Sobre “como fabricar uma crise do nada” (ou sobre “como funciona a mídia tradicional”). Saiba interpretar o que grandes veículos de imprensa e jornalistas famosos publicam. Funciona assim :
A mídia tradicional e os jornalistas de renome PRECISAM se manter em evidência e ter audiência. Caso contrário, perdem relevância, perdem patrocínio e “morrem”. Daí a sua busca desenfreada pelo “furo de reportagem” e para serem os primeiros a publicar algo relevante.
Como a competição é grande, todos lutam para manter os melhores contatos possíveis e ter acesso a informações privilegiadas em primeira mão. São as chamadas “fontes”, cuja identidade é protegida pela Constituição em nome do “direito de todos ao acesso à informação”.
Boas “fontes” são recompensadas com influência na mídia, publicação de notas e reportagens que lhes interessa, menções positivas, apoio em caso de crise, proteção em caso de sofrer ataque, nome em evidência em situações que sequer seriam notícia, silêncio em caso de se envolverem em escândalos, empregos para parentes e amigos nos grandes veículos de mídia, jantares, vinhos caros e até dinheiro ou sexo, dentre outras benesses. Por isso, há muitos interessados em ser “fonte” de jornalistas. Muitas vezes, as fontes ficam meio secas pela simples falta de algo errado sendo feito às escondidas na política. Isso ocorre em Governos honestos e com políticos que não fazem política podre, ou quando o País vai bem e as coisas estão melhorando. Nestes casos, como “notícia boa não vende”, a imprensa e os jornalistas entram em abstinência e ficam requentando coisa velha ou publicando coisas irrelevantes até acharem outro “furo”. Por isso o BBB, o filme do Wagner Moura e a camisa falsa do Palmeiras viram notícia. Como furos jornalísticos verdadeiros são imprevisíveis e podem não ocorrer, o impulso de usar algo pequeno ou irrelevante e transformar em algo “grande” começa a ser irresistível, pois “crises” e “furos” geram audiência, repercutem e dão status. Aí, vem também o impulso de “inventar algo”, “mentir”, transformar urgentemente algo em notícia, em nome da própria sobrevivência. Então… Se não existe fato algum, ou existe apenas algo pequeno e totalmente irrelevante, ainda dá para criar e manter um “furo jornalístico”. Por exemplo (isso é um mero exemplo, NÃO significa que ocorreu): no caso atual de Bebianno, mesmo se ele não disse nada, ou só disse algo como “Vou te falar, viu, se arrependimento matasse…” ou “Pô, e olha que eu ajudei a viabilizar o cara” ou algo que se diz quando se está irritado ou desabafando, ainda dá para criar um “fato” em cima.
Alguém que gosta de ser uma “fonte relevante” está por perto e ouve isso. Então, procura o jornalista seu amigo e diz o que ouviu Bebianno falar, já dando um tom meio exagerado ou distorcido, para SE VALORIZAR como fonte. Ou mesmo o sujeito viu só a cara de preocupado ou de decepcionado do Bebianno e já conclui que “Com certeza ele está pensando em tal e tal coisa, preciso contar isso para o meu amiguinho jornalista e me valorizar como fonte”. A mídia precisa que o “furo” seja o mais impactante possível e dá uma valorizada na coisa publicando que “Bebianno se arrepende de ajudar a eleger Bolsonaro” ou “Bebianno se diz decepcionado com Bolsonaro” ou “Bebianno vai derrubar Bolsonaro” ou algo deste estilo. Percebam como e onde a notícia nasceu e como ela está sendo finalmente publicada. Estes “furos de reportagem” sempre trazem referências à origem da informação como sendo de “pessoa próxima”, “interlocutor”, “alguém que presenciou a conversa”, “pessoa bem relacionada em Brasília” e por aí vai. Agora, imagine que Bebianno desminta a notícia e diga que não falou nada disso. O desmentido não prejudica o plano da mídia, que solta: “Bolsonaro convence Bebianno a voltar atrás em suas declarações” ou “Governo minimiza a crise dizendo que Bebianno não deu tais declarações”, ou “Bebianno diz que suas declarações foram tiradas do contexto”, ou “Governo tenta apagar incêndio causado por Bebianno”, ou “Aliados de Bolsonaro pressionam Bebianno”. Note que isso é publicado em cima de algo já distorcido, mas mantém-se o “fato” em alta repercussão. Começa uma nova sequência de informações e contra-informações, publicações e respostas. Um veículo de mídia começa a republicar a notícia do outro veículo de mídia. Blogs reproduzem suas próprias versões e acrescentam suas próprias conclusões, cada um tentando ganhar sua fatia de relevância no “fato”. O tema repercute nas redes sociais. Uns defendem, outros atacam, outros ficam em cima do muro. Tudo ajuda o suposto “fato” a se tornar cada vez mais relevante e conhecido. Neste ponto, os termos utilizados por mídias e blogs jornalísticos são fundamentais para aumentar arelevância e manter o tema em alta: por isso, se fala em “crise”, “risco”, “paralisar”, “inviabilizar”, “mudanças”, “ataque”, “rompimento”, “ameaças” e termos correlatos. Notem que são sempre termos tirados da INTERPRETAÇÃO das NOTÍCIAS e de COMENTÁRIOS sobre o fato, e não sobre o fato em si, que sequer é questionado. Se alguém tenta duvidar da veracidade do “fato incontroverso”, é taxado como “desinformado”, “sem noção” ou “puxa-saco”. Aqui nascem as milícias digitais, as brigas do Twitter e morre a argumentação razoável.