sucesso em Hollywood, isso é parte fundamental da sua mensagem.” Com a pandemia e a política do lockdown, ele diz que “estamos todos presos em casa entediados” e as “celebridades estão percorrendo as mídias sociais procurando alguém ou algo para cancelar”.

Postl acredita que a cultura de cancelamento “não é um problema apenas para pessoas pequenas”, mas, sim, “um problema para toda a sociedade”, pois, basta que “alguém levante uma bandeira vermelha e as empresas imediatamente param o que estão fazendo, em vez de levar em consideração os sentimentos de outras pessoas”. Ele acha que “deve haver um limite para essa loucura” porque “isso não é maneira de viver”.

O fisiculturista anão Choon Tan acredita que os danos causados por Peter Dinklage podem não ficar restritos ao filme da Branca de Neve. Ele teme “um efeito cascata” que faça com que, “por medo de serem atacadas ou depreciadas”, outras produções  artísticas também “evitem escalar pessoas pequenas ou que têm nanismo”.

Sob a égide da cultura do cancelamento, as celebridades, os aspirantes a celebridades, subcelebridades e pseudocelebridades, enfim, todos têm  atuado freneticamente nas redes sociais para aparentar virtude e simular empatia em relação às minorias. Por sua vez, fazer parte de uma categoria identitária “oprimida” se tornou um ativo bastante valorizado e utilizado sem pudor para conseguir holofotes e ser objeto de notícias na velha mídia totalmente rendida à cultura da lacração. Assim, temos organização de hansenianos querendo (e conseguindo) proibir o presidente da República de falar uma palavra e um talentoso, famoso e rico ator atacando um adorável e querido conto de fadas. Vale tudo na cultura do mimimi e do cancelamento, até mesmo prejudicar as pessoas reais, aborrecer os fãs e  irritar os espectadores.

A Disney, por exemplo, já se rendeu à ditadura do politicamente correto de um modo que chega a ser ridículo. Os seus clássicos filmes de animação estão infestados de “disclaimers” relativos a “cenas sensíveis”. Por exemplo, antes de assistirem a Peter Pan, as crianças são avisadas de que há cenas em que Peter e os garotos perdidos dançam com cocares, o que pode ser interpretado como “uma forma de zombaria” e uma “apropriação cultural” relativas aos “povos nativos americanos” que, “inadequadamente”, são chamados de “peles-vermelhas”. Em Os Aristogatas, os espectadores são alertados sobre uma cena em que um “gato chinês, dublado por um ator branco, fala com um sotaque clichê, trocando a letra “R” pela letra “L”, enquanto toca piano com pauzinhos”. O desenho A Dama e o Vagabundo tem avisos porque “os gatos siameses Si e Am são percebidos como estereotipados e os cães do canil têm nomes e sotaques, em grande parte, étnicos”. E por aí vai.

Leonardo, do canal Geek Véio [6], do Youtube, que trata de cultura popular, filmes, animes, quadrinhos, desenhos, games etc., detonou Peter Dinklage: “Será que ele não fez isso para diminuir o alcance de outros atores? E, fazendo isso, poder ser o único, o que é, mais ou menos, o que ele é hoje, apesar de terem vários [outros atores anões]. Quem sabe algum ator, fazendo um dos anões no [filme] Branca de Neve, chamasse tanto a atenção que começasse a roubar os papeis que seriam naturalmente dados a ele?”

Essa atitude não seria uma surpresa para o Geek Véio porque, na opinião dele: “Todo identitário, todo lacrador (…) é a pessoa mais preconceituosa que você vai conhecer na sua vida. Todos eles, não é que têm esqueletos no armário, têm um cemitério inteiro lá! Sempre a gente descobre alguma coisa e não é coisinha, não! São coisas tenebrosas vindas dessas pessoas. Elas são hipócritas, elas são maldosas. Elas sentem prazer em tirar o emprego de outras pessoas. Eu acho que [têm] praticamente orgasmos em destruir a vida de outras pessoas. E esse é o grande prazer delas: destruir tudo o que existe em volta, para, na sua concepção, elas se tornarem o que tem de melhor na sociedade.”

Os seguidores do Geek Véio também deixaram comentários expressando seu desprezo pelos lacradores:

“A vontade de lacrar, de ser ‘woke’, de receber aplauso e aprovação no Twitter é tão grande que saem dinamitando as oportunidades de quem precisa trabalhar. O resumo do justiceiro de rede social: não muda merda nenhuma no mundo, mas recebe curtida no Twitter.” (Alex Santos)

“Lacradores são geniais, eles têm um duplo padrão absurdo, conseguem ir de ‘um personagem negro deve ser dublado ou interpretado apenas por outros negros’ para ‘filmes com anões são ofensivos então tirem todos os anões’. É incrível como essas pessoas parecem que só ficam enchendo o saco não porque querem mudar algo no mundo mas por puro tédio e carência de atenção.” (Hugo Álvaro Hugo Álvaro)

Muitos seguidores evidenciaram seu espanto, descontentamento e perplexidade com a atitude de Peter Dinklage e da Disney:

“O cara é esperto, tá detonando a concorrência antes de ela se criar!” (Bruno Jefferson)

“O curioso caso do anão que fez fama e fortuna, justamente, por ser anão, e agora aparece dizendo que oportunidade no cinema para (outros) anões é ofensivo.” (Pedro Figueiredo)

“Ainda não entendi como escalar anões para interpretar os sete anões é ofensivo aos anões. Alguém me explica?” (Sergio Brittes)

“Eu fiquei incomodado por não ter atores anões em O Hobbit e, agora que tem a oportunidade de anões de fato fazerem [Branca de Neve e os Sete Anões], vão substituir [os anões] por ‘seres místicos’.” (Matheus Batista)

“Se o problema era o estereótipo relacionado aos anões, perderam a oportunidade de quebrar qualquer fato relacionado a isso mostrando os anões como pessoas normais.” (Marcos Aurelio Chad)

“Vamos ser sinceros, as pessoas mais lembram dos sete anões do que da Branca de Neve em si. Pois, quando se fala dela, a primeira coisa que vem à mente são os sete anões, assim como o contrário também [é verdadeiro], a história não funciona [com] um sem o outro. É tipo Tom & Jerry, A Bela e a Fera etc.” (Lucas da Costa Silva)

Houve também quem desse uma boa dica para a Disney produzir mais um sucesso de crítica e público, com um vilão que deixaria Cruella Cruel [7] no chinelo:

“Deveriam fazer um filme sobre como anões trabalhadores perderam seus empregos por causa de um egocêntrico rico e que, aparentemente, só fez isso porque quer lacrar. E, com esse pensamento idiota, ele seria um clássico vilão da Disney.” (João Fernando)

E o meu comentário favorito (porque politicamente incorreto e irônico) que manda a real:

“Golpe baixo o que esse Peter Dinklage fez, eles [os atores anões] estão certinhos em se revoltar, agora isso virou briga de gente grande.” (Matheus Henrique Aguiar Bertolussi) ?

 

Notas:

[1] Saiba mais acessando este link.

[2] O ator  interpretou, durante 10 anos, o lutador Hornswoggle, num  programa de luta livre americano.

[3] O desenho clássico Branca de Neve e os Sete Anões, baseado num conto de fadas dos Irmãos Grimm e publicado em 1812, foi o primeiro longa-metragem de animação da história e estreou em 21 de dezembro de 1937, nos Estados Unidos.

[4] Leia mais aqui.

[5] Na verdade, no desenho, os sete anões não vivem numa caverna, mas, sim, numa casa na floresta.

[6] Acesse aqui!

[7] Para mais informações sobre a vilã icônica de 101 Dálmatas acesse este link.

 

 

Lia Crespo, para Vida Destra, 15/02/2022.                                                              Sigam-me no Twitter, vamos debater o meu artigo! @liacrespo

 

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1 COMMENTS

  1. Paulo Francis já alertava no início dos anos 80 que o politicamente correto “vai dar m…”. Seu comentário não teve muita repercussão porque o fenômeno era restrito a uma ínfima minoria de norte-americanos, preocupada, entre outras coisas, com o “despudor” de gênios literários como Shakespeare e Mark Twain. A solução proposta? Banir Romeu e Julieta, Huckleberry Finn e outros livros das bibliotecas escolares. O resto do mundo achava graça, pensando que seria apenas um modismo passageiro. Mas a coisa cresceu a ponto de virar um instrumento de pressão social, comercial e geopolítica de alcance global. Hoje você não tenta censurar um livro: um grupo vai a uma livraria, destrói o estoque inteiro, assassina o livreiro e vira manchete como herói. “Pacificos” veganos ja incapacitaram açougueiros permanentemente nos EUA. Atores são banidos das telas. CEOs são demitidos por sexismo ou racismo não comprovados.Povos inteiros são rotulados de uma hora para outra de corruptos, cruéis, bárbaros e sem condições de se autogovernarem (já disseram isso do Brasil, e antes do Bolsonaro). Não sei onde vamos parar, mas com toda certeza a profecia de Paulo Francis já se cumpriu: deu merda!

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Lia Crespo é militante jurássica do movimento das pessoas deficientes, jornalista, com doutorado em História Social, com a tese "Da invisibilidade à construção da própria cidadania. Os obstáculos, as estratégias e as conquistas do movimento social das pessoas com deficiência no Brasil, através das histórias de vida de seus líderes" (FFLCH/USP), e mestrado em Ciências da Comunicação, com a dissertação “Informação e Deformação: A imagem das pessoas com deficiência na mídia impressa” (ECA/USP). Autora dos livros infantis “Júlia e seus amigos” e “Uma nova amiga”, que tratam de deficiência e da importância da amizade para uma sociedade inclusiva.