Vida Destra

Informação é Poder!

Política

Bolsonaro é traidor? Não, é estrategista. E você sofre de Dunning Kruger! (Parte II)

A primeira parte está aqui : Bolsonaro é traidor? Não, é estrategista! E você sofre de Dunning Kruger! (Parte I)


 

Justin Kruger e David Dunnig foram dois pesquisadores que aplicaram testes de auto avaliação de lógica, administração e percepção de humor a estudantes da Universidade de Cornell, nos EUA ¹.  As premissas do estudo foram as seguintes:

a) Indivíduos incompetentes sobre determinada área de conhecimento, comparados com indivíduos competentes, superestimam suas habilidades e desempenho em relação a critérios objetivos;
b) Indivíduos incompetentes não conseguem reconhecer corretamente a superioridade dos indivíduos competentes e mais capazes;
c) Indivíduos incompetentes são menos hábeis que os competentes para obter insights sobre a extensão de sua ignorância, quando obtém informações comparativas. Por não reconhecerem a competência alheia, os incompetentes são menos capazes de usar informação sobre escolhas e desempenho de outras pessoas, de modo a melhorar o seu próprio desempenho;
d) Os incompetentes só conseguem avaliar sua própria ignorância depois de receberem o devido treinamento para dominar aquela habilidade de conhecimento que lhes falta

Essas premissas se confirmaram após a análise dos dados obtidos nos testes. Em síntese, os resultados detectaram o seguinte: os estudantes que tiraram as notas mais baixas e que, portanto, menos sabiam sobre os temas avaliados, superestimaram suas habilidades, dando notas, a si mesmos, bem maiores do que aquelas efetivamente obtidas. Por outro lado, com os estudantes que conseguiram as notas mais altas ocorreu o inverso: atribuíram a si notas mais baixas do que as alcançadas, subestimando suas aptidões. Em suma, os resultados apontavam que “a ignorância gera confiança com mais frequência do que o conhecimento”².

Esse gráfico abaixo exemplifica o efeito Dunnig Kruger.

 

O gráfico em questão tem duas coordenadas: o eixo vertical (ou eixo das ordenadas) mede o nível de confiança que uma pessoa tem sobre determinado assunto. O eixo horizontal (ou das abscissas) mede a sabedoria, o grau efetivo de conhecimento, a real competência que essa pessoa tem sobre a área em questão. Observe-se que, perto do zero, mesmo sabendo quase nada de um assunto, o sujeito pode ter muita confiança em relação ao nível em que o domina. Não raro, mesmo sabendo pouco, pode imaginar que sabe muito mais do que pessoas que tem muito mais conhecimento da área. A parte ascendente da curva em formato de “U” invertido indica que esse tipo de sujeito pretensioso, adquirindo um pouco mais de conhecimento, à medida que o tempo transcorre, pode chegar a sofrer um nível muito alto de viés cognitivo, superestimando seus próprios saberes.  Mesmo entendendo superficialmente do assunto, age como se fosse o supremo conhecedor do universo naquela área. É quando alcança o chamado “Monte da Estupidez”. No entanto, à medida que tal pessoa se interesse de fato em estudar com afinco e obtenha mais sólidos conhecimentos, também vai descortinando a imensidão de sua ignorância. Daí se vê a queda abrupta do nível de confiança.  Começa a se dar conta de que, em mundo em que o conhecimento existente dobra em pouco tempo, ela é ignorante sobre quase tudo. Assim, o grau de confiança vai declinando e segue em queda livre, até o fundo do denominado “Vale do desespero”. Quando chega nesse fundo de poço, mas continua estudando e se aprofundando, a mente vai se iluminando. Então, a confiança começa a subir outra vez. Mas aí já se está numa curva de aprendizado ascendente, que leva até o nível de guru ou de especialista no assunto.

O efeito Dunning-Kruger é um tipo de viés cognitivo em que indivíduos medíocres imaginam estar muito acima da média.  Possuidores de conhecimento apenas medianos, bastante superficiais, muito limitados ou quase nulos sobre um assunto, tais pessoas superestimam seus saberes, crendo que tem um domínio muito maior sobre uma área de conhecimento do que efetivamente possuem. Isso tende a leva-las a tomar decisões equivocadas, a fazer julgamentos precipitados, mantendo comportamentos erráticos e inconsistentes. É o que se chama de superioridade imaginária. Por outro lado, o mesmo efeito explica porque outras pessoas, que realmente tem conhecimento sólido sobre o assunto, subestimam suas capacidades, pensando que outros indivíduos menos capazes seriam mais capazes do que eles. Assim, temos um efeito duplamente negativo observado, por exemplo, nas redes sociais: pessoas que não dominam um assunto, ou tem pouco conhecimento sobre ele, opinam como se fossem doutas conhecedoras do tema e ficam furiosas com quem pensa diferente. Por outro lado, muitos daqueles que sabem sobre o assunto evitam comentá-lo, pensando que outros são mais capazes do que eles.

O ignorante padrão do experimento de Dunning Kruger pode ser, por exemplo, o indivíduo que começou a estudar piano há poucos meses, mas já se considera o próprio Franz List, Chopin, Beethoven ou Tchaikovsky em pessoa. São muito comuns, no contexto artístico, aspirantes a cantores que se apresentam em programas de talentos, como The Voice. Para sua surpresa, tais pessoas são sumariamente eliminadas pelos jurados, por causa de um desempenho muito fraco e ruim. Mesmo sendo desafinados, tais indivíduos superestimaram suas habilidades, ao ponto de passarem constrangimento público, porque não imaginavam que tinham uma voz parecida com a de taquara rachada. Pelo contrário, pensavam que tinham os talentos vocais de algum cantor famoso, algum virtuose conhecido, e por isso ficam tão decepcionados quando recebem notas baixas para o seu pífio desempenho artístico. Lembro de que, quando criança, em um famoso programa de auditório, Abelardo Barbosa, o Chacrinha, premiava tais pretensos cantores, que apresentavam péssimo desempenho, com buzinadas e com um troféu curioso: um abacaxi.

Sofre também do viés cognitivo de Dunnig-Kruger o youtuber isentão famoso que mal leu, se muito, em sua vida inteira, um livro sobre Ciência Política e pensa que é a reencarnação do próprio Aristóteles, considerando, assim, que está apto a dar lições públicas sobre a arte do bom governo, sobre administração do Estado e sobre políticas públicas. Mesmo tendo pouca informação sobre a questão, o sujeito não se constrange em fazer, como no caso recente do Juiz de Garantias, afirmações com muita assertividade, como se fosse expert no assunto. O indivíduo não parou para pensar nem 10 minutos sobre o tema em questão, não leu sequer um artigo sobre ele, não consultou nenhum especialista experiente e versado na matéria, nem muito menos fez uma graduação em Direito, mas se arroga o “direito” de emitir juízos terminativos sobre o que não sabe. Age como se ele fosse um ilustre detentor de conhecimentos, que não possui de fato, tecendo seus comentários, de forma peremptória, como se fosse o maior especialista do assunto em todo o universo. Ele não está tentando entender o problema, que pode ser muito mais complexo do que imagina. Ele não está buscando a verdade por trás das meras aparências. Ele não está interessado em conhecer a essência e os fundamentos das realidades sobre as quais está emitindo juízos e construindo argumentos, com tanta veemência e empáfia. Seu objetivo é apenas opinar, mesmo sem base, como se disso o Universo precisasse. E isso ele o faz apenas porque desconhece o tamanho de sua própria ignorância ³.

No caso do Juiz de Garantias,  o opinador contumaz, que pouco sabe sobre a matéria,  é o auto proclamado sábio jurista de ocasião. Emite e formula veredictos sobre o assunto como se fosse um grande constitucionalista ou profundo conhecedor do Direito Penal. É o auto-declarado plantonista de varas de direito imaginárias, a tudo atento para lançar em rosto do Presidente as suas supostas traições ao povo que o elegeu. E ai daquele que discorda, ao menos parcialmente, do suposto Onisciente jurista! O pretenso sábio sobe nas tamancas e vocifera juízos condenatórios! Invectiva todas as pragas apocalípticas conhecidas contra os seus refutadores! Pela cabeça dos supostos detentores de informações privilegiadas não passa a ideia, nem por um instante, de que eles possam estar completamente enganados sobre o tema de que tratam com tanta veemência.

Conhecer o dito de Apeles, mencionado no artigo anterior, seria muito útil para essa gente que vive a fazer diagnósticos infundados, como se válidos fossem, sobre realidades das quais não compreendem o básico: Não vá o sapateiro além dos sapatos. Isso lhe poderia evitar o constrangimento de passar atestado público de ignorância, presunção, burrice ou má fé. Ou de tudo isso misturado. Há muita gente que desconhece por completo o processo decisório de um  governo, mas pensa saber tudo sobre o mesmo.

Para terminar, me ocorre, neste momento, para ilustrar o caso dos opinadores de ocasião que pouco sabem, mas pensam saber muito, por estarem submetidos a um alto nível de viés cognitivo, desancando sem dó aqueles que deles discordam, a primeira estrofe de um famoso soneto de Gregório de Matos:

  A cada canto um grande conselheiro,

          Que nos quer governar a cabana, e vinha,

Não sabem governar sua cozinha,

  E podem governar o mundo inteiro.

 

Lívio Oliveira, para Vida Destra, 07/01/2020.

Sigam-me no Twitter! Vamos conversar! @liviolsoliveira


 

¹ O artigo original, em inglês, pode ser acessado aqui http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.64.2655&rep=rep1&type=pdf

² Em um caso muito curioso, que ficou conhecido nos EUA, em 1995, um homem chamado MacArthur Wheeler borrifou suco de limão no rosto e foi assaltar dois bancos, na cidade de Pittsburg, em plena luz do dia, sem usar nenhum disfarce. Imagens de câmeras possibilitaram à polícia identificar e prender,  posteriormente, o meliante, no mesmo dia. Wheeler, quando se viu nas imagens de vídeo, exclamou surpreso e decepcionado, “Mas eu usei suco de limão!”. Ele acreditou na informação de que borrifar suco de limão no rosto o tornaria invisível. Por isso, ficou tão confiante a ponto de cometer assaltos sem usar máscara.

³ Em um vídeo que pode ser usado para exemplificar o efeito Dunning-Kruger, e ao mesmo tempo hilário, que circula pela internet, pessoas, entrevistadas aleatoriamente, são indagadas se tomariam H20 (a fórmula química da água, formada por dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio). Ninguém respondeu corretamente. Mas todos fizeram questão de opinar sobre o assunto, como se soubessem do que se tratava. Houve quem dissesse que nunca tomaria H2O, pois isso seria algo de usuário de drogas! O link de acesso ao vídeo https://www.youtube.com/watch?v=2h_I_1cfROA

2 COMMENTS

LEAVE A RESPONSE

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Lívio Luiz Soares de Oliveira. Economista, analista pesquisador, articulista do Vida Destra